SNPAC alerta o Governo para a importância da segurança na aviação e denuncia várias violações na relação entre a TACV e a LACV 

O Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil alerta o governo, em carta aberta, para a importância da segurança no rigor da aviação que, diz não é opcional, mas a base. A missiva exemplifica esta sua preocupação elencando um conjunto de ilegalidade que, no entender o SNPAC, violam os direitos dos pilotos, do Código Laboral e da Constituição da República, e pede a intervenção do Governo no sentido deste obrigar o CA da TACV a arrepiar caminho. Denuncia falta de transparência na relação entre a companhia e as Linhas Aéreas de Cabo Verde. “A aviação não perdoa improvisos”, assevera.

Na missiva, o SNPAC diz que tomou conhecimento das medidas anunciadas pelo Governo para reforçar a conectividade interilhas, em particular a aquisição de duas aeronaves ATR. O sindicato reconhece e saúda os esforços empreendidos para melhorar a mobilidade aérea nacional, fator essencial para a coesão social, o desenvolvimento económico e a integração territorial. 

Entende o SNPAC que o reforço da frota representa, sem dúvida, um avanço relevante para a consolidação de uma aviação mais eficiente e robusta. Alerta, no entanto, que é fundamental que tais medidas de políticas sejam acompanhadas da adoção de estratégias e procedimentos que respeitem, integralmente, as normas e leis que regulam a aviação civil, que garantam a segurança das operações e os direitos laborais dos profissionais afetos à companhia aérea nacional, a TACV Cabo Verde Airlines.

“Julgamos que a valorização e o respeito pelos direitos trabalhistas devem caminhar lado a lado com os investimentos feitos, visando à implementação de processos e procedimentos que respeitem os regulamentos em vigor no setor da aviação cabo-verdiana”, adverte. Neste sentido, cita algumas medidas levadas a cabo pelo Conselho de Administração da TACV, ancoradas nas políticas implementadas pelo Governo que, afirma, violam os direitos dos seus pilotos.

É esta alegada violação que levou a Direção do Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil a produzir esta carta aberta ao Governo, solicitando a retificação de alguns processos em curso, como forma de garantirmos a qualidade das operações e a salvaguarda dos direitos da classe.

“É inaceitável que, sob o pretexto de decisões políticas, se violem normas, se ignorem critérios técnicos ou se manipulem processos críticos. A aviação não perdoa improvisos. Um único desvio pode ter consequências irreversíveis e trágicas”, avisa, realçando que, segundo a ICAO, o fator humano é o elo mais sensível, pelo que se exige gestão responsável, rigor técnico e transparência absoluta. “Quando esses princípios são comprometidos, a segurança deixa de estar assegurada e a sustentabilidade da empresa entra em risco,” reforça.

Medidas implementadas pelo CA da TACV e

Entre as medidas implementadas pela direção da TACV em total desrespeito pelas normas, o SNPAC destaca as interferências indevidas e a violação de normativos em vigor. Em termos concretos, cita a intromissão do CA nas atribuições técnicas da Direção de Operações e Treinamento, desrespeitando a estrutura aprovada e comprometendo a segurança e gestão dos tripulantes, podendo aumentar o risco real para a segurança da aviação.

Aponta ainda a interferência nas competências do Departamento de Treino da tripulação. “Tal interferência representa uma violação da estrutura aprovada, comprometendo a conformidade com os regulamentos em vigor e contrariando a política de treino da TACV, conforme estabelecido no OM-D”, específica, lembrando que o responsável pelo treino é nomeado e responde perante a autoridade aeronáutica. 

O SNPAC diz, por outro lado, que tem conhecimento de que a administração da companhia contactou diretamente um centro de formação para pilotos, ATO aprovado, com o objetivo de oferecer formação de curso de instrutor TRI a determinados tripulantes, sem qualquer consulta ou coordenação com o departamento de treino. “Tal ação configura mais uma violação dos procedimentos definidos. A legislação aplicável é clara ao estipular que o processo de escolha de instrutores, promoções para funções de comandantes e outras decisões técnicas relacionadas com a formação de tripulantes são da competência e responsabilidade exclusiva do departamento de treino, que conta com o suporte do grupo de instrutores, e não do Conselho de Administração. “

Este grupo, em conjunto com a Direção de Operações de Voo, prossegue, é responsável por avaliar o desempenho técnico de cada tripulante e, com base nessa avaliação, propor eventuais promoções ou qualificações.

Violações trabalhistas e instabilidade operacional

Indo mais além, o sindicato alega que medidas contrárias ao Regulamento de Admissão e às políticas internas têm violado direitos laborais, causando instabilidade operacional, com impactos diretos na segurança de voo e no bem-estar das tripulações. Em jeito de exemplo, revela a contratação de novos pilotos para as operações com as frotas ATR, sem observância dos critérios estabelecidos no Regulamento de Admissão, o Manual Operacional e o Programa Nacional de Segurança de Aviação Civil.

O Conselho de Administração age com falta de clareza, promovendo contratações externas irregulares, desvalorizando profissionais internos, adotando critérios duvidosos e fazendo escolhas fora de processos seletivos, fragilizando assim a segurança operacional”, acusa. A este junta a contratação acima do valor aplicado na TACV, sob a justificativa questionável de futura transferência para a empresa LACV que, entende agravam ainda mais o cenário. “O argumento de que serão alocados provisoriamente à TACV e depois repassados à LACV levanta sérias dúvidas, considerando que a LACV ainda não foi certificada como companhia aérea. O processo de certificação, além de moroso, exige análise criteriosa por parte da AAC, o que, ao nosso ver, caracteriza manobras para contornar os normativos existentes”, avança. 

Sobre este particular, o SNPAC deixa claro que não se opõe à contratação de novos pilotos, reconhecendo, inclusive, a urgência e a necessidade no setor da aviação cabo-verdiana. O que se exige é simples: critérios claros, respeito pela experiência e mérito, e um processo justo e legal. Mas afirma que, o que tem testemunhado são decisões unilaterais, favorecimentos injustificados e exclusões que desvalorizam profissionais dedicados, causam desmotivação e empurram talentos para fora do país.

Argumenta, por outro lado, que esta prática é reincidente, ou seja, foi feita no passado, com consequências gravosas para a companhia TACV, designadamente o pagamento de indenizações, conforme a Ação Sumária no 02/2022, de 08 de dezembro, comprometendo não só a justiça interna, mas a segurança de todos: tripulantes e passageiros. A aviação é uma atividade regulada por uma razão inegociável, proteger vidas. E isso só é possível com o cumprimento rigoroso de todos os procedimentos, do recrutamento à formação.

Falta de transparência nas relações TACV – LACV

O sindicato questiona, por outro lado, a falta de transparência nas relações entre a TACV e a LACV. Diz que, através de notícias veiculadas na comunicação social, constatou a implementação de algumas medidas para a operacionalidade da companhia LACV, fazendo uso de recursos da TACV. “A ausência de critérios claros e de transparência na relação institucionalizada entre TACV e LACV tem gerado incertezas e ansiedade na classe, o que poderá afetar a segurança e a previsibilidade operacional”, pontua, indicado que, do seu ponto de vista, o processo viola os normativos legais em vigor em Cabo Verde, designadamente o Código Laboral e a natureza do contrato de trabalho.

Isto porque, afirma, nos termos do Código Laboral, a prestação de trabalho só pode ocorrer com base numa relação contratual, que pode ser  verbal ou escrita, mas deve necessariamente configurar uma relação de subordinação jurídica (o trabalhador está sujeito às ordens do empregador) e dependência económica (o trabalhador depende da remuneração para subsistência). No entanto, apesar das várias solicitações, o SNPACV não tem conhecimento de nenhum contrato de trabalho estabelecido entre a companhia TACV e a empresa LACV.

Violação da Constituição da República

Defende o SNPAC que a Constituição consagra, nos seus artigos 61 e seguintes e 70 os os direitos ao trabalho digno e remunerado, à segurança no trabalho, à segurança social (doença, invalidez, desemprego, acidente de trabalho, etc.) e a à proteção legal no exercício da atividade profissional. E, permitir que pilotos operem sem um vínculo formal nega esses direitos fundamentais, violando os princípios constitucionais da dignidade do trabalho e da proteção social. “O desrespeito pelos direitos dos pilotos já afetos à companhia TACV traduz-se na violação clara dos direitos consagrados na Constituição da República.”

Em termos concretos, o sindicato afirma que a ausência de vínculo formal compromete a segurança operacional, pois não há definição clara de responsabilidades, a rastreabilidade legal em caso de incidentes ou acidentes e a conformidade com as normas da Organização da Aviação Civil Internacional, da qual Cabo Verde é membro. Quanto à cessão temporária de trabalhadores entre empresas, confessa que o Código Laboral permite esta prática, sob certas condições, ou seja, desde que haja um contrato escrito entre as empresas, o trabalhador consinta expressamente, todos os direitos laborais sejam mantidos e a empresa cessionária respeite normas de segurança e condições de trabalho.

Contudo, estas condições não estão acauteladas porque a LACV não está certificada. Tudo isso leva o SNPAV a afirmar que é ilegal permitir que pilotos atuem sem vínculo formal de trabalho com a empresa para a qual operam, é ilegal a intermediação de empresas sem AOC para operações de transporte aéreo comercial. Mais: esta prática viola o Código Laboral, a Constituição e os regulamentos da AAC.

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