Este domingo realizou-se a anual peregrinação de São João entre Ribeira das Patas e a cidade do Porto Novo, ilha de Santo Antão. Este é o momento alto desta festa de romaria que vem conquistando mais romeiros a cada ano, sobretudo emigrantes que agora marcam as suas férias para o mês de junho, estudantes e visitantes de outras ilhas. São 32 quilómetros de fé, devoção e superação. O compasso das passadas dos milhares de participantes é ditado pelos apitos, rufar dos tambores e colá Son Jon, fazendo jus ao slogan “Son Jon, nôs património, a maior festa de romaria do país.”
Por: Constânça de Pina
Como sempre, a concentração ocorre na aurora do dia, por volta das 7h00, na Ribeira das Patas. Os verdadeiros peregrinos normalmente chegam mais cedo, devidamente equipados, com sacolas às costas, chapéus de abas longas e roupas folgadas para se protegerem do sol abrasador e do calor intenso. Menos preparados, os “forasteiros” ou “rusgas” surgem de chinelos, shorts e roupas finas. Mas há também os tamboreiros, coladores e coladeiras, que puxam a multidão.
Dada a largada, nada nem ninguém faz parar os bravos peregrinos, que recebem incentivos das pessoas e água ao longo de todo o percurso. Se alguém se sentir fatigado, sempre pode descansar nas viaturas de apoio. A primeira paragem é em Lajedos, onde os romeiros tomam um pequeno almoço reforçado para repor as energias. Corpos e almas aquecidos… estrada de novo à vista! Próximas paragens Ponto Sul, Casa d’ Meio e Água Doce, bem na entrada da cidade.
Entre danças, cânticos e brincadeiras os romeiros parecem ganhar um novo fôlego, alimentados por água fresca, alguns digestivos e grogue (pouco). Porque não. Ás 16 horas, a grande massa começa a preencher o quilometro e meio da avenida principal. Meia hora depois, não resta qualquer “buraco” em branco.
São recebidos por palmas, apitos e cânticos até a igreja. No rosto dos peregrinos, excepto pelo suor e algum vermelho do sol, todos parecem bem e tranquilos. E fazem questão de mostrar a sua alegria e boa disposição. É o caso do fotógrafo da Câmara Municipal, Jandir Rodrigues, responsável por documentar em fotos e video todo o percurso. “Há dez anos que fotografo as festas de São João. É uma emoção que cresce de ano para ano. Há muita expectativa e, felizmente, tenho percebido cada vez mais emigrantes e pessoas de outras ilhas a testemunhar a peregrinação de Son Jon.”
Segundo este jovem, hoje as pessoas já programam as suas férias de forma a abranger as festas de romaria na ilha. “Apesar das festas em São Vicente, muitas pessoas vieram propositadamente para vivenciar o nosso Son Jon revoltiod no Porto Novo. Os bilhetes de passagens esgotaram por estes dias. É impossível explicar como nos sentimos ao celebrar nosso patrono. É um rebolice.”
Constantino Évora viajou da Boa Vista para participar desta peregrinação, atraído pela esposa, que é natural do município. “Sou fã de caminhadas e, na Boa Vista, integro um grupo denominado ‘Boa Vista a andar’. Era o nosso sonho fazer esta peregrinação e estamos aqui. Tenho 56 anos e vim desde Ribeira das Patas e não senti dificuldades. Decidimos aproveitar para homenagear a mãe da minha esposa, trajando tshirts com a sua imagem. É uma homenagem em vida a uma pessoa que era muito ativa”. Sobre a festa, em si, Constantino garante que vai regressar à sua ilha com a alma cheia. “Gostei muito. É a nossa tradição e não pode morrer. Na Boa Vista a festa é diferente, mas tem as suas especificidades.”
Nasceu em São Vicente, mas viajou de Portugal quase que directamente para Porto Novo para testemunhar esta festa de romaria. A universitária Nilcy Delgado diz-se surpreendida principalmente com a forma como as pessoas vivem o São João no município. “As pessoas mergulham de cabeça nesta festa e não mostram cansaço. As atividades são muitas e se estendem por vários dias, mas há uma grande disponibilidade. Para se ter uma ideia, o festival no antigo campo de futebol terminou de manhã e boa parte das pessoas saíram directamente para Ribeira das Patas para buscar o Santo.”
Mas não são apenas as pessoas de fora que se surpreendem com a dimensão desta festa. O jovem Mitú, natural do Porto Novo, explica que nos últimos anos sempre participa da peregrinação e sente-se bem. “É tranquilo e muito divertido. É uma festa, misturada com algum cansaço. Mas compensa todo o esforço. Nem sentimos o caminho porque é feito a dançar e a cantar. Saímos de Ribeira das Patas por volta das 8 horas e entramos na cidade às 16 horas. Foi uma boa peregrinação, em paz e harmonia.”
Ao contrário de muitas pessoas que vão cumprir promessas, Mitú garante que participa apenas por gosto. “É a nossa tradição e nunca vai acabar porque, como pode ver aqui, ha muitos jovens. Cada ano tem vindo a fortalecer e acredito que os mais novos vão dar continuidade a esta bonita celebração. Hoje temos aqui pessoas de todo Santo Antão, das outras ilhas e da diáspora. Há também peregrinos de outras nacionalidades. É espetacular”, refere, com júbilo.
Já Gilda Pires, também ela de Santo Antão, fez este ano a sua estreia na peregrinação, incentivada pelos comentários de outros amigos. “Já vim para Porto Novo por diversas vezes participar das festas de Son Jon, mas nunca tinha arriscado ir buscar o Santo à Ribeira das Patas. Este ano arrisquei e estou muito satisfeita. Superou as minhas expectativas e receios. Senti algum cansaço, mas nada por aí além. A sensação é de dever cumprido.”
Enfim, tudo correu pelo melhor, com mais ou menos esforço, os “peregrinos” chegaram todos à Igreja de São João Batista na cidade do Porto Novo, onde se comemorou o feito, com um rufar coletivo de tambor e colá Son Jon. Lá as pessoas deixaram velas e as suas preces. Hoje concentraram-se para a missa, seguida de procissão. Ás 16 horas haverá final das corridas de cavalo.
Do programa constou ainda dois dias de espetáculos, 22 e 23, com um leque de artistas, algumas inaugurações, desfiles dos grupos dos bairros e localidades, com entrega de prémios e certificados de reconhecimentos, entre outros. Amanhã, os romeiros devolvem São João Baptista à igreja de Ribeira das Patas, cumprindo assim mais uma jornada bonita de convívio e devoção.