Por Kim-Zé Brito/Constânça de Pina
Conhecida pela sua frontalidade, Rosário Luz analisa nesta entrevista o estágio da democracia e da “demagogia política” e pede à sociedade cabo-verdiana para estar atenta às contradições entre os discursos e o comportamento dos partidos. Residente agora na cidade do Mindelo, essa ´opinion maker` acredita que S. Vicente será o centro das grandes mudanças políticas em Cabo Verde, enquanto ilha líder no combate ao centralismo. Neste processo, atribui particular importância ao Sokols, movimento cívico que, lembra, tem enfrentado o status quo, teve a coragem de bloquear a comitiva do PM e empoderar a sociedade mindelense. Para Rosário, as manifestações acontecem com mais facilidade em S. Vicente porque a sociedade mindelense sempre teve uma atitude mais reivindicativa e independente do poder estatal, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Santiago, onde o grosso da população trabalha na Função Pública e está sob o controlo do poder político. A nossa entrevistada fala ainda da “incompetência” do Governo em negociar os transportes aéreos com a Binter e a Icelandair, dos impactos da concessão marítima atribuída à Transinsular e da “miragem” da Zona Económica Marítima. Sobre esta matéria, ela acusa o deputado João Gomes de ser um “peão insignificante” no aparelho do MpD, alguém que apenas repete aquilo que a cúpula o autoriza a falar. Só dessa forma, diz, se pode entender que Gomes admita a possibilidade de votar a favor do EE da Praia e acredite que o Estatuto Especial de S. Vicente é a prometida Zona Económica Marítima.
Mindel Insite – Qual o estado de saúde da democracia em Cabo Verde?
Rosário Luz – Formalmente a nossa democracia está óptima; as instituições funcionam. Há relatos de falcatruas nas mesas de voto nas eleições, mas isso acontece em todo o lado. No entanto, o facto de haver alternância pacífica significa que a democracia funciona. Os governos e câmaras municipais são mudados, pode haver birras, mas depois aceitam os resultados. O problema reside na oferta política e no grau de cidadania. Se todos os partidos nos impuserem bandos de demagogos desonestos, sem ética e sem visão sobre o que precisamos, é óbvio que o povo vai ficar sempre lixado porque não tem por onde escolher.
MI – Os políticos estão mais preocupados em ver para o seu próprio umbigo do que para o interesse do país?
RL – Os políticos.cv não têm qualquer outro interesse – e vou dizer isto devagar – além dos pessoais e de carreira e os das suas corporações. E falo isso em relação à maioria dos políticos profissionais, os que estão ligados ao partido no poder. Não podemos viver sem política, precisamos é viver sem a má política.
MI – Estamos perante uma encruzilhada alimentada pelos partidos?
RL – Exactamente, alimentada pelos partidos, mas suportada pelos cidadãos. A culpa não é dos partidos.
MI – O que podem os cidadãos fazer para driblar essa “tirania” partidária?
RL – Revoltar-se, boicotar as eleições se elas não trouxerem escolhas válidas. Os cabo-verdianos já estão mais do que convencidos de que as escolhas válidas não são o MpD e o PAICV. Acontece que a bipolaridade política é enorme: votas PAICV porque votas PAICV; votas MpD porque sim. Se nem os partidos respeitam as suas “ideologias” muito menos se pode esperar do eleitorado. Temos corporações políticas que agem como empresas, pagam os salários aos seus membros com emprego do Estado, com contratos e consultorias. O que o pessoal faz é capturar o sistema para benefício próprio e para pagar salários aos seus fiéis.
MI – Os votos estão a funcionar como apólice de seguro? Dou-te o voto e pagas com um emprego público?
RL – É o clientelismo puro e duro, é isso que se passa em Cabo Verde. Há uma hierarquia de ofertas que vai da cesta básica à consultoria de 3-4 mil contos, mas estas são reservadas às empresas amigas do Governo. Sou consultora e sei das máfias que acontecem com os recursos do Estado. Falo de casos em que se escolhem técnicos sem a devida competência, mas que são amigos do poder. Há pessoas que são sempre amigas do poder: antes, agora e no futuro.
MI – Como tem conseguido manobrar-se nesse mundo se não tem receio de criticar o poder?
RL – Consigo safar-me com competência profissional: a comunicação que eu faço funciona. Depende das instituições – das suas necessidades do seu plano e do seu mercado. Há determinadas instituições que estão muito mais interessadas em vender o seu produto do que preocupadas em serem amigas ou não do poder; outras não. Um exemplo: mantive uma coluna no jornal Expresso das Ilhas entre 2012 e final de 2014 que, modéstia à parte, era a coluna mais lida da imprensa cabo-verdiana. Chegamos a um certo ponto e o jornal declinou os meus serviços e demos um fim ao contrato. Acontece que nenhum outro jornal me quis contratar. Se fosse num mercado normal, onde a imprensa sobrevive das vendas, a primeira coisa que iria acontecer era a concorrência me agarrar, uma vez que ajudo a vender jornais. Isto não aconteceu porque o problema é a garantia dos subsídios do Estado. Há muitas poucas publicações que são de facto independentes. Estou a falar com uma que tem sido excepção. A nossa encruzilhada é que está tudo partidarizado. O pessoal é demagogo, clientelista e o cidadão adapta-se porque sabe que todos são iguais.
MI – O que aconselha ao cidadão comum porque, por aquilo que diz, os partidos estão a fechar de tal forma o cerco que não resta quase nenhum espaço de manobra à sociedade.
RL – Eu aconselhava as pessoas a olharem com mais atenção para aquilo que os partidos fazem. As pessoas precisam entender esta simples mensagem: quando eu voto, não estou a votar no MpD, na UCID, PAICV ou noutro partido. Estou a votar na escola dos meus filhos, na segurança pública, no sistema de saúde…; portanto, as pessoas precisam entender que estão a votar na sua vida e no futuro dos seus filhos, e não nos partidos. A partir do momento que tomarem essa consciência e aparece um partido com uma lista repleta de incompetentes que não votem, senão vamos continuar nessa encruzilhada. A educação cívica e liderança terão de partir do lado da sociedade civil.
MI – Se tivesse capacidade para levar milhares de pessoas a fazerem exactamente aquilo que pensa, o que faria?
RL – Levaria as pessoas a estudarem a política nacional para que tenham a consciência das suas decisões. E não estou a falar da elite. Há uma amiga minha que diz o seguinte: “há gente que não sabe o nome das coisas, mas sabe o que elas são.” Gente que pode não ter a capacidade de falar sobre a política, mas que sabe quando é enganada. Pode não falar de conceitos económicos, mas sabe o que é o desemprego. Não podemos continuar a eleger os políticos pelos seus discursos. No momento, temos um cenário político completamente corrupto. Portanto, qualquer terceira via que surgir será nova.
MI – Sublinha a necessidade de as pessoas estarem atentas ao comportamento dos partidos. Poderias ser mais específica?
RL – Quando o PAICV fala, por exemplo, da necessidade de descentralização e aponta o dedo ao MpD, temos de nos lembrar que esteve no poder 15 anos e não trouxe descentralização alguma. E ainda temos de nos lembrar que foi o partido que começou a centralização nos 10 anos que esteve no poder logo o pós-independência. No entanto, não colocaria as culpas no partido. Acho que isso tinha a ver com a dinâmica do Estado. Porque vivemos da captação de ajuda externa, o centro de todo o poder está na Praia; quer-se que toda a decisão esteja debaixo do controlo clínico do Governo.
O nosso primeiro governo depois da Independência tinha apenas um membro que era natural de Santiago; portanto é uma injustiça acusar os naturais de Santiago dessa opção pela centralização. O problema não é Santiago, S. Vicente ou qualquer outra ilha, o problema é o Estado.cv que quer ter o dinheiro que arrecada do exterior todo debaixo do seu controlo.
MI – Como é que a situação de S. Vicente se enquadra nesse processo?
RL – Se S. Vicente alavancar a sua economia portuária como antigamente significa que muita gente ganha o seu dinheiro longe dos olhos do Estado, logo está livre para ter uma postura de questionamento e revolta. Isto constitui um perigo para o Estado central porque não quer dar poder a quem não se alinhe com o sistema. Então, qualquer iniciativa empresarial capaz de conferir poder e independência à ilha tende a ser bloqueada.
“É mais fácil o Estatuto Especial para Praia do que a Regionalização”
MI – Entretanto, o PAICV e o MpD aceitaram o princípio da Regionalização, que é uma das velhas reivindicações dos mindelenses. E a Regionalização pressupunha a atribuição de poderes às regiões.
RL – Em 2015, o MpD era a maior defensora da Regionalização. Tornou-se algo mesmo aflitivo, a ponto de ter prometido ao Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde que, se ganhasse as eleições, iria aprovar a Regionalização e ainda fazer de S. Vicente uma experiência-piloto. A verdade é que o Grupo foi enganado como se engana uma criança. Os membros do grupo deram o seu contributo nas campanhas, ficaram contentes com a vitória do MpD e este partido prometeu que S. Vicente seria alvo de uma experiência de Regionalização no ano seguinte. E o que aconteceu? Nadica de nada. Aliás, o que há é uma maior probabilidade de a cidade da Praia ganhar o seu Estatuto Especial do que qualquer tipo de descentralização.
MI – Responda com sinceridade, alguma vez o MpD e o PAICV quiseram a Regionalização?
RL – Nunca, o Estado de Cabo Verde sente, por princípio, que a Regionalização é um arrancar do poder das suas mãos. E disso não quer saber. A Regionalização é apenas um instrumento de estratégia eleitoral. Por isso volto a dizer, o que temos de fazer é parar de olhar para aquilo que essa malta diz e olhar para o que faz.
MI – Há quem diga que, quando o MpD levou o projecto de Regionalização ao Parlamento para aprovação na generalidade, estava à espera que seria chumbado pelos votos contra do PAICV. Mas, ao ser aprovado, da forma como foi, acabou por ser uma facada desferida no coração dos dois partidos. Qual foi a sua interpretação da jogada de alguns deputados do PAICV no Parlamento que viabilizou a votação na generalidade?
RL – Aqui só posso falar mesmo é de interpretação e especulação. É plausível que o MpD tenha torcido para o PAICV chumbar a proposta. Não tendo qualquer interesse na Regionalização, só a prometeu como manobra eleitoralista e populista, para calar a boca às ilhas do Norte. Para mim, o grande mistério é o PAICV. O que acontece? É que são necessários dois terços dos votos dos deputados presentes na sala para a aprovação da proposta. Entretanto, saem alguns deputados da sala e votam os números precisos para a lei passar.
MI – Admite que estejamos perante algo combinado?
RL – Este tipo de coincidência não pode ser acidental. É muito improvável que assim seja. O que estará por detrás? Temos de ver que a Regionalização representaria um alargar do Estado, a criação de mais cargos, mais “jobs for the boys”… A única coisa certa é que os dois partidos iriam concorrer aos cargos. E temos de nos lembrar que, enquanto o PAICV estava no poder, o MpD conquistava as eleições autárquicas. Ou seja, o PAICV, que perdeu o poder central, agora vê que a Regionalização – com 10 regiões administrativas e mais 400 mil contos de orçamento – também é uma oportunidade de poder e de negócio. E o ónus administrativo iria recair sobre o governo do MpD, que está endividado até o pescoço. Aqui as coisas não dependem de ideologia, mas sim se estás na situação ou na oposição.
MI – Esse acontecimento terá visado colocar em cheque a autoridade de Janira Almada enquanto presidente do PAICV?
RL – É algo que não saberia responder.
“A lei da Regionalização era péssima para o Estado”
Depois houve o debate na especialidade e a iniciativa foi chumbada. Estava à espera desse desfecho?
RL – Na realidade não estava à espera, mas confesso que estava curiosa para ver o que iria acontecer. E em verdade vos digo que ainda bem que essa lei não passou porque é uma péssima lei para o Estado. A palavra Regionalização já está suja, sou sim a favor da Autonomia política e económica para as ilhas e regiões porque não há política sem a económica.
Olhemos um pouco para o acordo de concessão das ligações marítimas. Feitas as contas, S. Vicente ficou com linhas apenas para Santo Antão, S. Nicolau e Santiago. Se alguém da Boa Vista precisar fazer uma consulta de especialidade não vem a S. Vicente, mas sim para Santiago. Se um operador quiser importar géneros frescos vai escolher entre nove dias para São Vicente ou apenas um dia para Santiago? Ora, Sal e Boa Vista são os maiores mercados turísticos e ficaram mais ligadas ao de Santiago. Esse acordo marítimo impediu que algum dia fosse São Vicente. Se houvesse autonomia regional, cada região seria capaz de concessionar rotas isoladas, SV/BV/SN, por exemplo; e os operadores nacionais até poderiam concorrer…
Qual o motivo de alguém de S. Nicolau ter de passar primeiro por Praia antes de chegar a S. Vicente? Metade das pessoas do Sal tem origem em S. Nicolau e outra metade na Boa Vista, por que razão estas ilhas hão de ter a sua relação mediada pela Praia? Isto é absolutamente revoltante. Mas tudo é feito de forma a impedir a autonomia e o crescimento económico das ilhas. E neste quadro económico, não há lei de regionalização administrativa que resolva o problema das ilhas periféricas, muito menos aquela aberração.
Estatuto Especial da Praia
MI – O Governo prometeu levar a proposta do Estatuto Especial da Praia ao Parlamento agora em Julho. Acha que a cidade da Praia precisa mesmo desse status para resolver os seus problemas ou estamos perante mais uma estratégia de sucção de subsídios para a Capital?
RL – Para mim, o problema não é a aprovação do EE para a Praia, muito pelo contrário: precisamente porque tem concentrado o grosso da migração nacional, há pressões sobre a cidade que têm que ter um tratamento diferenciado. O que eu acredito é que, pela mesma razão deve haver um estatuto especial para a outra capital regional – o Mindelo. Mesmo com uma economia estrangulada pelo poder central, o Mindelo não deixa de ser uma capital regional. E a cidade também lida com pressões desproporcionais aos investimentos que recebe: a migração, o aumento da insegurança, as pressões sobre os serviços do Estado, etc. O problema é que, enquanto a Praia se encontra cada vez mais próxima de receber o tal EE, o Mindelo move-se na direção oposta: está sendo progressivamente descapitalizada pelo Estado. Estão reunidas todas as condições para um Estatuto Especial para a Praia: um Primeiro-ministro que foi Presidente da Câmara da Praia por 8 anos; um Governo favorável; e uma elite política dominada pelos interesses que estão cada vez mais concentrados na Capital, o que significa que os deputados, independentemente dos interesses dos seus círculos de origem, votarão favoravelmente.
MI – O governo do PAICV tentou a aprovação do EE, mas o MpD chumbou a iniciativa. O que mudou, além da saída de José Maria Neves da liderança do PAICV, para garantir agora a aprovação dessa lei?
RL – O MpD chumbou quando era Oposição porque aprovar seria dar uma vitória ao governo do PAICV no maior circulo eleitoral do país. Mas será que o PAICV faria o mesmo agora? Mais uma vez, só podemos especular. Mas uma das coisas que acho importante perceber é a imprevisibilidade deste novo PAICV. O PAICV votou a subida da taxa alfandegária para produtos concorrentes aos da Tecnicil e tornou possível a passagem dessa lei idiota sobre a regionalização administrativa; porque não votar a favor do EE para a Praia? Não saberia dizer nem porquê nem porque não.
MI – Que consequências políticas, sociais e económicas prevê com a aplicação desse estatuto tanto na Praia como no resto do país?
RL – Um quarto da população do país mora na Praia, e a cidade é utilizada por todos os habitantes de Santiago. Portanto, parece evidente que a aplicação desse Estatuto obtenha um alto nível de aprovação a nível demográfico, como é natural. Mas também é natural que cause enormes ressentimentos à outra metade da população, que não vê o EE como uma necessidade e sim como um privilégio, numa cidade que acreditam já gozar de privilégios a mais. Uma grande parte dos cabo-verdianos – muitos dos quais de Santiago – veem as suas localidades serem desertadas a favor da Praia e ressentirão, certamente, o EE. Portanto vai ser um cálculo difícil para os promotores desse processo.
João Gomes, um “peão insignificante” no MpD
MI – O deputado João Gomes defende que o EE está na lei e deixa entender que deve ser aprovado. Entretanto diz que o seu EE é a Zona Económica Marítima Especial para S. Vicente. Como interpreta esta posição de um deputado nacional eleito por uma ilha que tem contestado a atribuição do EE à cidade da Praia?
RL – Eu acho que o deputado João Gomes não passa de um peão insignificante na estrutura do partido, que não pode dizer nada senão aquilo que lhe mandam dizer. O MpD já tornou claro que não tem qualquer interesse em concretizar a autonomia e os investimentos que prometeu na campanha, tal como a Zona Económica Marítima Especial para S. Vicente. Muito pelo contrário: se houvesse qualquer interesse em estabelecer a ZEEM, o Governo tão teria feito um acordo com a Transinsular que basicamente isola São Vicente. Os efeitos nefastos já se fazem sentir, com empresas a transferir as suas operações comerciais para a Praia, porque em São Vicente não têm garantias nem para importação nem para escoamento. TODA a economia da ilha vai sofrer, a muito curto prazo com essa concessão e ela prova que promessas como a ZEEM são completamente virtuais.
O deputado João Gomes insiste em repetir essa falsidade porque é o que lhe mandaram fazer e ele não se atreve a contrariar os poderosos do partido. Como já disse, os nossos deputados não defendem os eleitores e os interesses do circulo que os elegeu e sim os seus partidos. Nem o PAICV nem o MpD algum dia levou a sério qualquer compromisso com São Vicente.
MI – O Governo não deveria socializar a proposta de lei do Estatuto Especial em todos os municípios tal como fez com a lei da Regionalização?
RL – Todos esses atos de socialização que são encenados pelo Governo não têm o objetivo de informar os cidadãos; não passam de teatro para construir uma imagem de democratas. Era o caso do PAICV e é agora o caso do MpD. Na verdade, as decisões já estão tomadas e nunca são feitas de acordo com os interesses da população. Portanto não interessa ouvir a sua opinião.
Da Regionalização à Autonomia
MI – Há pessoas que querem a Regionalização e outras que defendem a Autonomia. Se não foi possível alcançar a regionalização administrativa pior não será a autonomia?
RL – Nem por isso, para mim o país ganhou tempo para pensar agora numa regionalização completa. Falemos de outra matéria essencial: a tributação, o que significa a autonomia orçamental! Porquê o IVA é determinado e cobrado pelo Governo Central? Nos EUA, por exemplo, o “sales tax” e impostos sobre álcool e tabaco são determinados pelas estruturas estaduais. Uma lei de Regionalização de facto dá aos governos locais a capacidade de legislar determinados impostos. Imagine que S. Vicente decida que o seu IVA é 10% em vez de 15%. A autonomia pode significar um operador de São Vicente não precisar ir à Praia para falar com o ministério das Finanças porque a delegação regional é competente para resolver todos os seus problemas.
Outro exemplo é a gestão de alguns programas de emergência. Por exemplo, Santiago e Santo Antão foram as ilhas mais afectadas pela seca nestes últimos dois anos. Havia um subsidio de ração, entretanto um agricultor do interior de Santiago dizia que, para receber o subsídio, precisava tomar um carro para ir ao posto onde estava a ração e que só o transporte lhe “comia” o valor. Isto porque o esquema de apoio aos criadores de gado em Santa Cruz foi decidido num gabinete na Praia, em coordenação com a UE. É evidente que não funciona, porque a maior parte da capacidade de decisão nestas matérias deveria pertencer a estruturas locais.
MI – A centralização estará a afectar os laços da unidade nacional?
RL – Acho que a nossa unidade é tão óbvia que sequer deve ser questionada. Felizmente a unidade nacional está acima disso. Gostaria de desafiar alguém a apontar um recanto do país onde não se come a cachupa, não se fala o cabo-verdiano e onde não se celebram os mesmos santos católicos com os mesmos tambores. O que há é uma exploração política de rivalidades regionais. Por exemplo, o José Maria Neves costumava vir da Praia lançar discórdia no Norte; dizer ao pessoal de Santo Antão que não têm porque depender de S. Vicente?! Ora, há uma relação umbilical entre as ilhas, que dependem uma da outra. Assim como S. Vicente não tem grande produção própria e precisa de Santo Antão para ter o que distribuir, Santo Antão não tem um mercado local desenvolvido e precisa dos consumidores do mercado de S. Vicente. Mas, o Governo tem um interesse directo em semear discórdia entre as duas ilhas.
MI – Com que objectivo?
RL – Dividir para reinar; se de repente S. Vicente e Santo Antão descobrirem que têm enormes sinergias e que, se os seus deputados se unirem, podem não só promover como inviabilizar qualquer legislação, o centralismo do governo estará seriamente ameaçado.
S. Vicente, uma ilha líder; Santiago sob dependência do Estado
MI – Como vê o papel de S. Vicente na luta pela descentralização e autonomia?
RL – Como líder. Esta é a única ilha que já deu mostras de dar passos concretos nesse sentido, de ter um discurso e gente a votar com esse objectivo. Eu não tenho qualquer confiança no Grupo de Reflexão para a Regionalização e vou explicar: acreditaram no Ulisses Correia e Silva quando era óbvio que a sua intenção era eleitoralista. E, quando o Primeiro-ministro transfere um ministério sem qualquer relevância para Mindelo, esse grupo fica todo contente e convencido que o Governo está a olhar para S. Vicente. E o que acontece? O Governo, esperto como é, passa a dialogar só com esse grupo para passar a ideia de que São Vicente está satisfeita. S. Vicente deu o seu voto ao MpD, mas não fecha os olhos; e perante as evidências de engano, sai à rua.
MI – O que explica essa “vocação” dos mindelenses para a manifestação? As outras ilhas, nomeadamente Santiago, não têm também motivos de queixa?
RL – Em Santiago, as pessoas estão muito ligadas ao Estado. A proporção dos cidadãos da Capital que trabalham para o aparelho do Estado é muito maior do que em S. Vicente. Há que se levar em conta que, entre as ilhas urbanas, S. Vicente, Sal e Boa Vista, são onde as pessoas estão menos dependentes do Estado. Apesar da decadência económica, S. Vicente ainda tem uma economia portuária, comercial e artesanal, além das remessas dos emigrantes. Portanto, há uma economia que está proporcionalmente muito mais longe do Estado, do que a economia da Capital. O que confere às pessoas maior liberdade para se manifestar.
MI – E isto propicia um pensamento mais independente?
RL – Tanto pensamento como capacidade de acção. Se um trabalhador não é dependente do Estado muito mais facilmente sai à rua para dizer o que pensa e contestar o que está errado. Mas isto não é novo em S. Vicente. Sempre foi assim. Quando a ilha tinha uma economia portuária florescente, o que aconteceu é que o panorama cultural explodiu porque ninguém devia nada ao Estado colonial. As pessoas não trabalhavam perto da administração e não eram pobres agricultores sem instrução. Residia aqui uma malta instruída que trabalhava nas casas comerciais. Nessa época, ter quarta classe era garantia de entrada na função pública; o cidadão formado era norma, desde a quarta classe ao sétimo ano dos liceus, os tais setemanistas.
O antigo liceu Gil Eanes funcionou na verdade como uma universidade. Porque era o único sítio que tinha massa suficiente para oferecer serviços de educação ao país. O pessoal de Santiago da década de 40 e 50 veio todo estudar em S. Vicente. O centro educativo e logístico era S. Vicente e a Praia não ficou mais pobre por causa disso. O problema é agora que se implementou uma universidade estatal e, em vez de se deixar que os institutos tradicionais de formação em S. Vicente, como o Isecmar, continuem a funcionar de forma autónoma, centraliza-se tudo sob a UniCV. Isto não é acidental, é deliberado, com o objetivo de centralizar todas as decisões na Praia, próximo do Poder Central. Este é um exemplo dos actos concretos de centralização que estão a sufocar a ilha e a que ela, naturalmente, reage.
“Governo ética e tecnicamente incompetente”
MI – S. Vicente tem criticado as medidas de estrangulamento da sua economia e entretanto a ilha volta a ser afectada pela insuficiência de linhas aéreas e marítimas. É uma atitude propositada que visa isolar a ilha? Há alguma estratégia por detrás?
RL – Não, nada disso. A estratégia, como se viu, é centralizar, mas não com essa intenção propositada de prejudicar S. Vicente. É certo que a ilha acaba por pagar uma factura horrível no processo. Mas acho que o pessoal não se reúne nos gabinetes e conselhos a imaginar formas de chatear S. Vicente. O que acontece é que, porque os interesses eleitorais e as empresas amigas estão concentradas na Praia, convém manter ali o centro do poder e das decisões. Se de repente um grande investidor no Sal ou na Boa Vista pode tratar de todos os seus negócios com as estruturas locais, na sua ilha, o poder central deixa de ter a possibilidade de fazer as coisas acontecerem consoante o seu interesse.
MI – Acha então plausível ou compreensível não haver linhas aéreas que satisfaçam as necessidades do mercado e da população de S. Vicente?
RL – Em relação a isto o buraco é um bocado mais em baixo. Em primeiro lugar, acho que este Governo não é só eticamente incompetente, mas também tecnicamente. O pessoal é incapaz de negociar um acordo como deve ser. É impressionante. A Binter chega e estabelece o mau serviço que conhecemos, mas o problema não é a Binter. O problema é o Governo não ter sabido que estava a lidar com uma operadora comercial estrangeira num sector extremamente especializado e ter mandado gente que não percebe nada daquilo negociar um acordo desta importância. Resultado, a companhia fica com o monopólio de facto, o que lhe permite ter o comportamento abusivo que tem demonstrado. Se a Binter não tem que competir com ninguém, não tem motivo para ter uma política de preços competitiva; se a Binter sabe que o país depende do seu serviço, mesmo sendo mau, não tem razões para o melhorar. Não há bilhete entre S. Vicente e Santiago que não seja menos de 10 contos e não há hipótese de se fazer a deslocação S. Nicolau – S. Vicente sem se passar pela Praia. É absolutamente ridículo…
Mas acho que isto não acontece porque o Governo é mau; acontece porque não teve previdência; não percebeu que uma companhia como a Binter agiria assim com o monopólio. Se Cabo Verde fosse um território contínuo mandava-se a Binter à fava, metia-se num carro ou num comboio e cada um ia para onde quisesse. Mas somos ilhas e estamos nas mãos da empresa. O Governo tinha a obrigação de garantir um acordo de concessão a sério.
MI – Na sua perspectiva, porquê ainda o Governo não obrigou a CV Airlines a voar para S. V?
RL – Porque não quer, porque o pessoal não tem o Estado de Cabo Verde em primeira linha de conta. O PAICV não fechou a TACV por razões eleitoralistas. Foi terrível. Levou aquele barco afundado até as eleições e deixou aquilo nas mãos do MpD. O PAICV foi baixo na sua gestão. Quando o MpD recebeu a empresa, encontrou uma sangria financeira, pelos encargos que a situação representa. Teve de resolver o problema. Aliás, o Banco Mundial tinha estipulado que só daria ajudas ao Governo quando este saneasse a empresa. O Executivo sentiu-se obrigado a tomar uma decisão, mas esqueceu-se que a função do Estado é garantir determinados serviços públicos. E, da mesma forma que fez um acordo inepto com a Binter – que nem sequer garante a evacuação de doentes das ilhas – manda gente incompetente para negociar o acordo com a Icelandair, uma companhia muito maior e mais experiente do que a Binter. Resultado, Cabo Verde ficou com os passivos dos TACV e mesmo assim só conseguiu vender a empresa por pouco mais de 1 milhão de dólares. Há prédios na Praia que custam mais que isso. Isto não pode ser só maldade; é incompetência.
Agora, o facto é que não assegurou os voos para o aeroporto Cesária Évora porque o interesse de S. Vicente não contou minimamente na transação.
Apostar ainda mais nas “festas” em S. Vicente
MI – O INE divulgou dados estatísticos que mostram que houve uma maior facturação por trabalhador em S. Vicente, com grande diferença em relação ao resto do país. Para si, o que estas estatísticas traduzem?
RL – Em primeiro lugar traduzem o tipo de sociedade que é a mindelense, uma sociedade profundamente urbana. Há pequenos focos de produção rural na Ribeira d’Vinha, Calhau, Mato Inglês, uma importante faixa piscatória, mas é uma ilha onde o grosso da sociedade é urbano. Santiago, por sua vez, é uma ilha profundamente rural. Não há pior desemprego actualmente em Cabo Verde do que o desemprego rural. O trabalhador rural de Santiago está sem opção de trabalho, principalmente nos últimos dois anos de seca. E a produtividade desse trabalhador imagino que seja muito menor do que a de um trabalhador portuário. Este, imagino, ganha bem para a classe, tem protecção social – como deve ser – e trabalha a sério. O seu horário tem funções descritas. Pode haver um outro preguiçoso, mas é uma classe que trabalha. É só passearmos pelas imediações do Porto Grande e ver esse pessoal a ir e a vir do cais com as mochilas às costas e um ar determinado. A mesma coisa acontece nas oficinas da periferia… E um outro factor importante para a economia de S. Vicente é a emigração. Uma das coisas que os emigrantes fazem é construir a moradia para a reforma. Há ainda um sector de construção civil enorme, como as oficinas que fornecem as portas, janelas, canalizações, pinturas… O pessoal trabalha, sim.
MI – A verdade é que as pessoas ficaram surpresas com o resultado do inquérito porque o centro dos principais investimentos é a Capital e alimenta-se a ideia de que, se S. Vicente está mal, é porque a malta só quer festejar.
RL – Muito bem, vamos escolher uma festa como exemplo: o Carnaval. Quanta economia é gerada em torno deste evento? Quantas costureiras, ferreiros, técnicos de som, artistas plásticos, músicos, condutores, lojas e boutiques, vendedeiras de balaio, hotéis e residenciais, transportes aéreos e marítimos tiram proveito económico dessa manifestação? Quanto trabalho está envolvido na criação do traje de uma rainha? Quanta gente está envolvida, não no Carnaval, mas na indústria carnavalesca?
Passemos para o festival Kavala Fresk: quantas pessoas essa actividade consegue congregar? Quantos restaurantes aumentam a sua exploração? Quantos prestadores de serviços são solicitados? Quantos pescadores e peixeiras garantem a colocação do seu pescado? Enfim, para mim, essa economia de festa devia era aumentar porque é uma parcela expressiva da base económica de S. Vicente.
MI – Então não ficou surpresa com estes dados?
RL – Fizeram-me pensar, digamos assim, mas o que eu acho é que há muita construção falsificada, muitos estereótipos na cabeça das pessoas; um deles é que se trabalha na Praia e não em S. Vicente, que aqui é só festa. Mas, para eu festejar, houve alguém que foi comprar bebidas, que fez pastéis, transportou os aparelhos sonoros, ornamentou o espaço, construiu a minha fantasia… Nós temos de entender melhor o que é a economia de S. Vicente e quais são as suas bases. Uma delas é industrial.
O meu pai diz uma coisa importante para quem quiser entender Mindelo. Ele lembra que S. Vicente foi o primeiro proletariado do país, onde surgiu a primeira classe trabalhadora portuária com dinheiro líquido na mão, a comprar serviços no espaço urbano; gente a comprar na loja e não a produzir na horta. A cabeça do mindelense é urbana e é preciso entender isso; suas vocações são urbanas. S. Vicente sempre foi o centro da sua região e isso não tira nada à Praia.
Onde é que se industrializou a água em primeiro lugar? Onde nasceu a primeira fábrica de tabacos? Onde começou a exportação de frutas e de peixe? A ilha foi palco das primeiras experiências industriais e culturais no país. Isto resulta em capital social e histórico. O povo pode estar maltratado, mas é dotado de referências que lhe permite continuar a trabalhar de forma produtiva e a olhar para frente.
“Sokols é um dos capitais mais valiosos de S. Vicente”
MI – S. Vicente foi palco de um acontecimento inusitado quando elementos do Sokols cortaram o caminho à caravana do Primeiro-ministro na estrada do aeroporto. Como é que viu essa intervenção?
RL – Acho que o Sokols é um dos capitais mais valiosos que S. Vicente tem neste momento a nível cívico. O grupo conseguiu assumir uma intervenção cívica destemida. Quanto à manifestação que refere, as pessoas podem dizer que foi falta de educação ou provocação, mas a verdade é que foi uma demonstração firme dos cidadãos sobre a sua insatisfação com o status quo. O Sokols conseguiu organizar a população para dizer claro e em bom som que já não suporta as coisas como estão. Para mim, de todas as vitórias dos Sokols a principal foi a manifestação do dia 5 de Julho de 2017, quando conseguiram levar 10 mil pessoas à rua. Isto é brutal, isso só poderia acontecer aqui e devemos entender que possui um poder especial nesse aspecto.
MI – Porquê diz isso?
RL – O mesmo não aconteceria na cidade da Praia porque metade da população trabalha para o Estado, outra parte tem dependências (in)directas do Estado e não iria barafustar. A população é maior, mas está sob a palma da mãozona firme e directa do Estado. O Estado não mata e nem tortura, é um Estado democrata porque respeita a opinião individual. Eu sou prova disso, já disse horrores do Estado e ainda estou viva. Podem não me dar emprego, mas nunca me ameaçaram. O problema é que, para a maioria das pessoas na Capital, esse poder de empregador detido pelo Estado é suficiente para as calar.
MI – Que efeito psicológico essa intervenção terá despertado no estado de espírito do Governo central e do próprio Sokols?
RL – Medo! Provocou medo ao Governo central, enquanto que deu ao mindelense um rasgo de empoderamento. Se fizemos isso uma vez porque não fazer uma segunda vez?! E isto cria receios num Estado que não está habituado a lidar com uma sociedade civil viva, reivindicativa. Quando S. Vicente sai à rua dessa forma, o poder central começa a entrar freneticamente numa série de manobras. A primeira é dizer que os Sokols são fantoches da oposição. Eu sei que isso é mentira porque também o fizeram em relação a mim, apenas para desvalorizar a minha opinião. Antes das eleições, quando eu criticava o PAICV, diziam que era fantoche do MpD. Agora que critico o Governo do MpD dizem que sou fantoche do PAICV. Fingem não perceber que o interlocutor da sociedade civil é quem está no poder. É simples. Temos de perder a mania de achar que qualquer crítica é porque és do outro lado. O Governo usa essa estratégia apenas para desvirtuar as críticas que lhes fazemos.
MI – Por aquilo que diz, o Sokols tem uma grande força sociopolítica em mãos. Como rentabilizar esse capital?
RL – Tudo depende da cidadania, da capacidade das pessoas de ver as oportunidades que lhe surgem para transformar este sistema.
MI – E vê o Sokols a transformar-se em partido político?
RL – Não, o movimento tem uma missão cívica muito bem traçada. Mas será uma força que vai acordar o resto da população para fazer uma boa escolha política ou, possivelmente, boicotar as próximas eleições, se as listas não lhes trouxerem soluções.
MI – Poderá ser um veículo de esclarecimento/orientação nas campanhas?
RL – Acho que já é e não podemos esperar as campanhas para esclarecer as pessoas. Tem de ser já. Mais importante que o papel que irão desempenhar nos 15 dias de campanha é o trabalho de sensibilização que andam a fazer desde 2017. S. Vicente foi perdendo a cultura do protesto e tinha-se instalado a mentalidade de “deixar passar”. O Sokols sacudiu isso. Foi capaz de interromper a comitiva do PM, de levar gente à rua, de brigar, e deu uma referência ao povo.
Regresso a S. Vicente, o centro das mudanças políticas
MI – Estará em S. Vicente nas campanhas?
RL – Estarei em S. Vicente a partir de agora.
MI – O que a levou a trocar a Capital por Mindelo?
RL – Eu tenho uma empresa de consultoria que pode funcionar em qualquer sítio. Assim como viajo muito da Praia para S. Vicente, posso fazer o inverso. Já me considero residente, já comprei fogão e frigorifico (risos), aluguei um apartamento e vou viver uma vidinha de estudante nos próximos tempos. Fiz a mudança porque acredito que aqui é que vão ser decididas muitas coisas nos próximos tempos.
MI – A sua presença aqui tem algum objectivo político, tem algo a ver com as próximas campanhas eleitorais?
RL – A minha presença tem a ver por agora com aspectos puramente analíticos. Eu já percebi que Cabo Verde tem de mudar. Isto é visível em todo o país, inclusive na Praia. Já percebi com as frequentes viagens que faço para Mindelo que o provável núcleo dessa mudança será S. Vicente e logo de seguida as ilhas do Sal e da Boa Vista.
MI – E qual será o seu papel nesse processo?
RL – Primeiro analítico, não farei nada antes de entender os processos políticos que se desenrolam em S. Vicente. Por razões profissionais, a minha perspetiva diária da política tem sido a partir da Praia. Quero agora quero sentir e ver com mais proximidade o que se passa na esfera sociopolítica em São Vicente. Daqui a uns meses, podem voltar a perguntar-me o que acho que as pessoas estão a fazer aqui e o que eu posso fazer aqui.
MI – Estamos perante um caso do retorno da filha à casa?
RL – As minhas raízes familiares estão em S. Vicente e Santo Antão; S. Vicente pelo lado materno e S. Antão pelo lado paterno. Pela vida que levei, pelo tempo que estive no estrangeiro e o que vivi na Praia, a minha casa é Cabo Verde. Mas toda a minha linhagem vem daqui, logo posso, sim, dizer que é o retorno da filha à casa.