O grupo carnavalesco Monte Sossego revalidou o título do Carnaval Mindelo 2024 com uma diferença de apenas oito décimas para o segundo classificado, o Cruzeiros do Norte, acirrando ainda mais os ânimos, que já estavam exaltados com o empate atribuído às quatro rainhas de bateria – que colocaram o cheque no chão como se devolvessem o prémio à Ligoc – e a partilha de Melhor Música entre Constantino Cardoso (Genética.cv) e Edson Oliveira (Dona Matemática). Polémica a parte, o presidente do Montsu considera que o seu grupo alcançou a “glória” com um desfile organizado e harmonioso, em suma, apoteótico.
Numa reação ainda a quente logo após levantar o troféu, António “Patcha” Duarte disse sentir-se extremamente orgulhoso pelo seu grupo ter alcançado a glória, após fazer um desfile “apoteótico” pelas sete ruas de morada. “Se em 2023 fizemos a maior largada do Carnaval de todos os tempos, este ano conseguimos superar. Tivemos impacto junto ao público e acho que conseguimos transmitir algum carisma. O povo vibrou com o desfile do Monte Sossego, o que é um grande presságio para a vitória. Acho que o público estava a aguardar ansiosamente o desfile do Monstu, que entrou na avenida em terceiro lugar, absolutamente organizado e com uma harmonia a funcionar em pleno.”
Esta “performance irrepreensível”, prossegue Patcha, é fruto de muito trabalho e de formações sucessivas. “A nossa direção de Carnaval é constituída por pessoas que entendem de facto do metiê e o trabalho que temos vindo a fazer tem sido reconhecido. Hoje foi a glória absoluta termos tido o reconhecimento do corpo de jurado”, afirmou o presidente, que admite, no entanto que há questões que precisam ser analisadas internamente, designadamente a nível do Conselho Directivo da Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval (Ligoc) para evitar, por exemplo, a partilha de prémio ou o empate.
“Esta questão já foi debatida em sede do Conselho Directivo e com o corpo de jurados, com a presença de todas as agremiações. Infelizmente, isso não se refletiu aqui, pelo que há que ser feito algo para que situações desagradáveis como os verificados aqui sejam evitadas. Tivemos uma insatisfação coletiva das rainhas de bateria, o que fere o trabalho meritório que a Ligoc tem feito.”
Patcha mostra-se igualmente satisfeito com os prémios individuais ganhos pelos “Indios”, designadamente Melhor Música ex-aequo com Cruzeiros, Porta-bandeira (Kátia Ferreira), 1ª Dama – Monte Sossego (Neusa Matos), Rainha do Carnaval (Perly Ramos), Cavaleiro (Alan Silva) Carnavalesco (Valdir e João Brito) e Melhor Carro Alegórico (Construção da raça).
“Pelo segundo ano consecutivo tivemos o melhor carro alegórico, com a eleição agora do andor que traz Amílcar Cabral e Renato Cardoso. O nosso enredo era Genetica-cv, com subtítulo ‘Casta d’raça e esse’. Queríamos emocionar as pessoas com a construção desta Nação, desde o povoamento aos dias atuais. Retrata a construção do homem, do ser cabo-verdiano. Trouxemos uma estrutura de engenharia com as duas cabeças, duas gerações: Cabral que engendrou a luta armada pela independência, sendo ele uma figura simbólica do país, e Renato Cardoso, que é de uma geração posterior. Desapareceu precocemente, mas também contribuiu para a afirmação da Nação. O cérebro, a parte interior das duas caras, é o ser cabo-verdiano em construção.”
Cruzeiros do Norte e Flores do Mindelo indignados
Sentado mesmo ao lado do seu homólogo do Montsu, o presidente do grupo Cruzeiros do Norte recusou receber o troféu de segundo lugar e abandonou o palco da premiação na Rua de Lisboa. O dirigente também não quis prestar declarações à imprensa.
Mais tranquilo, o líder do Estrela do Mar explicou que o terceiro lugar é fruto de um trabalho intenso de seis meses, mas é um primeiro passo porque o grupo mostrou que está vivo, organizado e tem um objectivo, que quer atingir logo no próximo carnaval.
Já o grupo Flores do Mindelo, que num primeiro momento também rejeitou a classificação, o que gerou algum constrangimento, acabou por ir buscar o troféu e o cheque simbólico. Aos prantos, a directora do Carnaval, Eloisa Andrade Monteiro, admitiu estar chateada porque, garantiu, o grupo trabalhou muito em meio a dificuldades e desfilou para ganhar. “Todos os que participaram do carnaval querem ganhar. Agora o que queima é a injustiça”, desabafou.
A par das classificações das agremiação -1° Monte Sossego, 2° Cruzeiros do Norte, 3° Estrelas do Mar e 4° Flores do Mindelo – , foram atribuídos prémios individuais, sendo que a maioria foi arrebatada pelos “Índios”. As únicas excepções foram Nuno Costa, que levou o prémio de Melhor Bateria, Dany Vitória (Rei) e Jeanelle do Rosário (Segunda Dama) para a zona Norte da ilha, e Ske Évora que foi eleito pelo segundo ano consecutivo Mestre-sala do Carnaval de São Vicente. Houve ainda empate técnico entre as quatro rainhas de bateria, uma situação inédita num concurso e que provocou descontentamento.
Segundo o presidente da Ligoc, Marco Bento, este ano foi realizado um carnaval rodeado de enorme expetativa e com pouco tempo de preparação. Mesmo assim, diz, chegaram ao fim com ainda com algumas arestas por limar. “Tivemos um empate a quatro das rainhas de bateria. Entendo que as pessoas devem ver este empate como algo positivo, reflete o nível que temos no nosso carnaval. Todas as rainhas de bateria receberam a mesma pontuação. É algo incrível. Agora, temos de premiar uma, mas para isso é preciso trabalhar os critérios de desempate. Deixo por isso um apelo ao Conselho Deliberativo da Ligoc a trabalhar neste sentido para que possamos ter um único vencedor.”
Falta de critérios de desempate
Marco Bento, presidente da Liga, repete o pedido em relação à música. De acordo com este responsável, é um facto que este carnaval apresentou grandes composições, mas, diz, é preciso trabalhar de forma séria e criar os critérios de desempate por forma a se ter um vencedor. “Qualquer concurso tem de ter um vencedor. Do meu ponto de vista, todas as músicas do carnaval são dignas vencedoras, mas apenas um compositor tem de levantar o troféu e o prémio. Para isso, os critérios de desempate têm de ser anunciados aqui no palco para que as pessoas possam entender”, desabafou, lamentando a inexistência de regulamentos neste sentido.
“É um processo. Estamos a criar as condições, mas ainda nos falta algumas. Por exemplo, na atribuição do prémio ao carnavalesco também houve empate. Foi possível o desempate porque já temos os critérios, no caso alegoria e adereços. Como Monte Sossego ganhou na alegoria, o grupo levou o trofeu de Melhor Carro Alegórico. É isso que temos de fazer em relação aos demais itens avaliados”.
Satisfeito, o presidente da Câmara de São Vicente saudou os grupos pelo “belo” trabalho apresentado, com um nível excelente, muito competitivo e equilibrado. Mas, de acordo com Augusto Neves, apenas um teria de ganhar e, no caso, foi Monte Sossego. Agora é trabalhar para o próximo ano para fazer mais.