Pub.
Opinião
Tendência

Um Dia 15 sem grogue, com Cacói e António Tchitche

Pub.

João Henrique Delgado Cruz

Cacói foi um vizinho amigo que marcou a minha infância no Fundo d’Jonzona. Nasceu em 1938 e morreu em 2004. Lembro-me da tristeza desse dia. Ribeira Bote parou para chorar um dos seus ícones. Chamava-o, em tom de brincadeira, estivador cantor.  

Publicidade

Além da música popular, aprendemos com ele a gostar do Carnaval.  A casa da Dona Barba, a esposa, tinha as portas abertas para a meninada dos Leões de Fund’Jonzona.

Como ele, prefiro a cachupa guisada de manhã e ouvir essa pérola da cultura popular!

Publicidade

Ventilou-se na altura uma possível “Lei Seca” devido ao consumo excessivo do aguardente e os males que causava na população masculina, a força braçal do Porto Grande. 

Os consumidores ficaram apreensivos, e António Tchitche retratou magistralmente o sentir da malta “tchpador” nestes dias que antecederam o dia 15 (a data em que sairia o edital).

Publicidade

Muita gente pensa que a autoria seja do Cacói ou Lis Cabel. António Tchitche é certamente o autor. Tornou-se uma música popular interpretada pelo trio. O “qui pro quo” é intensificado pelo facto de também serem personagens da história. O autor fala de uma situação: ele chega na Ilha de Madeira e encontra Cacói e Ninaja e refere a um amigo ausente, Lis Cabel. São ambos referidos na terceira pessoa “um incontrá Cacói má Ninaja”, “tchá grogue pa três rapaz…”, mas o autor/narrador conta a história na primeira pessoa (também factor deste equívoco).

Em criança pensava que a música era do Cacói. Quando participei e ganhei um concurso na Rádio Nacional em 1990, às dúvidas foram desfeitas nas inúmeras conversas que tinha com o Sr. Nena, o Sr. Mário Matos e o Dr. Moacir Rodrigues.

Ninaja e Cacoi

Na casa de António Silva Ramos (1880 – 1936) a música fluía como o ar que respiravam. Da sua vasta prole destacavam o talento da pianista Tututa e a bela voz de Tchufe.

António Tchitche introduz a ironia na morna, um traço identitário do mindelense.

Ele satiriza de forma deliciosa e brejeira os malfeitos da sua época em temas como o referido “Dia 15”, “Viana”, “Mã Bia mata bébé”, “Remá contra maré”, “Nho cansado” e “Joana Maninha”.

Mostra a sua veia romântica em “Camponesa linda”, “Meu bem” e “Canção alada” – dedicadas à futura esposa.

Algumas composições, como “Santo António de Lisboa”, “Santa Cruz”, “Sono tormentod”, “Destino” e “Lombiana” ficaram sem gravações, mas são cantadas pelo povo.

Destacou-se também por compor belas mornas em língua portuguesa, como exemplo a “Canção alada”.

Ele personificou esse sentimento nestes três personagens, músicos populares e amantes do grogue.

Para se ter uma ideia da força da música popular, não há ninguém da minha geração que não conheceu Lis Cabel, Cacói e Ninaja”. O Centro Cultural Francês fez uma gravação na voz rouca, emotiva e inconfundível de Cacói!

Dia 15

Falóde cmá dia 15 grogue ti ta ben cabá

Mi Jame fazê nha cólque pa um ben levá-l tude ta bibê

Coraja cope, coraja garrafa

Bóca de Lis Cabel ti ta ptital é sô aguardente

Conde um seí na Ilha de Madera, cu nha garganta ma nha violão 

Um ba pa casa de Mari Leitera, um incontrá Cacói ma Ninaja

Um mandá ben un quartin de grogue, 

Cónde Cacói crije éra catchupa

Ninaja crije éra tucin, Luis Cabel cria éra sô sê grogue

Mari Leitera el ê un boa psoa, cá te chatiá pa nada des munde

El pô quele grogue, quele catchupa ma quele tucin

Cacói corrê na catchupa e Ninaja corrê na tucin

Luis Cabel corrê na se grogue, pamô grogue ê metade dum home

Grogue quê metade dum home, má é pa quem que sabê bibê

Quem cá sabê bibê, panhá grogue el largá da mon

Tchá grogue pa três rapaz: Lis Cabel, Cacói e Ninaja

Ô, grogue, cá bo matá caboverdiane

Ô, grogue, cá bo matá nos nem nada

Salve!

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo