Embora se dirigisse ao Irão para uma missão por conta do governo venezuelano, Alex Nain Saab Morán, advogado e homem de negócios de origem libanesa, e com nacionalidade venezuelana, colombiana e de Antígua, foi capturado no aeroporto internacional Amílcar Cabral, em Sal, Cabo Verde, a pedido de Washington. Foi detido posteriormente na ilha, no sentido da sua eventual extradição para os Estados Unidos.
A escala em Cabo Verde do avião privado que transportava o Enviado Especial de Venezuela, Alex Saab, foi curta. Para além das acusações de que foi alvo, são ainda mais as condições da sua captura e detenção que intrigam qualquer defensor dos direitos humanos. Entre falhas, incidentes, abusos, malabarismos e amadorismo, esta situação colocou na ordem do dia uma manipulação da Interpol e, mais uma vez, o desprezo dos Estados Unidos pelo Direito internacional.
Falhas e incidentes diplomáticos
Sob instruções de Washington, o Sr. Saab foi detido aquando da sua escala em Cabo Verde, embora transportasse uma mala diplomática que justificava com todas as evidências o estatuto do interessado. De acordo com a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas de 1961, salvo se for detido em flagrante delito, ou se a sua imunidade for levantada pelo Estado que o nomeou, um diplomata não pode ser capturado nem detido.
O cúmulo da inépcia neste processo é que o aviso vermelho da Interpol só foi realmente emitido no dia seguinte à detenção, segundo a defesa. Entre outras irregularidades, a mala diplomática foi violada pelos agentes policiais que procederam à detenção, por puro amadorismo.
Amadorismo policial
Amadorismo ou simples execução de instruções ao mais alto nível? A polícia cabo-verdiana procedeu à detenção do acusado, apesar do seu estatuto de diplomata. A mala, cujo conteúdo não foi registado pela polícia, nunca foi entregue à justiça. O conteúdo nunca foi comunicado, visivelmente para impedir o reconhecimento do estatuto do acusado, o que, na hipótese de uma ausência de cumplicidade da justiça, colocaria fim a todo o processo que conduziu à detenção, bem como ao procedimento de extradição. A própria polícia recusou-se, um mês e meio depois, a fornecer à defesa, a seu pedido, cópias de imagens de videovigilância da referida detenção. A partir desse momento, tem submetido o Sr. Saab a uma detenção desumana com base em múltiplas irregularidades.
Detenção execrável e múltiplas irregularidades
Os direitos mais elementares do Sr. Saab foram violados. A título de exemplo, segundo os elementos colocados à disposição pela sua equipa de defesa, o acusado encontra-se detido numa cela muito insalubre com cerca de 2m2 ; as comunicações com a sua família, bem como com os seus advogados estrangeiros, foram proibidas. O seu advogado local só foi admitido para servir de intérprete. Diabético, com problemas cardíacos e tendo sido operado a um cancro do estômago, o seu estado de saúde, já preocupante, não foi minimamente tido em conta aquando do seu pedido de prisão domiciliária que foi indeferido. A visita dos seus médicos foi-lhe recusada, e o mesmo se passou com a comunicação dos exames médicos efetuados por médicos cabo-verdianos.
Será necessário recordar que o Tribunal de Recurso de São Vicente, com competência para tal, foi pura e simplesmente contornado neste processo, para favorecimento do patrocinador?
Um assunto americano
Este cenário, digno de um filme de Hollywood, apresenta traços de uma questão política. Para além daquilo de que é acusado, o Sr. Saab é, na verdade, uma vítima colateral da luta entre Washington e Caracas.
De facto, já não é segredo para ninguém que a deterioração de longa data das relações entre Washington e Caracas conduziu a uma rutura das ligações diplomáticas entre as duas capitais desde Janeiro de 2019. Os Estados Unidos, que agem como se fossem deuses do mundo, pensam estar investidos da missão de fazer cair o regime venezuelano há vários anos, e pretendem consegui-lo através de todos os meios, incluindo sanções económicas, interdições de viagens e mesmo perseguições dos próximos do regime.
Este cenário recorda-nos que os Estados Unidos, mestres proclamados do mundo, só respeitam o Direito internacional quando este lhe é favorável. Esta postura já foi confirmada inúmeras vezes. A título de exemplo, a não-cooperação com a CPI, e a negociação de acordos bilaterais de impunidade para subtrair os seus cidadãos da justiça internacional.
Anne Sacoolas, esposa de um diplomata americano em Londres, foi acusada de ter morto por negligência um jovem britânico num acidente rodoviário que ela provocou por negligência: Os Estados Unidos opõem-se firmemente à sua extradição.
Alex Saab, como qualquer cidadão do mundo, deve responder pelos factos que lhe são atribuídos perante a justiça, mas a justiça também inclui os procedimentos e os direitos a respeitar. No caso da captura, detenção e procedimento de extradição do acusado, é triste constatar que a polícia e a justiça cabo-verdianas procederam simplesmente para executar instruções dadas por Washington e, como tal, não contribuindo para um mundo que se regule por um mínimo de justiça para os mais fracos. Resta esperar que o juiz cabo-verdiano seja mais consciencioso e interprete o direito como o juiz espanhol que rejeitou o pedido de extradição do general venezuelano Hugo Carvajal no final do ano passado.
Francis Dako, Avogado from Bennin