Reformados do BCA revoltados com transferência do Fundo de Pensões para o INPS: “É evidente a interferência do Governo no processo”

Um grupo de bancários reformados está frontalmente contra a transferência de milhões de contos do Fundo de Pensões dos trabalhadores do BCA para a gestão do Instituto Nacional de Previdência Social. O receio é que venham a perder importantes regalias adquiridas em décadas e estampadas nos Estatutos do Pessoal do Banco de Cabo Verde – como o direito a subsídio de natal e de aquisição de medicamentos sem custos – caso a ameaça venha a ser concretizada. Além disso, o grupo entende que esse montante poderá correr risco de esfumar-se se passar para as mãos do INPS, uma instituição não monetária, já que, pelos dados que dispõem, o Instituto poderá enfrentar uma crise de sobrevivência daqui a dez ou doze anos.

Segundo Manuel Conceição, a notícia sobre a transferência do Fundo chegou ao conhecimento dos trabalhadores e reformados através de uma peça publicada no jornal A Nação em Dezembro de 2018, o que é grave. “É grave o que está a acontecer porque somos os legítimos donos do fundo, e não o Governo ou o Conselho de Administração do BCA, e não fomos tidos nem ouvidos”, frisa esse bancário com seis anos na reforma, que aproveita para relembrar que o montante depositado é fruto de 35 anos de descontos mensais na folha salarial de centenas de trabalhadores.

“Estamos altamente preocupados porque se trata da nossa vida e do bolso dos 360 reformados do BCA. Não queremos adiantar valores concretos, mas esse fundo tem valores exorbitantes”, assegura Conceição. Para dar uma ideia do montante, este adianta que o dinheiro existente dava para os donos comprarem as participações da Caixa Geral do Depósito no BCA que, conforme se sabe, estão à venda. Aliás, esta fonte vai mais além e afirma que os beneficiários do Fundo – neste caso ex-trabalhores do Banco Nacional Ultramarino, técnicos do BCV e parte dos bancários do BCA – poderiam até ser donos do BCA se lhes fosse permitido aplicar esse valor na compra das acções.

É todo esse montante que um núcleo dos reformados está a tentar salvaguardar, juntamente com uma série de benesses que, dizem, são de longe superiores às aplicadas pelo INPS. A luta é impedir que o dinheiro passe para o poder da Previdência Social e que, por arrastamento, seja usado pelo Governo quando bem quiser. Em conversa exclusiva com Mindel Insite, Manuel Conceição deixa perceber que, na sua opinião, a estratégia do Palácio da Várzea será arranjar forma de alimentar o Fundo Soberano com o dinheiro dos reformados bancários. Adicionalmente, o INPS poderia ganhar mais liquidez para reforçar a sua posição acionista na Caixa Económica.

Para Manuel Conceição, está mais que evidente a interferência do Governo nesse processo, como se fosse dono legítimo do fundo. Por aquilo que sabe, e que vem expressa numa carta entregue aos jornalistas em conferência de imprensa, houve encontros entre o Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva, o administrador do BCV, o vice-Primeiro-ministro Olavo Correia e responsáveis do BCA e do banco Interatlântico, com o envolvimento ainda do INPS e do STIF, sindicato dos trabalhadores do sector financeiro. Só que, diz, o STIF tem tido um papel passivo, um mero canal de transmissão de informações. Foi inclusivamente através do sindicato que ficaram a saber que o Fundo de Pensões passará para a gestão do INPS.

A intenção do núcleo dinamizador da comissão dos reformados do BCA, que deve incorporar elementos não afectos ao sindicato STIF, é discutir pacificamente o dossier com a administração do BCA, o BCV e outros intervenientes. Mas, pelo meio vai deixando claro que o dinheiro é dos reformados e que qualquer beneficiário pode individualmente pedir a devolução dos montantes a que tem direito. “Queremos falar como um colectivo, mas podemos também agir de modo individual”, frisa Conceição. Como diz, pretendem esgotar todos os canais internos, inclusive os tribunais, se for preciso, e não descartam a possibilidade de recorrer a organismos internacionais.

A pretensão dos reformados é que o Fundo de Pensões fique sob a dependência do BCV, a instituição monetária e reguladora do sistema financeiro, mas nunca no INPS.

KzB

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