“Súplica”, uma Morna intemporal quase erigida a “hino”

A morna “Súplica”, do falecido compositor Djoya, tem sido a prova de que a música é intemporal e pode ser “resgatada” a qualquer momento. Nas vozes de Edson Oliveira, Gai Dias, Tony Lopes e de tantos outros cantores, essa composição entrou de novo na “moda”, apesar de existir há mais de dez anos, com uma força talvez nunca antes alcançada. Para uns tornou-se num hino para a ilha de São Vicente, para outros a sua letra e melodia despertam em todos os conterrâneos destas ilhas um sentimento de patriotismo, um apelo ao retorno ao colo da terra-mãe.

Nos últimos anos, a música já foi interpretada milhares de vezes, mas talvez nunca com o fulgor do coro que se juntou ao cantor Edson Oliveira na Rua de Lisboa, na passagem de ano. Mediante o apelo do artista, a multidão ergueu a voz para fazer do palco e da plateia um único corpo. Foi um momento sublime, um abraço fraterno ao ano 2020 e uma saudação à Morna, património imaterial da humanidade. Três dias depois, Edson postou no Facebook: “Foi mute nice po rua de Lisboa ta cantá morna Suplica. Soncent ê Morna também.”

Foi através da voz de Edson Oliveira que o artista das noites cabo-verdianas Tony Lopes conheceu a referida morna. Na altura pensou ser de Oliveira a canção, depois soube que era de Djoya. Não teve oportunidade de conhecer pessoalmente este artista, mas, quando ouviu a letra, tomou-a para si e incluiu-a no seu repertório. “Gosto de cantar esta música, tanto que não a canto sempre para não a vulgarizar”, frisa.

“Súplica”, hino ou moda?

Para Lopes, “Súplica” tem tudo para ser um hino de São Vicente. Da mesma forma pensa o intérprete e compositor Gai Dias, que vivia nos Estados Unidos da América quando ouviu a morna pela primeira vez. Um momento que fez crescer no seu peito as saudades da sua terra, das suas gentes.

Foi, no entanto, pela voz de Rui d’Bitina, outro artista que a regravou, que esta música chegou até Gai. Apesar de ser na morna que sente que esta letra tem maior impacto emocional em si, o artista no ano passado fez dela uma versão samba , numa parceria com o projeto Samba Groove.

Já Jimmy Silva, que acompanha vários artistas na sua carreira de baixista, inclusive chegou a trabalhar com Djoya, acredita que, quando o compositor escreveu a letra, pensou em Cabo Verde no todo. Por isso recusa a ideia de “Súplica” ser considerada um hino de Sao Vicente e acrescenta que esta música passou a estar na moda, como acontece de tempo em tempos com outras canções. 

Edson Oliveira também recusa ver essa melódica canção como um hino à ilha do Monte Cara. Encara a composição como uma obra que une as ilhas e não que divide e, desta forma, toca a todos. “A morna Suplica é tudo o que um cabo-verdiano quer ouvir e cantar. Une Cabo Verde numa só voz“, aponta Edson Oliveira, que contraria a ideia de que “está” na moda. Da sua parte, explica, canta esta morna desde que Djoya a gravou no CD “Noite de Mindelo”. Ele que teve o privilegio de ouvi-la interpretada por Djoya antes mesmo de ser gravada. O facto de ter conhecido e convivido desde muito jovem com o seu compositor faz com que Oliveira sinta uma emoção acrescida ao cantá-la. “Minha tristeza é por Djoya não estar vivo para ver a sua música fazer o sucesso que faz hoje, para ver o quanto os cabo-verdianos sentem essa morna”, lamenta.

El manda-m um ultimato, el txema-m pa sê…

Num dos trechos da música, Djoya escreve: “el manda-m um ultimato, ele txema-m pa sê…”. A palavra que falta é uma grande incógnita. Dos contactos estabelecidos com os artistas entrevistados para esta reportagem, cada um usa um termo diferente, algo que nos parece subjectivo. Tony canta “colo”, porque, para ele, trata-se do chamado como de uma mãe que quer sentir de novo o filho no regaço. A mesma interpretação tem o baixista Jimmy.

Já Gai Dias e Edson Oliveira preferem a palavra “coro”. O primeiro entende que se trata de um ultimato da terra-mãe a chamar o filho para um “coro”, para cantarem a uma só voz. O mesmo entendimento tem Oliveira, que pensa ser um “coro” de lamento. No entanto, espera um dia ter acesso à letra original para ter certeza.

Numa pesquisa na Internet pela letra desta canção, percebe-se que não há um consenso quanto à palavra escolhida por Djoya. Aliás, quando escutamos essa parte, ficamos também em dúvida. O certo é que há artistas que usam “colo”, outros “coro”, “corte” e até “korpe” no CD de Rui di Bitina. 

Djoya faleceu em 2010, aos 51 anos, mas deixou um legado que hoje mais do que cantado é sentido por muitos.

Sidneia Newton (Estagiária)

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