Aos seis anos pegou no giz e desenhou no quadro negro da sua escola primária, em Chã d’Alecrim, os rostos do escritor Luís de Camões e do cantor cabo-verdiano Bana. Nesse dia, conta, o estabelecimento de ensino da sua zona recebeu a visita de uma autoridade colonial, que não quis acreditar que os traços saíram das mãos de uma criança da primeira classe. “Saíram à minha procura, mas não me encontraram porque estava a decorrer uma exposição de trabalhos manuais de outras escolas, pelo que estava por aí a andar”, conta Mário “Maruca” Rendall. Para ele ficou, no entanto, a compensação de que alguém reconheceu o seu talento natural para a pintura.
Ao longo dos anos foi aprimorando a sua técnica, mas sempre de forma autodidata. Sem um “professor” e desprovido de materiais apropriados, agarrou-se ao que tinha disponível: lápis e papel e sua paixão pela arte. “Enfrentei várias dificuldades, como falta de material didáctico. Além disso estudei à noite e comecei a trabalhar cedo na Electra, onde já completei 42 anos de serviço, pelo que só desenhava nos momentos de lazer”, explica o pintor, que desenvolveu a sua pintura reproduzindo fotografias de outras pessoas. Por isso acabou por se embrenhar no retrato e realismo ao se preocupar mais em pintar as feições dos modelos com a máxima fidelidade do que em fazer uma recriação.
Já retratou membros da família, artistas cabo-verdianos e amigos que lhe fornecem “carinhas” ou outras imagens suas, algumas vezes só por “desporto” outras para vender e arranjar uns trocados para adquirir materiais. “Agora já posso comprar lápis de qualidade superior em S. Vicente e outras matérias-primas. Estou neste momento a explorar o acrílico, a desenhar paisagens e a descobrir novas formas de expressão artística”, confessa esse neto do mestre da guitarra Luís Rendall, ele que também trouxe nas veias o gosto pela música.
Ainda relativamente desconhecido do mundo artístico cabo-verdiano, Mário Rendall já fez apenas uma exposição na Boa Vista, sua ilha natal. Em S. Vicente, onde reside desde criança, nunca conseguiu mostrar o seu trabalho ao grande público, a não ser através do Facebook. “Tentei uma vez no Centro Cultural do Mindelo, mas não encontrei aquela receptividade e incentivo que estava à espera”, conta, sem especificar a data. O certo, no entanto, é que tem encontrado motivação para continuar dos comentários de amigos e de outros pintores, como são os casos de Kiky Lima e Levy. Por isso não descarta a possibilidade de expor os seus quadros um dia desses. Até porque pretende aproveitar a pré-reforma, que está à porta, para se dedicar com mais afinco à produção de pinturas e explorar novas técnicas.
Kim-Zé Brito