Como nos tornamos viciados em repassar notícias sem ler

Ânsia por recompensa, falta de atenção e outros maus hábitos contemporâneos fazem qualquer informação ser compartilhada sem critério.

A notícia cai no seu colo, e é tão espantosa, atraente ou revoltante que não dá para ficar indiferente. Se a história chega por alguém “confiável”, aí não tem jeito mesmo. Curtir e compartilhar é só começar. Tente imaginar, porém, que aquilo pode ser mentira. Fake news, fofoca, futrica, manipulação, equívoco. No trânsito livre da internet, ninguém mais duvida do perigo que isso representa. A mentira — é preciso reconhecer — agora tem perna longa. E você pode ser um dos responsáveis por aumentar ou reduzir o alcance dela.

Ano passado, numa pequena cidade mexicana, histórias sobre crianças sequestradas começaram a se espalhar rapidamente por WhatsApp. Quem lia passava adiante. Indignada, uma multidão saiu em busca dos culpados. Dois homens inocentes acabaram queimados vivos. A informação era fácil de checar — não havia queixas formais contra eles nem registros de crianças sequestradas. Ainda assim, os linchadores não se deram ao trabalho de buscar a verdade.

O exemplo acima é extremo, claro. Nem toda mentira que se ajuda a espalhar com um simples clique vai resultar na morte de alguém. Algumas, podem “apenas” revelar intimidades que os envolvidos queriam preservar. Ou queimar o filme de empresas e pessoas acusando-as de erros que elas não cometeram e intenções que não tiveram.

Podem ser os recentes boatos sobre orgias em Fernando de Noronha que atingiram atores famosos. Ou falsos alertas de que a greve dos caminhoneiros iria voltar. No último caso, aliás, quem acreditou correu até os supermercados para fazer estoque de alimentos e causou desabastecimento. As histórias são tantas que nem a gente escapou. Se chegou a você a notícia de que acabou a “seção de livros” do GLOBO no site, esqueça. A resenha deste sábado, aliás, está online. Assim como todas as nossas matérias sobre livros.

De onde vem isso, afinal?

Graças a um coquetel de maus hábitos, que vão de falta de foco a carência crónica, passar conteúdo adiante sem critérios tornou-se comum. Tão comum que virou objeto de estudo de comunicação, psicologia e neurociência.

Para o coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, Arthur Ituassu, a polarização dos tempos atuais intensifica essa afobação. Para o pesquisador, um tipo de compartilhamento bastante comum hoje em dia é o que ele chama de “compartilhamento político”.

Para Ituassu, no plano da ação (e não da discussão) política, não importa o quanto a informação é falsa ou verdadeira, mas sim o quanto ela reforça “minha” posição. É um comportamento que nos anos 1960 pesquisadores americanos batizaram de “confirmation bias”, o chamado “viés de confirmação”.

“Basicamente o que necessito para compartilhar é que a informação esteja em concordância com minha posição política” — diz Ituassu. “Canso de avisar pessoas de que estão compartilhando algo que não é verdadeiro, mas isso não faz a menor diferença. Elas continuam compartilhando informações falsas.”

Segundo o pesquisador, quanto mais aguerridos somos numa posição política, maior a chance de compartilharmos notícias falsas. Dessa forma, torna-se cada vez mais importante pensar em medidas de educação em mídias digitais: “Isso aumenta a possibilidade de se conter a disseminação de notícias falsas, mas também de termos cidadãos melhores.”

Outra explicação para a ânsia de compartilhar está na própria dinâmica do universo digital. Segundo o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, nas redes há um valor pressuposto de participação. Estar online é uma experiência em que qualquer gesto, seja curtir, opinar ou encaminhar, adquire uma dimensão valorativa.

Há uma gratificação narcísica quando recebemos de volta uma confirmação da identidade que almejamos reproduzir, em gosto musical, culinário, político, ético. As redes aumentam nosso ‘eu’.”

Isso leva a outro fator decisivo para entender nosso comportamento nas redes: desde Freud, analisa-se a psicologia das massas. A diferença é que agora se analisa uma massa digital.

Ao compartilhar, nos tornamos mais impulsivos porque o conteúdo perde a importância. Não interessa produzir uma reflexão, mas aumentar a coesão do “nós”, — uma certa identidade coletiva da qual fazemos parte. “Isso gera uma degradação da comunicação, favorável à veiculação de preconceitos. Vou sempre procurar confirmar o que sinto e penso — diz Dunker, citando o tal viés de confirmação. “O que nunca diria solitariamente, mas no estado de massa digital me autorizo. Fico valente.”

2,5 bi de encaminhadores

O psicanalista acredita que, no futuro, aprenderemos a ser mais seletivos na distribuição de informação. No presente, até aqui, as notícias são outras.

No ano passado, uma pesquisa da BBC chamada “Beyond fake news” apontou traços por trás do ato de encaminhar notícias. Segundo o estudo, muita gente superestima sua capacidade de filtrar papo furado. Ler é difícil, repassar é fácil: além do incentivo para ser o primeiro a enviar (qualquer) informação, se a notícia for tocante, a emoção supera a razão e lá vem mensagem.

No Departamento de Cérebro e Ciências Cogniticas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Earl Miller também estuda o popular “dedo nervoso” — e culpa as redes sociais. Segundo o neurocientista, elas nos deixam viciados em recompensas, reduzem nossa capacidade de atenção e ativam nosso instinto de manada — o efeito “maria vai com as outras”.

Some tudo isso e você tem 2,5 bilhões de encaminhadores crônicos em potencial ” — resume Miller.

Atualizando a antiga placa de trânsito, fica a dica: na dúvida, não repasse.

C/Globo.com

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