Dezenas de trabalhadores de São Vicente atenderam chamado de sete sindicatos – Simetec, Sintap Sindprof, Sics, Sindep, Sinapol e Ajoc – para uma vez mais celebrar o 1º de Maio com uma manifestação barulhenta, que percorreu as principais artérias da cidade do Mindelo. Com cartazes a título individual e colectivo, e puxado pelos rufar de tambores, exigiram mais respeito e dignidade, mas também cuidados para poderem cuidar, melhores salários e mais segurança social.
Elisabeth Évora deu voz aos técnicos de analises clinicas no Hospital Dr. Baptista de Sousa. “Estou prestes a completar 18 anos de trabalho. Participei em um concurso público tendo em vista o meu enquadramento profissional há quatro anos e continuamos sem resposta. Passamos por todas as fases, mas nunca fomos nomeados. Da parte do ministério da Saúde não há qualquer satisfação. Sempre que contatamos os Recursos Humanos, raramente somos atendidos e, quando isso acontece, limitam a dizer que não há verba.”
Mas estes técnicos não estão a reivindicar apenas o enquadramento profissional. De acordo com Betty, como é também conhecida, esta é uma classe que desconhece o que é uma promoção ou progressão. “Somos um grupo, com diferentes anos de trabalho, sendo que o mais novo já completou seis anos. E todos estamos no nível 1, que é igual a um técnico superior que completou agora a sua formação. Trata-se de uma injustiça porque o tempo de serviço e a experiencia deveriam ser reconhecidos para efeitos de promoção e progressão. Acabamos por ficar insatisfeitos e desmotivados. Continuamos a fazer o nosso melhor mas, desta forma, a Administração Pública nunca vai crescer e nem melhorar.”
Para aumentar ainda mais a desmotivação destes profissionais, prossegue a entrevistada, a entrada em vigor do novo Plano de Cargos, Funções e Remunerações (PCFR) não se traduziu em aumentos salariais. “Continuamos a auferir o mesmo salário de 2022 porque não fomos contemplados com o pequeno ajustes atribuído em 2023. É mais uma injustiça e desigualdade”, referiu, justificando assim a sua presença na manifestação, mas também na qualidade de dirigente sindical. “Acho que há muitas injustiças que precisam ser resolvidas, mas não no nosso ambiente de trabalho porque os utentes precisam de um melhor cuidado. Em foro próprio temos de lutar por melhorias, desde salariais a condições de trabalho mais digno. Isto porque temos uma carga de trabalho excessiva.”
Traduzindo por miúdos, Elisabeth Évora afirma que os salários auferidos pelos técnicos não condiz com o desempenho laboral e com as expectativas da população, que espera o melhor destes profissionais. “Trabalhamos 24/24 horas mas, em termos salariais, a nossa remuneração é injusta. Todos os funcionários de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal operacional que fazem urgências e velas à noite têm direito a uma folga semanal. Deveria ter entrado em vigor em janeiro, apenas os enfermeiros estão a desfrutar deste direito desde abril. É preciso fazer uma distribuição justa dos recursos, mas o que há é desigualdade e tratamento diferenciado no sector, o que cria revolta e diminui o empenho e engajamento dos profissionais nas suas áreas.”
Com 17 anos de trabalho sem qualquer promoção ou progressão, Jiriane Silva garante que se sentem desmotivada porque todo o empenho dos técnicos de analises clinicas não é reconhecido pelo Governo. “Dentro do nosso sector, somos desvalorizados. Entendo que cada profissional, dentro da sua competência, é importante para o desenvolvimento de todo o sistema nacional de saúde. Para se ter uma ideia, com este novo PCFR tinha de ter pelo menos uma progressão, o que não aconteceu. Estou na mesma categoria de qualquer profissional que inicia hoje a sua carreira”, desabafa, questionando ainda a excessiva carga horária e a ausência da folga constante da lei de bases.
“Desde sempre faço 12 horas de serviço no laboratório. Inicialmente, justificavam com falta de pessoal. Mas nunca houve qualquer alteração. Ao contrário, mesmo com a saída de colegas para reforma não houve contratação de novos técnicos. Por altura da Covid recebemos três técnicos, que acabaram por ser absorvidos. Mas não fazem urgência, ou seja, continuamos sobrecarregados. Não temos vida. Somos oitos técnicos que fazem urgências no HBS. Fazemos urgência, vela e folga, e no dia seguinte estamos no laboratório de novo para repetir o mesmo, sem descanso.”, sublinha, reconhecendo que não comentam erros apenas porque zelam uns pelos outros.
E a situação agravou-se mais ainda com o acréscimo das diálises. “Precisamos de pelo menos dois dias para dar vazão às demandas do sector de diálises. São mais de uma centena de pacientes sob a responsabilidade de apenas dois técnicos. São dois dias e dois noites para processar todos os exames. Mesmo assim, não temos direito a folga. Terminamos o turno às 20 horas e retornamos às 8 horas do dia seguinte. É física e psicologicamente extenuante”, pontua.
Com quase 20 anos do MS, a médica Zuleika Fernandes manifesta o seu descontentamento pela falta de condições de trabalho. “Sou pediatra desde 2015 e trabalho no Hospital Baptista de Sousa. Estamos a trabalhar em condições precárias. Fazemos 24 horas de urgência a cada quatro dias. Há meses que, devido a falta de pessoal, o prazo encurta para a cada três dias. Temos ainda neonatologista que fazem urgências de 24 horas a cada dois dias. Saem hoje e amanha estão novamente de urgência. É por isso que estamos aqui nesta luta. Exigimos melhores condições de trabalho.”
É que, defende, para oferecer um serviço digno, os profissionais precisam ter saúde para trabalhar. “Estamos a questionar essencialmente o nosso horário de trabalho, que é excessivo. Temos de trabalhar 24 horas consecutivas porque faltam médicos. Por isso pedimos mais recursos humanos. O ministério precisa recrutar mais médicos, se possível em outros países, para podermos ter um horário digno de trabalho. Infelizmente, limitam a pedirmos para aguardar e que soluções estão a ser equacionados. Alegam que é temporário, mas está a arrastar a mais de três anos nas mesmas condições,”
E as consequências começam a emergir, de acordo com Zuleica Fernandes, que justificam com alguns colegas que estão doentes por causa da sobrecarga de trabalho. “Temos colegas que foram obrigados a abandonar o serviço porque as condições de trabalho não estão dignas e estavam a prejudicar a sua saúde. Com isso, a nossa situação agravou-se ainda mais”, denuncia, reconhecendo a solidariedade da direção do HBS, que não têm conseguido resolver o problema.
Relato similar foi relatado pelo professor do ensino básico Alex Lopes há 11 anos. Segundo este docente, durante este tempo nunca teve qualquer aumento salarial. Exatamente por isso, recusa acreditar no recente anuncio feito pelo Ministro das Finanças, que prometeu “aumentos salarial” imediato em maio. “É impossível acreditar porque já nos mentiram muito. Recentemente foi realizado um concurso publico para pessoas de quatro cativo, mas foi divulgado de forma sorrateira em cima da hora. Depois de nove meses à espera, a minha esposa faltou porque não teve acesso a informação sobre a realização da segunda prova. Foi publicado apenas pela DNAP e chegou a poucas pessoas. Foi propositado para afastar muitos dos candidatos”, acusa com revolta.
Perante este cenário, Alex Lopes explica que precisa fazer “biscates” para manter a sua família. “Para manter a qualidade de vida, temos de procurar alternativas. Trabalho como marceneiro ou guia turístico. Trabalho até altas horas e muitas vezes vou dormir com dores nos pés para complementar o meu salário. Antes, diziam que estava tudo mal, mas agora está tudo bem. O Ministro da Educação não existe. Aliás, não entendo porque continua no cargo. No dia que pedir a sua demissão, acredito que os professores vão festejar.”
Lista infinita de reivindicações
Para o porta-voz dos sindicatos e presidente da União dos Sindicatos por detrás da manifestação, o objectivo foi plenamente atingido. “Em 2023 propusemos resgatar e este ano estamos a perpetuar o 1 de Maio. Os trabalhadores responderam, o que significa que, a partir de agora, iremos sempre celebrar esta data todos os anos e homenagear os mártires de Chicago e outros que, ao longo da vida, deram o seu sangue para que tivéssemos melhores condições de trabalho, embora ainda com vários problemas”, garantiu Tomás de Aquino.
Hoje os sindicatos têm direito de defender todas estas conquistas e reivindicar pela reposição do poder de compra dos cabo-verdianos que, só nos últimos três anos, ascendeu aos 15%. “Aquilo que foi reposto pelo governo foi apenas 3% e temos sérios problemas com as empresas públicas e privadas em termos de reposição do poder de compra dos trabalhadores. Temos problemas relacionados com prestação de assistência médica e medicamentosa. O INPS precisa comparticipar mais na assistência aos trabalhadores, seus associados. A maioria dos exames complementares não são comparticipados. Os trabalhadores, junto com a entidade patronal, descontam cerca de 24,5 para ter apoio na saúde, mas quando procuram estas estruturas não têm apoio.”
Faltam medicamentos na maioria nas farmácias, diz ainda este dirigente sindical, que aproveita para questionar a retenção dos descontos dos trabalhadores, que nem sempre são repassados ao INPS. “Temos trabalhadores evacuados, tanto a nível interno como externo, praticamente abandonados a sua sorte, passando por inúmeras dificuldades. Entendemos que o INPS tem condições e deveria prestar maior assistência aos trabalhadores. Os fundos deste instituto que foram aplicados pelo Governo durante a pandemia da Covid – não temos nada contra a sua utilização na altura -, e não foram repostos.”
Em suma, segundo Tomás, existem problemas na gestão dos fundos do INPS, pelo que exige maior transparência. “Temos ainda a questão da redução da idade de reforma e inscrição dos marítimos na segurança social, sobretudo para os que trabalham no estrangeiro. É um processo que arrasta há muitos anos e que ainda está por resolver”, enumera, admitindo que a lista de reivindicações é extensa pelo que levaria tempo e espaço para detalhar todos.
No que tange ao emprego, diz, a taxa é elevada, sobretudo entre os jovens. Lembra que dados de 2022 apontam para uma taxa superior a 27% e que o governo vem tentando contornar este número com os estágios profissionais. “Na Administração Pública, o Governo faz acordos com os sindicatos, que não cumpre. Cito por exemplo a implementação do PCFR, do novo Estatuto de Pessoal Docente, as reivindicações do pessoal de Saúde, etc. Temos uma lista nacionais de doenças profissionais que data do tempo colonial, que precisa ser atualizada. Foi aprovado em 2020 uma lei de Seguros de Acidentes de Trabalho, que entrou em vigor em 2023, mas nunca foi regulamentado.”
Em suma, um conjunto de situações que levaram os trabalhadores à rua, assegura, aproveitando criticar a inércia das Centrais sindicais. “Uma manteve-se calada e a outra a Secretaria-geral apareceu a apelar, implicitamente, os trabalhadores a não aderir a manifestação, com a desculpa de que o Governo é imune. Ou não entende o significado do 1 de maio ou há coisas por detrás que não se entende.”