Investigadora cabo-verdiana identifica “passagens racistas” em “Os Maias”

A investigadora cabo-verdiana Vanusa Vera-Cruz Lima identificou no célebre romance “Os Maias”, de Eça de Queirós, várias passagens racistas, mas que, enfatiza, não retiram valor à obra literária. No entanto, adverte, justificam a inclusão de “um comentário pedagógico”, para que a questão racial não seja ignorada.

A informação foi veiculada hoje pelo jornal português Expresso (link), que cita a agência Lusa, órgão que entrevistou essa professora na Universidade de Massachusetts Dartmouth, nos Estados Unidos. Conforme essa doutoranda em Estudos e Teoria Luso-Afro-Brasileiros,  a inferioridade dos africanos e o desdenho pelo negro, ou qualquer aspeto relacionado à raça negra, está presente na linguagem do narrador e “reforçada através de ações e pensamentos de personagens e da idealização da branquitude em crianças, homens e principalmente mulheres”.

Entretanto, para a investigadora e docente da língua portuguesa, as “passagens raciais” não retiram nem adicionam o valor que esta obra representa na literatura portuguesa. Entende, no entanto, que criam “oportunidades de ensino e instrução culturalmente responsáveis”.

“Penso que é importante separarmos o romance, que é uma das maiores obras de arte da cultura portuguesa, das passagens racistas nela encontradas”, disse, acrescentando que o que está em causa na sua análise é a obra e não o autor, Eça de Queirós. Para tal, explica a entrevistada da Lusa, seria preciso um estudo muito mais aprofundado sobre a vida do autor e seus escritos profissionais e pessoais.

Escreve o jornal Expresso que a investigação de Vanusa Vera-Cruz Lima para esta análise recorreu à teoria crítica da raça, uma área de pensamento teórico contemporâneo que “revela como o racismo molda a realidade quotidiana do mundo”. No livro, acrescenta a investigadora, a linguagem do narrador reproduz a superioridade da raça branca sobre a negra, evidenciada através do discurso, frases, escolha de palavras, pensamentos das personagens de que o branco merecia ter o poder absoluto sobre o negro.

“Ao celebrar extravagantemente a branquitude, o romance envia uma mensagem de que a negritude não é algo de que se orgulhar e, portanto, como o preto e o branco estão sempre em oposição, a glorificação de um rebaixa o outro”, referiu.

Uma das passagens que a investigadora usa para exemplificar a sua afirmação, segundo esse jornal, consta do capítulo XVI da obra escrita em 1880: “Ela [Maria Eduarda], por seu lado, loira, alta, esplêndida, vestida pela Laferrière, flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas.”

Para a doutoranda, “todas as personagens do romance são um produto do ambiente em que o branco é considerado superior em relação ao negro”, embora estas possam ser divididas em camadas com diferentes intensidade, consciência e intenção”. “João da Ega é o personagem em que o racismo mais se evidencia. De acordo com Ega, da mesma forma que Portugal aspira ser ‘civilizado’, os negros tentam agir como brancos, fantasiando e vestindo a jaqueta do seu mestre”, ilustra.

Para a docente, há dois excertos em que João da Ega evidencia essas ideologias de forma bem intencional, quando descreve, em eventos sociais, a sua posição sobre a escravatura, defendendo-a para garantir os confortos da vida. Numa reflexão com Carlos da Maia, no final do romance, ele revela uma forte aversão ao facto de os negros estarem a fazer um esforço enorme, usando certos acessórios para serem considerados “imensamente civilizados” e “imensamente brancos”.

Várias outras passagens são citadas pela investigadora para reforçar o resultado do seu estudo.

C/ Lusa e Expresso.pt

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