É um amante como poucos da leitura, tanto assim que tem uma biblioteca particular em casa e “acumulou” mais de 600 obras literárias de autores de várias latitudes. Tudo bem registado numa folha Exel no seu computador. Agora, este reformado da Enapor, única empresa onde trabalhou por 43 anos, quer ofertar parte do seu espólio, mas a quem vai fazer uso correcto dos livros.
Aos 71 anos de idade, Fernando Lima tem uma certeza absoluta: nunca vai deixar morrer a sua paixão pelos escritos. O bichinho pelas letras eclodiu quando ainda estudava a quarta-classe e hoje já perdeu a conta das obras literárias e técnicas que lhe passaram pelas mãos. Como muitas crianças da sua época começou a ler os livros do Tio Patinhas, Tarzan, Zorro, aventuras dos índios e cowboys e dos super-heróis como Superman e Homem-aranha. Contos ilustrados que o fascinavam e faziam a sua mente fervilhar de imaginação.
“Naquele tempo era algo normal vermos pessoas passando na rua carregando livros debaixo dos braços. Havia uma cultura da leitura, tanto assim que costumávamos trocar, emprestar e vender livros entre nós”, lembra. Na sua casa na Rua de Cavoquim, acrescenta, todos os dias recebia pessoas para troca ou venda de livros.
Fernando Lima teve também a sorte de se relacionar com amigos que tinham acesso a livros, como Zéca d’Chã d’Alecrim, que trabalhava nos Correios de Cabo Verde, e Munjim, cujos pais eram sócios da Casa do Leão. Por intermédios deles recebia muitos exemplares e acabou também por passar a colecionar selos.
Com o tempo, Fernando foi aprimorando a qualidade da leitura. Entretanto, as coisas tomariam um rumo diferente por conta do seu trabalho. Funcionário do departamento de Contabilidade da ex-Junta Autónoma dos Portos, actual Enapor, viu-se obrigado a adquirir livros técnicos para poder ajudar a empresa a aproveitar um financiamento do Banco Mundial, pois eram muitas as exigências da instituição ao nível do fecho de contas. Recorda-se que costumava ficar até uma hora da madrugada na empresa aprendendo com os colegas e o formador português Óscar Marques, que lhe aconselhava a compra de determinados textos técnicos.
Fernando Lima acabou também por incluir livros de especialidade, como Estatísticas e Contabilidade, no seu cardápio. E são estas algumas das obras que quer doar. Quem quiser, diz, pode contactá-lo na sua residência no Madeiralzim, perto da empresa Costa&Costa, e ver o manancial que tem para ofertar. A condição básica é que o receptor faça uso dos livros e possa até faculta-los a quem precisar. Pelas suas contas, são perto de cem exemplares.
Como leitor assíduo, Fernando Lima lê de tudo, sem se preocupar com o nome do escritor ou o tema. No entanto, nutre especial preferência por autores cabo-verdianos, um deles o premiado “contador de histórias” Germano Almeida.
Além dos livros, Fernando Lima gosta de apreciar um bom filme. Muitas vezes escolhe produções antigas que o levam a uma viagem ao passado, quando costumava assistir aos filmes de índios e cowboys no cinema Miramar. Momentos que ficaram gravados na memória da sua infância e juventude.
Quando decide ler, Fernando Lima é capaz de “devorar” um livro em dois/três dias. A sua próxima leitura é uma obra com 1.022 páginas. Estima terminar a leitura em sete ou dez dias no máximo. “Esqueço-me de tudo. É um momento em que estou comigo e com a história do livro”, revela.
Engana-se, no entanto, quem pensa que ele se mete no quarto ou nalgum recanto silencioso da casa para ler. Muitas vezes prefere ficar na varanda da sua casa, que fica a escassos metros de uma estrada movimentada.
Apesar dos tantos livros passados pelos seus olhos, Fernando Lima nunca pensou em ser escritor. O motivo? Diz que não sabe escrever.