É uma verdadeira “biblioteca” do Carnaval de S. Vicente, com os seus 76 anos de vida. Maria Alice Freitas, ou apenas “Dona Lili” conhece como ninguém as facetas e nuances desta festa, que começou a viver dentro de casa. As suas lembranças, ainda da época da “inocência”, são de carnavais simples e que se alimentava de piadas. Com oito anos, diz, assistia, deslumbrada, os desfiles dos blocos e depois ia espreitar os bailes. Depois da independência, conta, os blocos transformaram-se em grupos organizados, mas as demandas também cresceram e atingiram níveis insustentáveis pelo que foram obrigados a fazer um interregno. Hoje D. Lili não tem dúvidas que o Carnaval de São Vicente se transformou num produto turístico de excelência, mas está-se a repetir os erros do passado, pelo que alerta para o risco de um novo colapso caso os protagonistas e as autoridades não se sentarem para discutir, sem complexo, o Carnaval. Sem “papa na língua”, critica a Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval de São Vicente (Ligoc) que, afirma, não defende os interesses comuns, diz-se preocupada com os custos dos projectos e com os financiamentos e afirma que o seu principal adversário é o Vindos d’ Oriente. Esta entrevista foi feita antes da abertura oficial e sorteio dos grupos.
– Por Constânça de Pina –
Mindelinsite: Como começou esta paixão por esta festa que os saovicentinos apropriaram e transformaram agora em indústria? Fala-nos das diferenças entre o Carnaval de outrora e o Carnaval industrializado que hoje vemos?
Lili Freitas: Encontrei o Carnaval em casa com os meus tios e minha mãe, que se calhar receberam esta herança da minha avó, que era uma pessoa muito popular, Nhe Virginia de Jôn Brenquim. Ela e o meu avô tiveram 21 filhos, não tenho conhecimento de outro casal com tantos filhos aqui no país. Então éramos uma família numerosa, do tipo tradicional, ou seja, com portas abertas. Isso significa que os 21 filhos estavam sempre acompanhados de 21 ou mais amigos. Cada um trazia um ou mais para casa. Ouvi falar das suas façanhas, tendo em conta que não consegui apanhar nas suas andanças porque, quando os conheci, já eram emigrantes no Brasil. Ainda hoje temos uma grande geração no Brasil, mais precisamente em Santos, São Paulo e Curitiba. Um dos meus tios foi primeiro e jurou à sua mãe que só voltaria quando fosse rico. Outro objectivo que tinha era levar toda a família. E cumpriu. Começou a levar os meus tios um por um mas, infelizmente para ele, alguns voltaram. Isso foi possível porque, as pessoas podem até não acreditar, ele venceu a lotaria duas vezes. A sua mãe, que ele mandou buscar primeiro, também retornou. Ficaram apenas duas sobrinhas com o meu tio.
MI: Então ainda tem familiares no Brasil?
LF: Sim, temos ainda muitos familiares no Brasil. Entre São Paulo, Santos, Curitiba e São Bernardo temos muita gente. Inclusive fui conhecer alguns dos meus tios no Brasil. Não foram atrás do Carnaval, foram procurar uma vida melhor. Emigraram para o Brasil ainda eu era muito pequena. Mas aqui era uma zona do Carnaval: Craca, Monte e Lombo. Tínhamos ainda o Salinas, que era conhecido por “Lorg Dublinha” e o Amarante, onde actualmente é a Sita. Um dos meus tios, Ti None, era o dono do edifício. Nasci na rua d’ Craca. A casa da minha avó, na Praça Estrela, continua lá.
Brincar sem ofender
MI: Ainda lembra como S. Vicente vivia o Carnaval na altura?
LF: Vivíamos o Carnaval de forma simples, mas com muita dedicação e diversão. Éramos uma família, os “Colegas d’Carnaval”. Talvez por isso não dou tanta importância às rivalidades porque vivi esta experiência desde sempre, ainda que só tenha tomado consciência por volta dos meus oito anos. O Carnaval era expontâneo. Os desfiles eram apenas para os adultos e aconteciam à noite. Os cortejos eram iluminados com lanternas. Depois descobriram que a bateria fornecia electricidade. Lembro como se fosse hoje. Havia um barco iluminado no largo do Amarante. Não tenho certeza, mas acho que Pinúria estava medido nessa brincadeira. Na altura um grande mecânico e um homem do Carnaval, junto com Muna, Didi d’ Farmácia, Jorge d’ Tribunal e outros tantos. Eram os rapazes “basofos” da cidade, mas tinha por detrás o Artur Boxe, Djê Gruguin, Luísa Manobra, esta comadre da minha mãe. Conheci e convivi com toda esta gente e vi como se faz um Carnaval. Era brincar sem ofender.
MI: Mas o Carnaval alimentava-se de piadas…
LF: Sim, é verdade. Não havia uma única música que não transmitisse piadas, na maioria das vezes dirigidas aos mais fortes. Ainda hoje lembro algumas frases de músicas do Carnaval de outrora. Mas, terminado o desfile, as pessoas conviviam. Colocava-se o grupo na rua e festejava-se dentro das salas de festas. Era pequena para participar, mas andávamos por todos os lados para espreitar essas festas. Subíamos para Jôn Tolentino, hoje Pimms, depois descíamos para José d’Canda e depois para o Derby ou Djacô para ver os bailes das janelas. Era uma farra, que eu fazia com uma prima da mesma idade, inclusive chorávamos muito porque conseguíamos trajes emprestados para vestir, mas como éramos tidas como as mais “feias” da casa, as outras primas ficavam com as nossas roupas e nos obrigavam a trajar de “Estrangeiras”, ou seja, com calças e camisas de homens e bolsa tiracolo. Nesta altura as mulheres não se atreviam a vestir calças, por isso o nome “estrangeiras”. Na casa da minha avó havia algumas mães solteiras com os filhos. Houve dias em que somávamos mais de 70 netos. Dava para criar um grupo de família.
MI: Quando é que começaram a surgir os grupos organizados?
LF: Foi depois que as autoridades começaram a interessar e a ver o Carnaval com outros olhos. Antes era tudo expontâneo. Penso que foi depois da Independência que, primeiro o delegado do Governo e depois as sucessivas Câmaras Municipais, começaram a apoiar. No meu caso, o maior apoio que recebi quando comecei a assumir o Carnaval era 20 mil escudos, mais ao menos na década de ’75 a ’79. As Câmaras Municipais têm tentado organizar e ajudar a melhorar o Carnaval desta ilha. Às vezes penso que não fazem mais por culpa dos próprios grupos. Digo isto porque entendo que devíamos ser mais unidos e ir discutir os nossos direitos com o poder local. Mas não temos esta união para fazer uma discussão série deste assunto, antes de exigir da CMSV.
MI: Hoje há quem diga que o Carnaval de São Vicente atingiu um nível tal que a responsabilidade já não pode ser assumida apenas pela Câmara Municipal de S.Vicente. Concorda com este discurso de alguns grupos?
LF: Concordo, mas, se não estamos a conseguir sequer organizar a nível do município, que dizer a nível do Governo. Acredito que isso só vai acontecer no dia em que os presidentes sentarem para discutir o Carnaval descomplexadamente. Penso que a Liga Independente dos Grupos Oficias do Carnaval de São Vicente (Ligoc) podia ter assumido este papel, mas acontece que nasceu com problemas. E isso porque os interesses não são comuns. Não se discute verdadeiramente o interesse dos grupos. As pessoas sabem que não deixo nada passar. Mas o que tenho de rebeldia, também tenho de humildade. A minha discordância em relação a Liga é justificada.
“Queremos vencer pela qualidade”
MI: Concorda então que esta rivalidade e divisionismo a que se refere só prejudica o Carnaval de São Vicente?
LF: É claro que prejudica. Não é nada benéfico para o Carnaval. Para se ter uma ideia, este ano o Vindos do Oriente vai desfilar apenas porque resolvi silenciar-me. No ano passado fiquei muito triste porque, a meu ver, menos um é sempre menos um, principalmente quando se fala de um grupo com o historial do VO. Somos um grupo que puxa pelo Carnaval porque não gostamos de perder. Vejo isso como uma disputa saudável. Mas queremos vencer pela qualidade. Isso nos obriga a esforçar sempre mais e a ter mais cuidado. Por causa disso, estive relutante em voltar, mas neste momento tenho uma filha muito ferrenha, a Cely, enquanto eu e a Josina estamos mais desgostosas com o desenrolar das coisas. Queremos desistir porque, além de nos prejudicar financeiramente, já não tenho muita saúde para esta pressão. O meu marido, que sempre me apoiou, também está limitado. Mesmo assim continua sendo a nossa fortaleza. Todos os dias às 7 horas da manhã já está nos estaleiros. E agora a minha neta começa a demonstrar este mesmo amor pelo Carnaval. Mas ela vai ter agora de entender com a sua mãe porque vou ter de parar impreterivelmente. Outras pessoas vão ter de assumir o grupo, mas não será a mesma coisa. As pessoas não imaginam as loucuras que fazemos na minha casa para colocar o VO na rua.
MI: É por isso que, não obstante as ameaças, todos os anos coloca o VO na rua?
LF: Gosto do Carnaval, sim, aliás no ano passado sequer sai de casa para ver os desfiles. Mas neste momento estou a fazer isso mais pela Cely. Sempre que falo em desistir ela começa a chorar e recusa falar comigo, dizendo que todos os anos venho com a mesma lenga-lenga. Este ano, por exemplo, tive de chamar Cely à razão, mostrando-lhe que está com mais responsabilidades para assumir o peso de colocar o VO na rua. Lembrei-lhe que este é um desafio enorme, mas ela não abre mão. Voltei também porque acho que o nosso grupo fez falta no ano passado e, o mais caricato, é que não havia nada a nos impedir de sair. A nossa decisão de ficar de fora foi fundamentalmente para mostrar que a Ligoc não estava de boa saúde e para mostrar a nossa discordância perante algumas decisões que estavam a ser tomadas. Hoje as pessoas aqui fora começam a nos dar razão. Aliás, vi agora a pouco na internet algumas pessoas a pedir informações sobre a data e hora do desfile e a perguntar se, de facto, os rumores de desfile noturno se confirmam. No meu caso, digo apenas que não sei de nada porque até agora não fizemos nenhuma reunião. Não é justo.
MI: Está a querer dizer que a Ligoc ainda não fez nenhuma reunião com os grupos para deliberar sobre o Carnaval 2020?
LF: É um facto. Ainda não fizemos nenhuma reunião. No nosso caso, o VO está a preparar o seu Carnaval. Sei que antes fizeram reuniões em que não estivemos presentes. Fomos afastados da Comissão Deliberativa sem sermos informados. Não há documentos e nem processos relativos a isso. Felizmente a CMSV reuniu com o VO para que fossem tomadas algumas decisões, inclusive validando a nossa saída.
“Não posso continuar a tirar dinheiro do meu bolso para meter no grupo“
MI: Hoje S. Vicente tem um outro Carnaval, com os grupos a preocuparem cada vez mais em apresentar um produto de qualidade…
LF: Isto para mim é preocupante. Sou um dos presidentes e, por este motivo, fiz um interregno no Carnaval. Na altura, alertei a então presidente da CMSV, Isaura Gomes, para o facto do Carnaval de S. Vicente ter atingido um nível tão elevado e, por causa disso, o risco de despencar no precipício também seria maior. Às vezes falo claro e as pessoas ficam zangadas. Foi isso que aconteceu na altura. Alguns colegas e a própria presidente da CMSV zangaram-se comigo. Por isso decidi afastar-me e tivemos alguns anos sem carnaval. O retorno aconteceu por intermédio do Djibla, que começou a fazer carnaval d’rua, com casamentos encenados. As pessoas voltaram a pegar o gosto. Mas é preciso ter muito cuidado porque onde estamos, ou seja o nível a que chegamos, alguém tem que chegar à frente e responsabilizar-se.
M: Responsabilizar em que sentido, concretamente?
L: Estou a referir principalmente em termos financeiros. Isto porque já não dá para recuar, mas é preciso algum suporte para garantir a sua sustentabilidade. Se os governos Central e Local não adoptarem uma outra atitude em relação ao Carnaval vamos chegar a um ponto de estrangulamento em que, no meu caso por exemplo, serei obrigada a desistir. Já colocamos o VO em um patamar que é insustentável sem um suporte firme. Não posso continuar a tirar dinheiro do meu bolso para meter no grupo. É inaceitável.
Temos outros grupos que, possivelmente, não terão força para conseguirem manter os níveis de exigência. Ninguém, nesta altura, quer ser desvalorizado por falta de qualidade. Hoje temos um carnaval que é uma indústria. E é pena parar, mas está perigoso. Os poderes locais e central têm de investir seriamente porque o nosso carnaval se transformou num produto turístico de elevado valor. No meu caso, faço um esforço titânico porque vejo o Carnaval como uma bandeira de S. Vicente. Já ajudei muito, mas está insuportável continuar a injectar e a aguentar esse custo.
MI: Então que futuro prevê para o Carnaval de S. Vicente?
LF: É aqui que deveria entrar a Liga, que vai ter de impor regras. Fica quem merecer e as verbas confiadas aos grupos devem ser controladas. Se criamos uma indústria, o Estado tem de apoiar, mas tem de fiscalizar o uso desta verba que é pública. Entendo que neste momento isto tem estado a falhar. Temos de ter uma fiscalização séria, que não confia apenas em facturas avulsas apresentadas. É preciso acompanhar o andamento dos trabalhos e conferir os investimentos que são feitos para testar onde as verbas estão a ser aplicadas. Isso leva a que também os grupos pensem onde devem gastar o dinheiro que lhes é atribuído. Quase que estamos a transformar-nos em empregadores do Estado de Cabo Verde, então temos responsabilidades. Somos merecedores da confiança para receber a verba, mas temos de prestar conta.
“Os hotéis não aceitam sequer abater o preço para os grupos”
MI: É um facto que o Carnaval é hoje um produto turístico. Então, não deve ser cobrado ao sector económico/empresarial investir nesta festa, tendo em conta o retorno, com hotéis lotados, rent-a-car esgotados, restaurantes, etc.?
LF: Concordo. E vou apontar apenas um exemplo que nos deixa revoltados com esta situação. No caso do VO, às vezes encontramos artistas e personalidades, através de contactos próprios, que queremos trazer para o Carnaval. Aceitam abdicar do cachê, pedindo apenas estadia e alimentação. Somos obrigados a procurar e pagar hotéis, que estão lotados de gente que vem assistir o nosso Carnaval, mas não aceitam sequer fazer um abatimento no preço. Não usufruímos de nenhum privilégio nesses hotéis, que são os grandes beneficiados desta festa. Este é um trabalho que devia ser feito pela Liga junto destes empreendimentos, para tentar envolve+ê-los e sensibilizá-los para arcarem pelo menos com parte dos custos do Carnaval de São Vicente.
Por isso digo que a Liga é necessária, sobretudo para envolver a sociedade. Agora, quando disse que estávamos a arrancar com uma Liga sem pensar e sem aprofundar, alegaram que ela poderia se ajustar posteriormente. Não concordei porque entendi que este é um processo que devia merecer cuidado. Imagina, hoje temos uma Liga sem sede e sem um endereço. Os contactos só podem ser feito através de emails. Mas e se eu não tiver email? Chamei atenção para tudo isso. A meu ver, tínhamos de criar as bases antes de termos uma Liga propriamente dita. Mas aqui responsabilizo a autarquia que atribuiu poderes a uma estrutura inexistente. Entendo que a Liga deveria ser criada, os seus corpos sociais eleitos, mas a Vereadora da Cultura e a Secretaria Municipal manteriam o controlo pelo menos na primeira fase, até que estivesse preparada para assumir a responsabilidade. Estamos a falar de uma festa com uma história, que não devia ser entregue ao desbarato. Sabemos que ninguém quer trabalhar sem um ordenado e, neste momento, a Liga sequer consegue pagar o salário de um secretário. É por isso que digo que a Liga nasceu já atrofiada.
MI: Com a Ligoc criada, o que se deve fazer para melhorar o seu funcionamento?
LF: Penso que se deveria, primeiro, assumir frontalmente que a Ligoc não funciona. Sabemos que já existe e que representa um grande passo. Então temos de corrigir o que está errado. O problema é que algumas pessoas se sentem “o rei da cocada preta”, mandam e desmandam, perante a passividade geral. Volto a repetir, o Carnaval está a porta e não reunimos nem uma única vez. Se não fosse pela CMSV, que neste momento está limitada e com receio de suplantar a Liga, não sei o que seria do Carnaval. Infelizmente, a Liga também não tem força por falta de meios financeiros. É por causa desta situação que apelo as pessoas para sentarmos à mesa para discutir, sem afugentar ninguém, o que não acontece por pura birra.
Carnaval do povo
MI: Há quem diga que os maiores financiadores do Carnaval de São Vicente são os saovicentinos, que disponibilizam, mesmo parcos recursos, para custear as roupas, trabalham afincadamente nos estaleiros, vão aos ensaios todos os dias …
LF: É por isso mesmo que digo que estou preocupada quando dizem que o nosso Carnaval já está num outro nível, ou seja, industrializado e turístico, e desvalorizam as pessoas. Temos de estar conscientes de que quem faz o carnaval é o povo. O maior erro da Liga é tomar decisões sem ouvir o povo de São Vicente. Quando comecei a brigar e a exigir da Liga, as pessoas argumentaram que o VO esteve na sua génese. Mas não considero que estivemos lá porque não éramos ouvidos. A nossa opinião era descartada. Também não éramos convocados para as reuniões. E quando tomávamos conhecimento de alguma medida, já estava na fase de decisão, pelo que iam logo para a votação. Esta era sempre quatro contra um. Então o nosso voto era sempre nulo.
MI: Admite então que o Carnaval é feito pelos mindelenses? Veja o exemplo dos Mandingas …
LF: Por isso que eu digo que estou preocupada porque sou do tempo em que as mães criavam porcos para poderem vestir dois ou três filhos no Carnaval. São essas mães que fazem esta festa. No entanto, ouvi pessoas dizerem que não vão se preocupar com o povo porque o Carnaval já atingiu um nível superior. Foi por causa disso que bati a mão na mesa e abandonei a sala, para ver se o bom-senso imperava. E o povo começa a perceber que alguma coisa está errada. Felizmente, tive conhecimento de algumas pessoas que vão entrar agora na Liga e que são capazes de fazer um bom trabalho. Mas o meu apelo é para se ter na Ligoc um vereador da Cultura e um Secretário da CMSV para, juntos, fazerem uma associação merecedora. E que o povo seja ouvido sempre. Temos um carnaval original e tradicional não vamos aventurar importante estilos de fora.
Por exemplo, estão a falar em desfiles nocturnos por puro capricho. Não concordo. Podemos sim começar os desfiles no período de tarde e prolongar até o inicio da noite, como sempre foi. Também não me satisfaz a actual trajectória. Nasci e encontrei o Carnaval a passar por todas as principais ruas da cidade, com entrada e saída na avenida Fernando Ferreira Fortes. É uma rua larga e com várias saídas, o que evita o congestionamento no Largo do Pássaro. Fizemos alterações sem testar primeiro e agora o orgulho não deixa reconhecer o erro. Este é o principal problema em Cabo Verde. E podem contar que vão manter o trajecto apenas porque sou contra.
M: E quanto a questão das duas voltas no ‘sambodrôme’?
L: Nunca tivemos duas voltas. Só que agora temos apenas três quartos de volta porque o desfile começa na Drogaria do Leão e termina na rua Cristiano Sena Barcelos. A rua mais bonita do Mindelo, que permite os grupos alongar e ser em apreciados foi banida, que é a 05 de Julho. É a rua em que o som propaga sem cortes, os foliões desfilem sem preocupação com os carros alegóricos e as fotografias ficam cheias, sobretudo quando tiradas com drône. Foi tirada do percurso por capricho.
“O VO tem medo é de si mesmo porque estamos a defender o nosso nome”
MI: Este ano são cinco grupos oficiais. Qual a sua expectativa?
LF: Espero um bom Carnaval, mas ainda não sei porque há muitas coisas que já deveriam estar sobre a mesa. Creio que ninguém vai ficar para trás. Eu tento sempre fazer o melhor. Custa-me dar o primeiro passo mas, quando decido, agora tenho de me empenhar. A minha luta para elevar o Carnaval de S. Vicente foi depois que ouvi uma declaração de um governante que disse que o melhor Carnaval de Cabo Verde é o de S. Nicolau. Nada contra, mas eu tenho orgulho naquilo que fazemos em S. Vicente. Senti-me revoltada e decidi trabalhar para mostrar que o nosso é melhor. Fui mais um que quis trabalhar para colocar o nosso Carnaval no lugar que merece. Digo sempre que o VO tem medo é de si mesmo porque estamos a defender o nosso nome. A população nos exige todos os anos um grande carnaval. Muito antes dos desfile as pessoas começam a me dizer ‘ano passado estiveram bonitos, mas este ano têm de se apresentar para matar’. É uma responsabilidade.
MI: Fala em parar. Acha que Cely está preparada para assumir o VO?
LF: Está preparadíssima e isso me tranquiliza muito, embora eu saiba que ela não tem muito tempo para se ocupar do grupo. Nesta altura era para eu estar na minha casa a relaxar-me. Aliás a minha saude já não permite este stress. Felizmente neste momento temos um grande apoio de um jovem, que é o seu braço direito. Ele alivia a Cely na nossa empresa. No VO também temos um grupo-suporte muito forte. VO procura ser uma família envolvendo as pessoas com as quais trabalhamos para que possam amar e defender o grupo. Orgulhamos do trabalho que está a ser feito nos nossos estaleiros, sob a direcção do Noya, que é perfeccionista. O Noya, junto com o Manu Rasta, deram uma grande volta no Carnaval de São Vicente.