A manifestação programada para 5 de Julho em S. Vicente poderá envolver 10 mil pessoas, pelas contas do movimento cívico Sokols. A concretizar esta expectativa, o protesto irá atingir a mesma dimensão da mobilização popular de 2017, que é considerada até hoje o maior movimento de contestação em Cabo Verde na era da democracia.
Segundo Salvador Mascarenhas, os contactos com a população mindelense têm estado a decorrer “muito bem”, pelo que a sensação do Sokols é que será um evento à escala da manifestação de há dois anos na cidade do Mindelo. Isto acontece porque, diz Mascarenhas, a centralização está a atingir um nível periclitante e uma das principais vítimas desse processo é a economia do Norte, com S. Vicente à cabeça. O quadro, adianta é calamitoso, com escassez de voos e de ligações marítimas, o que tem estado a estrangular o tecido empresarial e os cidadãos mindelenses. “Se projectarmos S. Vicente para os próximos anos, com base na situação vigente, será um descalabro total”, alertou Salvador Mascarenhas esta manhã numa conferência de imprensa.
Para este activista, é ciente de que as manifestações não são a solução para os problemas sócio-económicos de S. Vicente. Para ele, a ferramenta adequada é a política, por isso, diz, terá que acontecer algo mais do que apenas os protestos populares. “A acção do Sokols é estimular a cidadania activa para que as pessoas se organizem em forças políticas e se candidatem aos órgãos do poder”, elucida, deixando, entretanto, claro que o Sokols não pretende mudar os estatutos para se transformar em partido. “Isto seria desvirtuar a nossa essência.”
O Sokols pretende mobilizar o tecido empresarial mindelense para a manifestação do dia 5 de Julho e contar inclusivamente com o contributo da Câmara de Comércio do Barlavento. Segundo Mascarenhas, alguns empresários têm apoiado a iniciativa, mas, para ele, o envolvimento da CCB está aquém do desejável. Como diz, esta instituição faz uma vez ou outra uma declaração crítica, mas que não passa disso. A seu ver, essa câmara deveria, por exemplo, levar os membros a fechar os serviços por um tempo e bloquear a arrecadação de impostos em S. Vicente, como forma de protesto. “No passado, o tecido empresarial tinha uma força incrível, reunia-se e agia perante um sistema repressivo. Hoje temos uma Câmara Municipal de costas voltadas para o povo e uma Câmara de Comércio que não se sabe onde está”, critica Salvador Mascarenhas.
Como lembra, até 1975, Mindelo era a cidade mais desenvolvida de Cabo Verde, muito por causa do papel desempenhado pela classe empresarial privada. Entretanto, lembra, as coisas mudaram com o advento da Independência e o ciclo mudou para a cidade da Praia. “Mas o que aconteceu? Será que descobriram petróleo em Santiago? Nada disso, apenas levaram tudo para a Capital. Encetaram uma centralização total e que está a atingir o nível máximo com este governo”, aponta Mascarenhas, ilustrando essa conclusão com o facto de o Primeiro-ministro ter anunciado há dias a construção de mais um hospital de referência na cidade da Praia e equipado com helicópteros, que serão usados para transportar pacientes das outras ilhas. Uma medida que, diz, revela que nem a saúde querem descentralizar. Outros exemplos dessa tendência centralizadora, acrescenta, é o Centro Olímpico e o Campus Universitário que, lembra, vão beneficiar fundamentalmente quem vive em Santiago, quando poderiam estar dispersos por outras regiões.
“Esta terra não é gerida como um arquipélago, mas sim com uma mentalidade terceiro-mundista, que gosta de ver a Capital gorda e a periferia magra”, enfatiza essa fonte.
Para Mascarenhas, outra prova do sufoco e da falta de consideração do Executivo para com S. Vicente é o facto de o Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva ter afirmado no Parlamento que não vai obrigar a CV Airlines a fazer voos internacionais para S. Vicente por decreto, apesar da pressão social. Isto, lembra, quando a TAP faz sete ligações por semana para Mindelo, sinal de que há mercado.
Aliás, Salvador Mascarenhas anunciou na conferência de imprensa que tem conhecimento que há uma companhia aérea interessada em fazer voos internacionais para S. Vicente – e até inter-ilhas -, mas cujo projecto está a ser bloqueado pelo Governo. Pedido para anunciar o nome da companhia aérea, Mascarenhas advertiu que não está autorizado a tal, mas que se trata de uma empresa constituída por emigrantes cabo-verdianos.
Questionado sobre a razão de S. Vicente ser uma “ilha esquecida”, esse activista diz que durante muitos anos evitou acreditar na teoria da conspiração, isto é, de esquemas “cozinhados” na Capital visando bloquear de forma intencional a economia mindelense. “O que hoje acho é que há um lobbie centralista, arrisco até dizer que são uma quadrilha, porque têm uma atitude criminosa para com o resto do país e própria periferia da Praia”, salienta Mascarenhas, lembrando que S. Vicente tem sido esvaziada desde a Independência da sua massa crítica, com a transferência sistemática de quadros para a cidade da Praia. Esse processo, aliado a outras medidas, prossegue, tem colocado em causa o crescimento económico da ilha.
Segundo Mascarenhas, há quem acuse o Sokols de ser contra a Praia, o que nega. Como esclarece, o propósito do movimento é combater o centralismo, ou seja, o sistema. “No tempo colonial éramos contra o colonialismo e não contra os portugueses. É a mesma lógica”, faz questão de esclarecer.
Kim-Zé Brito