O baterista cabo-verdiano “Blimundo” está de volta após 17 anos “sem música e sem amigos” devido a problemas de saúde, pessoal e familiar. O artista mostra-se pronto para encarar qualquer desafio, tal como no passado. Radicado em Portugal, onde já atuou nas mais conceituadas salas de espetáculos e discotecas, José Manuel da Conceição Lopes, nome de registo, passou por diversas dificuldades e tenta reerguer-se aos poucos. Atualmente tem sido alvo de homenagens nas redes sociais por parte de algumas personalidades ligadas à música que o tentam incentivar, com destaque para Any Delgado, especialista em história da música e da vida dos artistas cabo-verdianos.
Por: João A. do Rosário
Muito conhecido nos anos 80 na Ilha de S. Vicente, onde nasceu e fez parte dos principais conjuntos musicais da época, José Manuel da Conceição Lopes “Blimundo” revela que, para esse regresso gradual, tem contado com a ajuda de Heloísa Monteiro, através dos projectos “Voz di Terra” e “Lira com Morna”, este último em parceria com Paula Torres Carvalho. Este baterista acrescenta que vinha participando no projecto “Guentes dy Rincon”, desde há algum tempo, em parceria com os artistas Santos Cabral, Adérito Pontes e Zé António. Blimundo fez saber que neste regresso gradual tem contado igualmente com a confiança e o estender de mãos de Zezé Barbosa, Adérito Pontes, Paula Torres e Charles Mourão.
Devido a situação sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, como explica Blimundo, todos os espetáculos previstos ao nível desses projectos foram cancelados mas, enquanto isto, vão ensaiando ao ar livre com as devidas distâncias físicas.
17 anos sem música
Quanto à sua paragem na música por um período de 17 anos, explica Blimundo, teve a ver com o facto de uma discoteca onde trabalhava ter encerrado as portas. Como não encontrava trabalho na música foi procurar a sua sorte nas obras de construção civil. Foi durante esta labuta sem a protecção adequada que acabou por contrair uma infecção respiratória e pulmonar, ficando muito doente e dependente de antibióticos.
“Fiquei muito frágil por causa dos antibióticos, estive 17 anos sem amigos e sem música, mas não me faltou o essencial para criar a minha filha”, sublinha o baterista, que já esteve ao lado de destacados músicos cabo-verdianos como Cesária Évora, Bana, Tito Paris, Vasco Martins, Dany Mariano, Vlú, Dudu Araújo, Celina Pereira, Armando Tito, Lúcio Vieira, Voginha, Biús, Jorge Humberto, Laugino, Cocthi , Titina Rodrigues, Nataniel Simas, Humberto Ramos, Toy Vieira, entre muitos outros.
Depois de “tudo” ter acontecido com ele, Blimundo confidenciou ao Mindelinsite que se optou pelo isolamento. Para complicar ainda mais as coisas, a mulher com a qual teve a única filha veio a falecer em 2012, após sofrer de doença prolongada.
Acompanhar Cize e Bana nos momentos altos
Blimundo regozija-se com o facto de ter gravado com a Cesária Évora, “a rainha”, como disse, num disco que contou com o patrocínio da OMCV e a direcção musical do instrumentista Luís Morais. “O disco mulheres de Cabo Verde continha, para além de Cesária Évora, as vozes da Zenaida Chantre, Celina Pereira e Ana Marta. Foram acompanhadas, para além da minha pessoa, do Luís Morais, Dany Silva, Armando Tito, Renato Júnior e Paulino Vieira”, informa o músico.
O artista conta com alguma nostalgia que foi o baterista de serviço, na primeira edição do festival Baia das Gatas, onde fez parte do grupo “Gota d’Àga”, a banda de suporte que fez a abertura e o encerramento do evento. Nesse certame chegou a tocar com todos os músicos que não levaram percussionista, inclusive o Dany Mariano e o Vlú, Zeca de nha Reinalda e Zequinha Magra.
Relembra ainda a sua vinda para Portugal para gravar com o compositor Vlú o disco “Hey Morena”, um momento envolto em algumas peripécias. Como relembra, vieram de barco, no navio a motor Elsie, com base num acordo entre o armador sr. Alberto e Vlú, numa viagem que durou 10 dias entre S. Vicente, São Nicolau, ilha do Sal e Lisboa. Recorda que foram aventurar dando umas voltas pelo Sal e que no regresso, como não aparecia um carro para os levar de volta para o porto da Palmeira, tiveram um grande atraso. Só conseguiram chegar quando faltavam apenas 3 minutos para o navio zarpar rumo a Lisboa. “Foi por um triz”, diz, rindo-se da situação.
Chegado e cumprido o objectivo que o trouxe a Portugal que foi a gravação do disco do Vlú – juntamente com Vasco Martins, Lúcio Vieira, Renato Júnior e o Amanhã – foi convidado por Bana a ficar como elemento da banda do restaurante e discoteca “Monte Cara”. Espaço onde acompanhou vários cantores que ali atuavam. Posteriormente seguiu outros caminhos em parceria com Zéze Barbosa e Manuel de Candinho, que o levaram para a antiga discoteca Lontra para substituir o falecido baterista “Cabanga”, do antigo Voz de Cabo Verde.
Para Blimundo, uma das coisas melhores que também aconteceu na sua carreira foi o de ter acompanhado o “ilustre” Bana, numa altura em que tocava com Zé Brazão, ex-tecladista do grupo Tubarões.
Origem da alcunha “Blimundo”
A sua infância e juventude foram divididas entre S, Vicente, sua ilha natal, e a do Sal, onde conheceu o já falecido Carlos Castro – guitarrista, compositor e o seu melhor amigo. Juntamente com outros colegas na ilha do Sal começaram a dar os primeiros passos na música. Aliás, disse que foi Carlos Castro quem lhe colocou a alcunha de “Blimundo” devido a paixão que tinha por uma música com este título gravado pelo grupo “The Kings” e abria sempre os bailes populares. O artista confessa que gostava da música, mas não da alcunha. Hoje diz com orgulho que esse nominho vai acompanha-lo até o fim da vida.
O baixo era o seu instrumento de eleição, mas no Sal viu a bateria e achou-o um instrumento interessante. Começou a apanhar o gosto e seguiu em frente. De regresso a S.Vicente, acompanhou artistas como Djack Monteiro e Malaquias e participou na fundação do grupo Gaiatos, integrado por músicos como Tito Paris, Bau, Dudu Araújo, depois Djuna, Biús, Pirilass e Jean-Pierre. Passou depois por vários projectos como o grupo Granada das FARP, os Wings, Kings, e o Gota d’Ága, a par do Vasco Martins, Lúcio Vieira, Voginha e Tony Miranda – o tal grupo da Galeria Nhô Djunga.
Blimundo considera que a música que tem no sangue talvez tenha proveniência do falecido pai, um homem do Carnaval mindelense, mais conhecido por Sherif.