Os colaboradores da ex-TACV, actual Cabo Verde Airlines, que aderiram ao programa de desvinculação por mútuo acordo estão prontos para sair às ruas na cidade da Praia nos próximos dias e exigir o pagamento de pelo menos três meses de indemnização em atraso. A companhia aérea de bandeira, através da sua assessoria de comunicação, confirma que, devido a constrangimentos financeiros, registou um atraso no pagamento dos salários dos meses de outubro e novembro, mas garante que a situação já foi regularizada.
Este grupo de trabalhadores reclama sobretudo a falta de informação por parte da Direção dos Recursos Humanos. Em paralelo aponta a bateria à pessoa de Mário Chaves, vice-CEO da CVA, e que, dizem as nossas fontes, encontra-se “desaparecido”. “Nós, os trabalhadores da TACV e famílias, estamos desesperados e prontos para avançar com uma grande manifestação na cidade da Praia, caso não recebermos as indemnizações nos próximos dias. Prometemos levar às ruas as nossas crianças, que passam fome e são as principais afectadas por esta situação”, dizem.
Os contestatários querem que os seus salários sejam assegurados até que o processo de indemnização esteja concluído, à semelhança do que está a acontecer com o pessoal da Europa. É que, no caso das delegações de Lisboa e Paris, afirmam, os escritórios foram encerrados e os funcionários ficaram a aguardar em casa, sem prejuízo dos seus salários, até que lhes sejam pago as suas devidas indemnizações. Quanto à mudança de base para a ilha do Sal, estes não têm dúvidas de que o processo revela-se um caso de autêntica descriminação no processo de reestruturação de pessoal e desmando da Icelandair, companhia islandesa que gere a CVA, ante a passividade das autoridades cabo-verdianas.
Dispensa de “super quadros”
“Os super quadros da empresa, aqueles que somam mais de 15 anos de experiência, são bem formados e com certificados internacionais, inicialmente foram identificados pela companhia como estratégicos e relevantes para a base do Sal. No entanto, vêm sendo dispensados por falta de acordo entre as partes sobre as condições compatíveis para a mudança para a ilha do Sal”, denunciam as nossas fontes, que lembram que o custo de vida nessa ilha é pelo menos três vezes mais caro que em Santiago e São Vicente.
A companhia, dizem as nossas fontes, reconhece-lhes experiência e competência, mas não lhes ofereceu as mínimas condições para a concretização da mudança. “Foram dispensados porque a companhia negou ajustar os seus salários à realidade do Sal. Entretanto, com o mesmo dinheiro de Cabo Verde, os islandeses montaram o chamado ‘Centro de Inteligência’, contratando a peso de ouro familiares do vice-CEO, Mário Chaves, para, a partir de Lisboa, exercerem importantes cargos”, diz o referido grupo, que se augura de porta-voz dos restantes colegas. Este realça que o dinheiro de Cabo Verde anda a ser “torrado” com a contratação desses técnicos.
Para estes trabalhadores, alguém precisa dar um basta nesta situação pois, afirmam, está levando a empresa para um buraco sem fundo. Citam como exemplo do “nepotismo reinante” na empresa a contratação de Paula Chaves, esposa do vice-CEO, para assumir a direção de Qualidade – Ground Safety and Quality -, com um salário mensal de 500 contos. Esta tem ainda, revelam, a prerrogativa de passar apenas 15 dias em Cabo Verde, dispõe de 20 bilhetes de viagem na classe executiva, de entre outros benefícios. “A título comparativo, os directores nacionais gozam apenas de cinco bilhetes anuais não-transmissíveis”, elucidam.
Mais: o chamado grupo “Caos na TACV” denuncia que a CVA contratou por 600 contos/mês Paulo Gomes, primo de Paula Chaves, para assumir a direção financeira da CV Airlines, e uma amiga pessoal do casal Mário e Paula Chaves, com um salário de 500 contos para a direção de Marketing. Isto tudo sem a obrigatoriedade de estar no Sal. Esta técnica, referem, fica a tempo inteiro em Lisboa e não conhece nada de Cabo Verde para promover o turismo de stop-over.
Para as nossas fontes, não há justificação para se contratar estrangeiros pagos a peso de ouro e deixar os quadros nacionais experientes no desemprego, com a desculpa de que não há recursos para permitir um mero ajuste salarial e fazer face ao custo de vida no Sal. A situação é ainda mais caricata, dizem, porque os quadros estrangeiros podem trabalhar a partir de Lisboa, que fica a quatro horas de voo, enquanto impedem os cabo-verdianos de exercer a partir da cidade da Praia, que fica a apenas 30 minutos da ilha do Sal. “Tudo isso é feito com o aval do nosso Governo e pago do bolso dos cabo-verdianos”, indicam, aproveitando para perguntar se foi este o acordo assinado entre o Executivo e a companhia Icelandair.
Reestruturação sem critério e discriminatório
Estes trabalhadores garantem que o processo de reestruturação da TACV foi feito totalmente sem critério e de forma discriminatória. Em jeito de exemplo, citam os funcionários que não aceitaram a mudança de base por falta de condições financeiras propostas pela companhia e foram obrigados a aderir ao programa de desvinculação por mútuo acordo. “A proposta da companhia para a mudança dos funcionários considerados operacionais, isto é, aqueles que trabalham em escritório, limitou-se ao subsídio de instalação no valor de 850 mil escudos. Mesmo entre os quadros internos há discriminação e o processo não é transparente”, asseguram.
Proposta diferente, asseguram as fontes deste jornal, foi apresentado aos quadros das áreas operacionais – pilotos, assistentes de bordo e técnicos de manutenção -, cujo programa de base assegurou um ajuste salarial superior a 30%, para além do subsídio de instalação. Estas aproveitam para alertar que a Icelandair ocupa a centésima posição no ranking mundial de companhias aéreas e que deixou falir a doméstica WOW. Ou seja, concluem, a empresa não possui um currículo favorável.
CVA confirma constrangimentos financeiros
Confrontada com todos estes questionamentos, a CVA confirma que, por causa de constrangimentos financeiros “alheios à sua vontade”, registou-se um atraso no pagamento dos salários dos meses de outubro e novembro, que, entretanto, já foi regularizado. “As linhas de crédito assinadas em julho deste ano para impulsionar o desenvolvimento da companhia estão dependentes de constrangimentos burocráticos e administrativos, atrasando os pagamentos aos colaboradores”, responde.
Esta garante que os funcionários foram devidamente informados e sensibilizados para esta demora e já receberam os pagamentos dos salários em atraso. Diz ainda que a CVA está a encetar todos os esforços para desbloquear a situação junto das entidades financeiras envolvidas e assegura que as operações da companhia não estão em causa. A companhia diz estar focada em cumprir o seu plano de negócios definido até 2023, mas isso depende do financiamento contratualizado para atingir os seus objectivos.
Relativamente a contratação de familiares e amigos, a CVA considera que são questões de cariz pessoal e prefere não tecer quaisquer comentários.
Constânça de Pina