Receptadores em prisão preventiva: Familiares protestam na porta do Tribunal de São Vicente

Os familiares de um grupo de pessoas colocadas em prisão preventiva pelo juiz Antero Tavares, entre os quais uma mulher de 60 anos, acusadas de receptação de produtos roubados em residências no norte da Baía, concentraram-se esta manhã em frente ao Tribunal de São Vicente. Munidos de cartazes com pedidos de justiça, os manifestantes faziam muito barulho e foram dispersados pela Polícia Nacional, que apareceu em número significativo. Os manifestantes decidiram então percorrer algumas artérias da cidade do Mindelo para mostrarem o seu descontentamento por considerarem a pena efectiva de dois anos de prisão excessiva, tendo em conta que os réus são primários e os valores envolvidos são irrisórios.

À imprensa, um dos advogados dos detidos, Osvaldo “Vuca” Lopes, explicou que as pessoas estavam a manifestar porque os seus familiares estão presos e não entende as razões porque esta não é uma prática no Tribunal. “Estamos a falar de pessoas que compraram produtos usados: copos, pratos, colchões e telemóvel. Normalmente são punidas com uma multa ou pena suspensa. Desta vez o magistrado Antero Tavares resolveu aplicar-lhes dois anos de prisão. Alterou a medida de coação de Termo de Identidade e Residência para Prisão Preventiva. Mas esta alteração não aconteceu em sede de julgamento. Foi uma decisão oficiosa e um dos argumentos apresentados foi perigo de fuga. Não vejo onde está este perigo. Estamos a falar de pessoas de baixa renda. Por exemplo, temos uma senhora de 60 anos que vende pastéis. Como poderá fugir do país quando sequer possui passaporte?”

Este causídico diz estar ciente que estas pessoas cometeram o crime de receptação. Aliás, afirma, todos admitiram perante o juiz que compraram esses produtos. Mas alega que não são delitos tão graves que justifiquem a aplicação da pena de dois anos de prisão. Para Vuca, esta situação é grave, pelo que espera, ainda hoje, um posicionamento da Ordem dos Advogados de Cabo Verde e do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Isso porque, frisa, existem regras que têm a ver com o processo penal e, no caso, o juiz alterou de per si a medida de coação e não foi em sede de julgamento em que era passível a intervenção dos advogados e do Ministério Público.

“As justificações apresentadas, entre os quais perigo de fuga, não têm um mínimo de fundamento. Mas tudo isso vai ser debatido em sede de recurso. É evidente que houve uma injustiça muito grande. Cito, por exemplo, um jovem que é finalista no ex-Isecmar agora em Julho que, por comprar um telemóvel por dois mil escudos, foi conduzido para a cadeia para cumprir uma pena de dois anos. Não estamos em outros tempos. Hoje há direito de defesa do arguido e o juiz passou por cima. Usou de malabarismo para mudar a medida de coação e conseguiu mandar todos os arguidos para a cadeia, independentemente do pronunciamento da instância superior”, sustenta este advogado mindelense.

Sem querer especular, este advogado defende que esta decisão de Antero Tavares pode ter por base decisões anteriores, com igual teor, que não tiveram provimento no Tribunal da Relação. É que, segundo ele, esta instância tem vindo a deitar abaixo todas as decisões no sentido de aplicar penas efectivas de prisão. “Foi uma forma de contornar isso. Enquanto juristas, choca-nos que alguém que tenha feito a mesma formação que nós tenha este sentido de justiça. Por causa disso, todos os detidos estão em prisão preventiva e o processo sequer transitou em julgado”, refere, lembrando que o tempo legal de prisão preventiva pode ser longo inclusive, em alguns casos, ultrapassar a pena prevista para estes casos. “No mínimo, até haver uma decisão bem fundamenta para a aplicação da medida de coação, estas pessoas vão estar presas. Conseguiu-se por portas travessas cercear a sua liberdade.”

De recordar que a sentença do juiz Antero Tavares gerou tumulto no Tribunal de São Vicente no início desta semana. Os advogados de defesa e familiares entenderam que a pena aplicada era excessiva. Na altura, ao Mindelinsite, um dos advogados deixava clara o seu descontentamento. “Isto é uma arbitrariedade. Não está em causa a condenação dessas pessoas, mas a forma como as coisas se passaram – a mudança da medida de coação para prisão preventiva com uma fundamentação de duvidosa aplicação”, criticava, que lamenta o impacto desta decisão na vida dos implicados. “Como aceitar isso quando há uma denúncia de alguém que desviou 35 mil contos e aguarda o julgamento em liberdade?”, comparava.

Os condenados, refira-se, foram indicados num processo de roubo de que são protagonista oito indivíduos. Estes terão cometidos os crimes entre os meses de Agosto e Novembro de 2018, em residências no Norte da Baía das Gatas, alguns dos quais pertencentes a emigrantes. Todos os meliantes foram condenados a pensas que vão dos 11 aos dois anos de cadeia.

Constânça de Pina

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