O professor, antropólogo e escritor Manuel Brito-Semedo vai proferir no sábado, 30 de outubro, uma conferência sobre os 90 anos da Igreja do Nazareno em São Vicente, uma história desta igreja mas que se mistura com a da ilha, cujos contornos são desconhecidos. Na sequencia, será distribuída uma brochura, com fotografias e bibliografias, um material que Brito-Semedo espera ser um contributo para melhor conhecer e valorizar o passado desta igreja e ajudar a projectar o seu futuro.
Em conversa com Mindelinsite, Brito-Semedo fez uma antevisão desta conferência que, afirma, é fruto de uma aturada investigação cientifica e propõe repor parte da historia da Igreja no Nazareno em São Vicente, que foi rasurada. Segundo o professor, esta igreja evangélica chegou em Cabo Verde, mais precisamente na ilha Brava em 1901 e foi introduzida por um emigrante de nome João José Dias. “Em 1908 as igrejas mundiais fundiram e deram origem a actual Igreja do Nazareno e o missionário cabo-verdiano João José Dias e a sua obra foram nela associada. A Igreja do Nazareno da Brava a segunda no mundo e a primeira em África. É este mesmo João Dias que, no inicio da deca de 1930 fez contactos e veio para São Vicente. Em 1931 foi constituída a primeira Igreja do Nazareno desta ilha”, conta.
O Reverendo João José Dias, prossegue Brito-Semedo, esteve 35 anos em Cabo Verde a trabalhar sozinho. Mas, a partir de 1936, começaram a chegar os missionário vindos dos Estados Unidos, sendo o primeiro o Reverendo Everette Howard, que rompeu com as experiências e praticas anteriores. “A partir de então houve uma narrativa, sobretudo escrita, de que o trabalho desta igreja começou com a chegada dos missionários. Aliás, os documentos oficiais indicam que a Igreja do Nazareno de São Vicente foi fundada em 1950. É exactamente este período que quero esclarecer e fixar. Por isso, não apenas vou fazer a conferência como vai ser disponibilizada uma brochura com 28 páginas.”
Este “apagamento” da história, segundo o professor, deu-se porque houve uma incompatibilização entre o velho e os novos missionários, que resultou em uma cisão. “Os problemas começaram na Brava, mas foram transferidos para São Vicente. Na sequencia, houve uma cisão e um grupo de leigos saiu da igreja junto com Manuel Ramos, que criou depois a igreja Baptista”, descreve Brito-Semedo, que justifica esta sua pesquisa dizendo trabalhar com memória e com etno-história, pelo que valoriza a cultura e o homem da terra. “Quero valorizar o trabalho nativo deste período que não é falado e sequer está registado e que só começou a ser valorizado nesta igreja a partir da década de 1990”, pontua.
Mestrado e doutoramentos
Os poucos documentos escritos existentes sobre a história da Igreja do Nazareno em Cabo Verde, de acordo com o professor Brito-Semedo, são uma tese de mestrado muito narrativo e dois doutoramentos, um em inglês e outro sobre os “Missionários do Sul”, nome atribuído aos cabo-verdianos que foram para Portugal para estabelecer esta igreja naquele país. “Vou por isso aproveitar esta conferência para fazer uma homenagem a três nativos: João José Dias, o primeiro missionário enviado para Cabo Verde em 19901; o leigo santantonense Augusto Manuel Miranda, que assumiu a igreja em São Vicente nas ausências do Rev. Dias residia na Brava que residia na Brava; e Francisco Xavier Ferreira, o primeiro pastor oficial da Igreja do Nazareno em S. Vicente, em 1950.”
Para este antropólogo, com especialidade em Etnologia, a história da Igreja do Nazareno vem de longe e é motivo de orgulho, pelo que precisa ser conhecida e valorizada. “Vamos contar esta historia desde os primórdios com a chegada do Rev. João Dias na Brava e, depois, em São Vicente. Trazer os seus momentos áureos, na década de 1950, em que se construiu o templo em SV, a Editora Nazarena e a igreja tinha dois navios: Boas Novas e Novas de Alegria. Esta é uma historia que não está registada e é desconhecida. Foi por isso que decidimos transformar esta conferencia numa brochura com 28 páginas, com fotografias destas três figuras nativas, biografias, etc. É o meu contributo.”
Mas, como a Igreja do Nazareno não vive apenas do passado, Brito-Semedo vai falar também do presente, da Igreja do Mindelo e da sua expansão para os bairros periféricos. “Vamos traçar todo o seu percurso histórico até hoje. Temos dados estatísticos recentes que nos mostram a posição da Igreja do Nazareno a nível nacional e que constam do Censo 2021, ou seja, a percentagem de penetração em relação as outras. Em suma, vamos falar da história passada, com enfoque no hoje.”
Sobre este particular, o professor entende que a igreja mudou e cresceu, mas defende que a percentagem de apenas 1,3% da população de São Vicente mostra que não acompanhou e nem responde aos grandes desafios desta ilha. “Temos de reflectir sobre estes dados. Neste momento, a Igreja do Nazareno de Cabo Verde está dividida em dois distritos, Sul e Norte (2019). Temos aqui uma pastora jovem, de 40 e poucos anos, bem formada e que está a conferir uma nova dinâmica a esta igreja. O meu contributo é para ajudar na individualidade e personalidade deste distrito. Esta igreja completa este ano 90 anos e isso mexe com a estima e impõe novos desafios.”
Quanto a brochura, apesar de pequena, Brito-Semedo espera que supra a lacuna em termos de obras religiosas. É que, diz, salvo o livro escrito por Manuel Ramos em 1996 sobre a História da Igreja Baptista em S. Vicente, que teve pouca repercussão e encontra-se esgotado e um outro publicado em 2011 por ocasião do Centenário do Espiritismo, desconhece obras que contam a história da religião na ilha. A par da conferência no sabado, está previsto uma celebração mais religiosa no domingo à noite, com um culto para assinalar os 90 anos da Igreja do Nazareno em S. Vicente.