A Ordem dos Advogados de Cabo Verde expressou hoje a sua “profunda preocupação” sobre declarações do Presidente do Supremo Tribunal que, entre outros aspectos, afirmou no programa radiofónico Café Central que há um excesso de garantias no sistema judicial cabo-verdiano, o que permite protelar indefinidamente a tramitação processual a quem tenha dinheiro. Além disso, revela a OACV, o magistrado Benfeito Mosso Ramos salientou na entrevista que, permitir a alguém percorrer todas as instâncias judiciais, significa protelar a execução das decisões, pelo que não vale a pena a justiça agir se elas não podem aplicadas em tempo.
Para a Ordem dos Advogados, o posicionamento do presidente do STJ é “extremamente grave” e contrário aos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático e da Justiça. “A OACV entende que tais declarações comprometem a confiança pública no sistema de justiça e desrespeitam os direitos constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos”, diz Júlio Martins Júnior, o Bastonário da referida ordem, acentuando que a Constituição da República garante o direito ao recurso como um mecanismo essencial para assegurar que as decisões judiciais possam ser reanalisadas e corrigidos possíveis erros.
“O recurso é um factor de racionalidade do sistema de justiça”, reforça a OACV. Refere este organismo que o sistema de recursos judiciais tem sido aperfeiçoado e que só nas ditaduras e regimes autocráticos é que os cidadãos ficam expostos e desprotegidos face ao poder esmagador do Estado.
No entender da Ordem, o Presidente do STJ acaba por negar a si próprio, já que o Supremo é sobretudo uma instância de garantias, um tribunal da cidadania. “Pelo que se fica sem perceber a crítica feita ao sistema de garantias vigente em Cabo Verde.”
Na nota, a OACV salienta que o porta-voz do STJ chegou a enfatizar que a prisão preventiva não pode ultrapassar os 36 meses e que os arguidos com recursos financeiros vão impugnando as decisões para provocar a expiração do prazo, a sua soltura e a fuga. Acerca deste ponto, a OACV salienta que a prisão preventiva é uma medida de excepção, e não uma regra, e que o prolongamento indevido da detenção de um arguido constitui uma violação dos direitos humanos.
Para o Conselho Superior da OACV, os magistrados devem sim trabalhar o limite das suas possibilidades para evitar que os prazos sejam ultrapassados. “E não é o direito ao recurso que impede o cumprimento dos prazos”, realça a nota da OACV, para a qual as declarações de Benfeito Ramos denunciam claramente um desagrado àqueles que, na defesa dos seus direitos, recorrem para os tribunais superiores, o que pode significar, no entendimento da Ordem, uma menor imparcialidade na análise dos recursos submetidos ao Supremo.