Trabalhadores da Frescomar “tramados” por câmaras de vigilância e despedidos: Siacsa ameaça recorrer ao tribunal caso não sejam reintegrados

Cinco trabalhadores foram despedidos pela Frescomar, alegadamente por “furtarem e consumirem latinhas de peixe” descartadas dentro da fábrica. Captados pelas câmaras de vigilância, dizem, foram chamados aos recursos humanos e aconselhados a assinarem uma carta-rescisão ou então seriam entregues à polícia, acusados de furto. Desesperados, estes optaram por assinar a carta, mas depois procuraram o sindicato e a Direcção do Trabalho, que agendou uma reunião de mediação entre as partes para o dia 8 de novembro próximo. O Siacsa exige justiça e ameaça recorrer ao tribunal caso estes trabalhadores não forem reintegrados nos seus postos de trabalho.

O Mindelinsite ouviu dois dos cinco trabalhadores despedidos: Nicolau Delgado e Carlos Cruz. O primeiro conta que trabalha na empresa há 12 anos e já passou por vários sectores. Esteve nove anos na viatura de lixo e dois na sala de produção. Desde janeiro, após participar em uma formação, foi colocado em uma empilhadeira, mas um pequeno acidente num armazém em que quebrou alguns telhas o empurrou para a área de desperdício. “Neste momento, o meu trabalho é abrir latinhas de peixe danificadas para enviar para a fabrica de ração”, explica este colaborador da empresa.

Relativamente ao despedimento, Nicolau Delgado informa que, no passado dia 12 de outubro, seguindo uma prática antiga da fábrica adoptada por todos os trabalhadores, pegou duas latinhas de atum, tirou o produto e colocou em um pão para tomar café. Decorridos 30 minutos foi chamado aos Recursos Humanos. “Acusaram-me de roubo. Neguei categoricamente porque, durante todos estes anos que estou na fábrica, nunca levei nada para minha casa. Disseram-me que viram pela câmara quando peguei as latinhas e que seria despedido. Fiquei desesperado porque tenho um filho no liceu. O responsável dos RH apresentou-me duas opções: ou assinava um documento onde dizia que estava a sair de livre vontade e receberia como compensação de um mês de salário e os dias trabalhados ou chamaria a polícia”, assegura.

Mesmo inconformado, optou por assinar a carta-rescisão, mas informou a empresa da sua intenção de procurar o sindicato e a Direção do Trabalho para discutir os seus direitos. “Entregaram-me então um documento para apresentar na DGT. Lá me informaram que este dizia apenas que trabalhei na Frescomar. Voltei novamente à fábrica para buscar a carta-rescisão que tinha assinado. E, neste momento, estou à espera de uma resposta da DGT porque não posso sair de mãos a abanar. Foram 12 anos de trabalho, tenho filho e não tenho qualquer outro rendimento.”

Para Nicolau, o ideal seria continuar na empresa, onde trabalhou de forma dedicada desde sempre. É com orgulho que fala da folha de serviço que tem apenas duas faltas em 12 anos e nenhum processo disciplinar. “Trabalho de segunda a segunda. Porque o salário é baixo, tento rentabiliza-lo no domingo porque pagam 1.800 escudos. Passo mais tempo na empresa do que na minha casa. Inclusive vendi as minhas férias para poder matricular o meu filho no liceu. Infelizmente fui desprezado apenas porque fui visto a comer duas latinhas de atum em um pão nas câmaras de vigilância.”

Despedido por apontar para os colegas

Já no caso de Carlos Germano da Cruz, que está prestes a completar 10 anos de trabalho na Frescomar, este garante que sequer estava a consumir. Segundo conta, trabalha no sector do desperdício e sempre viu trabalhadores de todos os sectores da fábrica irem buscar latinhas de peixe no horário das refeições para reforçar a sua ementa, até porque o salário “não é lá grandes coisas” e nem sempre conseguem levar uma boa refeição. Aliás, uma prática que, afirma, foi incentivada pelo próprio proprietário da Frescomar que, em uma das visitas à fábrica, afirmou que, desde que fosse para comer dentro do espaço, poderiam pegar as latas de peixe descartadas. E não seria considerado roubo porque são desperdício, que inicialmente iam para a lixeira e agora são enviados para a fábrica de ração animal.  

“No meu caso, sequer estava a apanhar as latinhas. O responsável dos RH disse que no vídeo da câmara de segurança dá para ver que estou a apontar o dedo aos meus colegas e a incentivá-los a pegar as latinhas de peixe, quando na verdade estava a dizer-lhe para não mexer no desperdício. Infelizmente o vídeo não tem som para confirmar aquilo que estou a dizer. Mesmo assim fui despedido e também fui obrigado a assinar um documento a dizer que estava a sair da fábrica a meu pedido”, desabafa Carlos da Cruz, que nega categoricamente ter pedido para deixar a fábrica.

Garante que chegou a pedir para falar com o seu responsável directo, mas disseram-lhe que isso só seria possível após assinar o documento, inclusive colocaram um segurança próximo para o intimidar. “Fiquei revoltado, mas com medo de fazer algum distúrbio e ser despedido agora por justa causa, optei por assinar o documento colocado à minha frente”, acrescenta este nosso interlocutor, que se considera injuriado porque sequer recebeu o salário completo. Dos 16.400 escudos do salário mensal mais os dois mil de subsídio que aufere normalmente, recebeu apenas 9.300.

Confrontado, o representante do Siacsa em São Vicente, Heidi Ganeto, confirma que o sindicato recebeu uma denúncia de que cinco funcionários da Frescomar foram despedidos, alegadamente por roubo. Destes, quatro foram obrigados a assinar a carta de rescisão do contrato e receberam apenas os dias de trabalho referentes ao mês de outubro. O 5º indivíduo, cujo contrato terminaria no próximo mês de dezembro, recebeu toda a compensação até o final do mesmo e pelos anos de trabalho na Frescomar.

“Desconhecemos os critérios utilizados pela empresa, mas pensamos que agiram de má-fé. E pode-se estar a abrir um precedente, até porque em casos destes, primeiro se deveria fazer um processo disciplinar e só depois tomar as medidas cabíveis. Mas, de há uns tempos para cá, não temos conhecimento no Siacsa de nenhum processo disciplinar na Frescomar. Pelo que nos foi dito, é costume os trabalhadores consumirem as latinhas de peixe descartadas dentro da fábrica. E não foi dado nenhum aviso em contrário.”

Perante esta situação, prossegue Ganeto, procuraram a Direcção do Trabalho, que agendou um encontro de mediação com as partes, que deveria acontecer na quinta-feira passada, mas foi adiada para 8 de novembro devido a indisponibilidade de agenda por parte da Frescomar. Caso não houver uma decisão favorável aos trabalhadores, ameaça recorrer aos tribunais.

PCA desconhece processo

Do lado da empresa, o adjunto do Presidente do Conselho de Administração da Frescomar alega que só tomou conhecimento dos factos agora, após o contacto com o Mindelinsite. De imediato, tentou inteirar-se dos factos internamente e também conversou com o representante do Siacsa. “Não tinha conhecimento deste processo. Mas, em conversa com o responsável dos RH, fui informado que os quatro trabalhadores assinaram um acordo de rescisão porque foram pegos a roubar”, afirmou.

Ao ser informado que estes alegam que assinaram sob ameaça, Manuel Monteiro limitou-se a dizer que ninguém é obrigado a assinar nada. “Se não tivessem culpa, não assinariam. Se calhar assinaram porque tinham culpa”, frisou, aproveitando para esclarecer que está apenas a transmitir o que lhe foi dito pelo director dos RH. “Os quatro trabalhadores foram pegos a roubar e assinaram um acordo para evitar outros constrangimentos. Posteriormente, talvez tenham ido reclamar com o sindicato, que por sua vez foi para a DGT. Esta marcou um encontro com a Frescomar, só que nós tínhamos um outro compromisso e este foi reagendado para o dia 8”, sintetizou.

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