Exposição “Mindelando” inaugurada: Zé Pereira oferece valor da primeira fotografia vendida a doente de cancro

O fotógrafo Zé Pereira assegurou ontem à noite no Centro Cultural do Mindelo que o valor arrecadado do primeiro quadro vendido da exposição Mindelando será oferecido a um amigo que está neste momento a lutar contra um cancro. Uma medida que foi aplaudida pelas dezenas de pessoas que estiveram presentes na abertura dessa mostra, que apresenta 40 das melhores capturas feitas em 2019. Segundo Pereira, sempre associa as suas exposições a uma causa social ou a uma pessoa que esteja a precisar de ajuda e esta não foi excepção.

“Em todas as exposições, o primeiro quadro vendido destina-se a uma instituição ou pessoa que esteja a passar por algum processo que mereça a nossa solidariedade. Está aqui uma pessoa que está a a lutar conta um cancro e quis associar este momento à sua situação porque, quando ouvimos a palavra Carnaval, as imagens que nos vêm à mente são vida, energia e emoção. E há uma pessoa que está a lutar pela vida e o valor do quadro vai na integra para a ajudar nas despesas de tratamento”, assegurou o autor da exposição aberta ontem à noite no CCM e que pretende ser mais uma atração por esta altura do Carnaval na cidade do Mindelo.

Coube a Luiza Morazzo, ex-presidente e velha-guarda do Samba Tropical, a honra de apresentar o autor, “mnine de Soncent” nascido em 1964, e a exposição Mindelando. Segundo Morazzo, o fotógrafo tem o condão de transportar a todos para o Carnaval 2019 com imagens belas e reais extraídas de um mundo de sonho, fantasia e magia; uma forma de levar os visitantes a continuar a ver o desfile no rosto das pessoas fotografadas, envoltas em cetins, sedas, tules, plumas e serpentinas.

“Como amante desta grande festa digo que o Carnaval está na alma deste povo. É uma das maiores manifestações de alegria e beleza – desta cidade -, capaz de maravilhar a todos com a sua variedade estética e artística. É um património cultural onde se pode encontrar compositores, cantores, bailarinos, modistas escultores e um leque variado de artistas”, descreve Morazzo, realçando que por esta altura a felicidade e emoção apoderam-se das pessoas quando escutam o ritmo dos tambores, tamborins, surdos, chocalhos e as músicas do Carnaval.

A par da alegria que a festa proporciona, enfatiza essa ex-bancária, é de se realçar o inquestionável contributo do evento para a economia de S. Vicente e de Cabo Verde. Por mais esta razão, Morrazzo defende uma aposta cada vez mais forte no potencial do Carnaval de S. Vicente e na preservação da sua memória.

Mulher cuja vida foi dedicada ao Carnaval, Luíza Morazzo revelou os dois momentos que ficaram mais guardados na sua memória: o primeiro desfile do grupo “Meninos d’nôs terra”, em 1979, e a estreia do Samba Tropical dez anos mais tarde. No primeiro momento sensibilizou-lhe ver aqueles “pedacinhos de gente tão pequeninos” com as suas lindas fantasias de bailarinas, palhaços e princesas; no segundo marco ficou maravilhada ao ver jovens dos 15 aos 90 anos anos desfilando juntos, em que a pessoa mais idosa era justamente a sua mãe. “Foi uma mistura de sentimentos, choro, lágrimas, mas eram de alegria e realização de um sonho.”

A inauguração da mostra Mindelando foi também a oportunidade para se falar da história do Entrudo e do Carnaval em rápidas pinceladas. E, como realçou José Almada Dias, falar do Carnaval de Cabo Verde implica falar do Carnaval do Brasil, por uma razão muito simples, e explica: “Quando fazemos uma rápida investigação – basta ir ao Google – sobre a história do Carnaval aparecem frases interessantes. Uma delas enfatiza que a maioria dos estudiosos afirma que o Carnaval brasileiro surgiu em 1723 com a chegada dos portugueses das ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, que trouxeram a brincadeira de correrias, água com limão e batalha de confetes e serpentinas”, cita Almada Dias. Este relembra que toda a gente costuma dizer que o Carnaval veio do Brasil para Cabo Verde, enquanto os brasileiros dizem que foi levado para o Brasil pelos portugueses provenientes da Madeira, Açores e Cabo Verde. E muitos desses portugueses, prossegue, eram cristãos novos que mantinham uma vida judaica em segredo para fugirem à Inquisição.

Segundo Dias, o Carnaval tem mais de 3 mil anos e é considerado a festa profana mais antiga do mundo. Nasceu na Grécia e era celebrada fundamentalmente pelas mulheres, que ganhavam por essa altura liberdade para fazerem o que lhes convinha durante três dias. “E há quem diga que esta tradição se mantem em Munique, na Alemanha.”

Inicialmente, salienta Almada Dias, a celebração popular nada tinha a ver com a religião, mas passou a ter quando a Igreja resolve habilmente fazer a mesma coisa que fez com o Natal e as Festas Juninas: associar essa grande manifestação popular a uma data religiosa. Deste modo, o Carnaval – a festa do prazer do carne – passou a ser festejado 47 dias antes da Páscoa, isto é, antes de as pessoas entrarem no período de reflexão da Quaresma.

“Se fomos nós que levamos o Carnaval para o Brasil, então porque insistimos que veio de lá para cá? Porque, de facto, há as duas coisas: o que foi levado para o Brasil não foi o Carnaval, mas sim o Entrudo, que consistia nas brincadeiras com a farinha, ovos podres, etc.”, começa por explicar esse cronista.

Com a Independência do Brasil, em 1822, continua, intelectuais brasileiros decidem banir essa “brincadeira medieval” dos jogos com a farinha e ovos podres e incentivam a adopção dos desfiles das máscaras de Paris e Veneza. Depois a festividade ganhou um novo impulso e divulgação, tornando-se hoje na maior festa popular de toda a América Latina e dos países crioulos, como é o caso de Cabo Verde. Neste momento, salienta essa fonte, o Carnaval é festejado com grande força até no Japão.

Regressando a Mindelo, Almada Dias enalteceu o contributo que o grupo Samba Tropical deu ao Carnaval mindelense, mas focou a sua homenagem nos compositores como Vlu, Constantino, Jotacê, Anísio, sem esquecer o B.Leza, que conseguiram fazer uma excelente produção musical carnavalesca. Aliás, hoje, relembra, já ninguém escuta e dança as marchas brasileiras nos bailes de máscaras, como, por exemplo, a cérebre composição “Mamã eu quero”. Isto porque, diz, há belas composições tipicamente mindelenses que dão para horas de festas e espectáculos.

A exposição do fotógrafo Zé Pereira é composta por 40 quadros em formato A2 e vai ficar patente no CCM até o final de Fevereiro.

KzB

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