Burocracia e demora nas respostas perigam investimento de emigrante em SV: São 140 mil contos e 50 postos de trabalho directos

Emigrante em Angola que há três anos tenta instalar uma pequena indústria em São Vicente, está revoltado com a excessiva burocracia e com a demora das autoridades em despachar o processo. Afirma que há três anos comprou os equipamentos necessários ao arranque, mas que devido às dificuldades encontradas, entretanto, estes foram instalados em Angola onde estão a funcionar porque as decisões tardam e era preciso rentabilizar o investimento. “Esbarro sempre em muros de difícil transposição, mesmo com todo o apoio da Cabo Verde Trade Invest. Aliás, o convite inicial para investir no país foi-me feito pelo próprio Primeiro-ministro” , diz.  

O empresário que falou ao Mindelinsite sob anonimato porque ainda mantém vivo o interesse em investir em Cabo Verde, mais precisamente na ilha de São Vicente, conta que num encontro casual com Ulisses Correia e Silva na cidade da Praia há 5 anos foi desafiado a investir no país. Após nova insistência em 2021 e na expectativa de poder avançar, voltou a adquirir máquinas e equipamentos, adquiriu uma casa na Lajinha e um terreno na Zona Industrial do Lazareto. De quebra, arrastou outros empresários para que, também eles, investissem em Cabo Verde. Mas os processos burocráticos arrastam-se e não vislumbra luz no final do túnel.

Tenho recebido estímulo e apoio de pessoas influentes, inclusive da CV Trade Investir para não desistir, mas não me parece que queiram criar postos de trabalho no Mindelo. A cada dia é mais uma exigência, mais burocracia e, sobretudo, um arrastar do tempo. Convidaram-me para participar no Cabo Verde Investment Forum (CVIF) e foi uma sorte eu não ter espaço na agenda para poder ir – Luanda/Lisboa Sal e volta três dias depois – porque iria seguramente estragar-lhes a “festa” falando das dificuldades constantes.”

Neste momento, diz, está bloqueado no Ministério do Ambiente, que exigiu um estudo de impacto ambiental, que depois de apresentado, obriga a uma espera de mais 4 a 5 meses até ser aprovado. “Sou a favor que se realizem os estudos de impacto ambiental para qualquer projecto industrial, mas o estudo de viabilidade apresentado mostra claramente que não há desperdícios que possam afectar o ambiente e, pior, não se entende é esta demora para responderem. Decidi investir em SV e criaram dificuldades. Ao fim de muita luta, já conseguimos um lote na Zona Industrial do Mindelo, temos máquinas compradas há nove meses e uma estrutura de pavilhão com dois mil metros quadrados, mas sem Licença do Min. Ambiente, o Min Indústria não emite a sua licença provisória. Sem esta, não há estatuto de investidor. Sem este estatuto, não há investimento. Pela segunda vez, segue tudo para Angola e Cabo verde volta a ficar para trás.”

Reclamações

Por conta do bloqueio, este empresário conta que já fez muitas reclamações. Em umaemail com a data de fevereiro deste ano enviado à Câmara de S. Vicente, com conhecimento da CV Trade Invest, Câmara do Comércio, a que o Mindelinsite teve acesso, questiona a demora na resposta a um pedido de aquisição de um lote de terreno com 5.000 m2, feito à entidade gestora da ZIL. Pede, por exemplo, ajuda para ultrapassar inúmeras dificuldades com que tem deparado. 

Admite, por outro lado, desconhecer que a viabilidade de instalação de indústrias carece sempre de parecer da Câmara Municipal de São Vicente, pelo que envia todos os documentos exigidos para solicitar o tal parecer. Para o efeito, escuda-se em informações no site da CMSV que dizem, de entre outros, que “a dinamização da economia de São Vicente exige a articulação entre diversas entidades públicas e privadas, no quadro de um diálogo contínuo e construtivo, visando a consolidação dos investimentos existentes e a atração de novos investimentos geradores de conhecimento e emprego”. Apesar deste palavreado bonito, continua a aguardar. 

Mas, a par deste, tenho outros projectos em carteira, por exemplo, uma pequena produção de bebidas alcoólicas para servir a indústria hoteleira, um hotel de charme com 12/15 quartos e um projecto de hidroponia”, detalha. “Havia outros projectos em mente, em parceria com outros empresários de Angola, da Eritreia, de Portugal e dos Emirados Árabes Unidos, mas a quem já aconselhei a desistir desses investimentos. Um dos projectos implicava dessalinização de água e plantação de 120 mil árvores para aproveitamento das folhas e das sementes, tudo para exportação. Já se desistiu. “Começámos em Junho a plantar as primeiras 30 mil árvores em Angola. Ao plantar em Angola, a fábrica de transformação, já fica em Angola. Eram cerca de 200 postos de trabalho! Em Angola, até se poupa no investimento – água não falta. De que adianta querer investir num país que, pelos vistos, não quer, não tem interesse, não precisa?”

De acordo com este empresário cabo-verdiano, que também tem implementado projectos industriais em outros países da África e na América Latina, a bola está do lado das autoridades cabo-verdianas, mas parece que não há um interesse genuíno. “São investimentos pequenos, que poderão rondar os 25 a 100 mil contos/cada, sem recurso a financiamento bancário, o que é uma grande vantagem para Cabo Verde porque é capital que entra no país”, informa este emigrante, que em Angola é director geral de um grupo de empresas e têm sob a sua responsabilidade cerca de mil trabalhadores. 

O mais caricato, diz, é que foi desafiado pelo PM para investir em Cabo Verde em 2016, convite reforçado mais tarde pelo anterior Presidente da República e pelo Ministro das Finanças, novamente renovado pelo CV Trade Invest. Mesmo assim, não se consegue avançar. “Estou em Angola há quatro anos, mas visitava o país desde 2001. Saí de Portugal em 2005 e tenho construído fábricas em vários países, mas achei que era altura de fazer algo por Cabo Verde, que adoro e a minha mulher mais ainda. Só não contava com um sistema de licenciamento industrial completamente desenquadrado da realidade, com formulários absurdos. Nunca vi tal coisa. Excesso de burocratas a meterem-se/decidirem sobre o que não sabem, etc”, desabafa. 

Viagens estéreis 

Por diversas vezes já viajou para Cabo Verde para tentar desbloquear a processo, sendo a última em abril deste ano, sem sucesso. “Foi uma tremenda dificuldade para preencher a documentação exigida pelo Ministério da Indústria. E olha que tenho muita experiência. Quando pensei que estava tudo pronto, eis que o Ministério do Ambiente a exigir estudo de impacto ambiental. Nada contra se não tivesse entregue o estudo de viabilidade técnica, económica e financeira, onde indica a implementação do projecto na ZIL, zona devidamente preparada para industrial.” 

Mesmo assim, diz, aceitou fazer o estudo de impacto ambiental, sem nem mesmo se preocupar com os custos. Mas ficou revoltado com o tempo de resposta: 80 dias úteis.  “Depois de tanto tempo, investimentos feitos, casa posta no Mindelo e ter combinado com outros empresários a sua vinda para virem passar o mês de Agosto ao Mindelo, vou ter agora de dizer-lhes que vou ter de esperar  mais cinco meses para ter, se tiver, a licença. E depois mais um ou dois meses para a vinda dos materiais de construção e os equipamentos. Vão achar que sou louco por trocar a posição que tenho para investir num mercado que é uma migalha”, enfatiza.

Apesar destes contratempos, o empresário garante que ainda quer investir em São Vicente, nem que para isso tenha de “levantar tempestades”. “Se desistir do primeiro projecto, situação provável porque não posso manter as máquinas e materiais pagos, guardados nos fornecedores, farei outro”, conclui.

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