Com raízes na ilha da Boa Vista, Nancy Vieira, cresceu rodeada pela música. Filha de pais artistas e com grande parte da família a cantar e a tocar, enquanto criança, nunca lhe passou ela cabeça que um dia seria uma cantora profissional. Hoje autodenomina-se uma intérprete fervorosa e apaixonada pela música tradicional cabo-verdiana. A par da música, diz ser uma “menina-mulher – já menos menina e mais mulher – a descoberta de ela mesma”.
Esta história de amor com a música começou, de facto, em Portugal, por volta de 1995. Ainda estudante, Nancy Vieira conta que foi convidada por uma amiga a participar num concurso de descoberta de novos talentos numa casa de música africana chamada Vedetas do IF, do qual saiu vencedora. Como prémio, a gravação do seu primeiro disco começou a traçar os primeiros contornos da sua carreira artística. “Fui fazendo concertos e participações e as coisas foram caminhando naturalmente até aparecer uma proposta para pensar numa carreira mais seria”, conta.
Amante assumida da morna, suas inspirações são essencialmente cabo-verdianas, com algumas influências naturais derivados da aproximação com outros meios e outros tipos de música. “Gosto de tudo o que é música. O único estilo que posso dizer que não aprecio muito é o rock pesado, mas, claro, com todo o respeito com quem gosta e faz esse estilo de música”.
As suas maiores referências estão nas interpretações de Bana e Cesária Évora. “Por um lado, Bana é uma referência que tenho desde criança. Antes mesmo de conhecer Cise, eu já ouvia Bana, pois o meu pai era um grande fã das suas músicas. Cesária Évora impressiona a todos pela sua simplicidade, sua voz, sua forma de interpretar. É uma das minhas preferidas.” Entretanto, para Nancy, falar de músicos não se pode resumir em falar de quem canta.
“Quando se fala de Cesária, da magia dos seus concertos e discos, não se pode deixar de falar de toda uma equipa que estava por trás do seu trabalho”, explica, exemplificando como grandes nomes da música de Cabo Verde, como Paulino Vieira, Vaiss, Toi Vieira, Bau, Armando Tito, Nando Andrade, Kako, Zé Paris, Djassa, e ainda jovens como o Dany Fonseca, Tei, Miroca Paris, Kaly e Totinho. “Todos fazem parte daquela ´coisa´ especial. Tive o prazer de participar no Cesária Évora Orquestra e de fazer alguns concertos com alguns destes músicos. Foi uma magia que eu não sei explicar”.
No momento em que a morna está prestes a ser aceite como Património Imaterial Humanidade, Nancy diz-se ansiosa pelo resultado deste passo que representa grande orgulho para todos. Inclusive, conta, uma cabo-verdiana que vive em Portugal, Any Delgado, criou um projecto a volta da campanha Morna Orgulho Nacional e que, no fundo, que representa precisamente esse amor do cabo-verdiano pela sua música e da morna, em particular.
Nancy Vieira que, como conta, tem tido muitas experiências boas ao longo da sua carreira, está, neste momento, a apreciar uma ralação “muito especial” com o seu público Russo. “Agora em Fevereiro, quando voltar de Cabo Verde, vou fazer a minha quarta tournée na Russia, dos últimos três anos. Na verdade é o lugar em que mais fiz concertos nestes três anos e onde tenho recebido um carinho incrível que me tem surpreendido muito”, explica.
Entre os sonhos e projecto que esta artista carrega no bolso está o desejo de gravar um disco com músicas para crianças. Só ainda não o fez, explica, porque até hoje não encontrou as “canções certas”. “Na verdade, ainda me sinto um pouco criança. Em muitas coisas tenho ainda o entusiasmo de crianças. Admiro muito as pessoas serenas, mas eu, as vezes ainda tenho umas excitações um bocadinho infantil. E gosto de ser assim.”
A artista, que vive em Portugal, está em Cabo Verde para apresentar o seu mais recente trabalho, lançado em 2018, intitulado “Manhã Florida”. Ontem foi o dia de São Vicente receber o álbum, que ainda coincidiu com o dia de aniversário da artista. “Sempre tive um grande desejo de fazer um concerto no dia do meu aniversário. Ao longo de toda a minha carreira, nunca consegui. Adoro São Vicente, adoro Cabo Verde. Passei anos especiais da minha vida em São Vicente, que foram os primeiros anos da minha adolescência. Tenho aqui familiares e muitos amigos. Isso, para mim, é muito especial e espero que o público consiga sentir e entender o quão especial o concerto é para mim e o quão feliz estou”.
Manhã Florida é um álbum “o mais próximo do acústico possível”, de música tradicional cabo-verdiana, produzido por Teófilo Chantre. “Manhã Florida traz ainda os seus “compositores de eleição de sempre”, como o próprio Teófilo, Mário Lúcio, Betú, Kaka Barbosa, Eugénio Tavares, entre outros. Apesar de não se assumir como compositora, o disco trás ainda uma composição inédita da própria Nancy Vieira intitulada Porto Inseguro. “Além das músicas novas, faço questão de trazer músicas mais antigas porque foram elas que me inspiraram desde sempre e acho que foi por causa destas músicas mais antigas que me tornei cantora”, explica.
Manhã Floria já foi apresentada em vários países, como Rússia, Lituânia, Letónia, Hungria, Espanha, Portugal e na ilha do Maio. Ontem foi a vez de São Vicente e hoje, sábado, 02 de Fevereiro, na cidade da Praia.
Natalina Andrade (Estagiária)