O médico-cirurgião pediátrico Gerson Pereira Lima desmistificou a ideia de que as crianças são poupadas pela Covid-19, como muita gente pensa. Pelo contrário, diz este médico cabo-verdiano, o vírus pode ser mais “grave e letal” devido a baixa imunidade fisiológica nessa faixa etária. Pereira Lima, que trabalha em dois hospitais públicos em Cuiaba, considerados referências na luta contra a COVID-19 no Brasil, não se considera um herói e enfatiza que nem seria preciso um apelo para dar o seu contributo a Cabo Verde neste momento tão difícil.
O médico Gerson Pereira Lima alertou as pessoas para não se iludirem com a ideia de que as crianças estão livres dos malefícios do coronavírus covid-19. A trabalhar no Brasil, onde se formou, esse cirurgião cabo-verdiano parte da realidade na terra do samba para sustentar a sua opinião.
“Isso não é verdade. Acabamos de perder uma criança de 7 meses para esta doença. E temos vários relatos de outros óbitos de crianças por Covid-19 aqui no Brasil e em outras partes do mundo”, indicou o médico-pediátrico. Este realçou que pode afirmar com conhecimento de causa de que as crianças podem ser vítimas fáceis para a doença. Aliás, deu conta da existência de muitas crianças contaminadas com Covid-19 no Brasil. No entanto, mostra-se satisfeito com o facto de não constituirem a população mais prevalecente nas unidades de tratamento intensivo dos hospitais onde trabalha e sequer nos atendimentos diários.
Gerson Pereira Lima disse ainda que, além de vários pacientes, muitos colegas de profissão têm sido “apanhados” pelo coronavírus. Uma informação que não surpreende, pois o Brasil é um dos países mais afectados pela pandemia, com quase 116 mil infectados e 8 mil mortos. “Deparamos com a perda de uma enfermeira por covid-19 e temos um colega cardiologista em estado grave. Infelizmente, não podemos visitar esse colega neste momento tão difícil, nem ao menos poder dar-lhe um abraço”, confidenciou o nosso entrevistado.
Ajudar Cabo Verde
Nascido em S. Vicente, Gerson Pereira afirma que segue tudo o que se passa na sua terra natal acerca da pandemia do Covid-19. O médico residente no Brasil regozijou-se com o facto de o Governo de Cabo Verde ter seguido “e bem” todas as normas da OMS, para prevenção do alastramento desta doença. “Eu vejo com bons olhos as medidas tomadas pelo governo e principalmente a responsabilidade e o respeito do povo cabo-verdiano em se proteger e proteger o seu próximo” elogia o médico, que aproveitou a ocasião para aplaudir o seu povo. Este diz, aliás, que não esperava outra coisa da população cabo-verdiana.
Questionado sobre a possibilidade de um dia ser chamado para ajudar Cabo Verde, este profissional de Saúde cabo-verdiano em Cuiaba, (Mato Grosso, Brasil) disse que nem precisaria um apelo para vir dar o seu contributo. Este diz que seria o mínimo que poderia fazer pela sua pátria.
“Eu não pensaria duas vezes. Já avisei a minha família que, se a situação em Cabo Verde sair do controlo, apesar de não querer que isso aconteça, voltarei para Cabo Verde para ajudar neste momento difícil. Não sou um herói, mas quero fazer a minha parte” , sublinhou Pereira Lima.
Gerson Pereira Lima lamentou o fato de não ter notícias dos cabo-verdianos no Brasil e notou que durante a época de faculdade eram uma grande comunidade em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Após a formação, acrescenta, cada um seguiu para regiões diferentes.
Formado em medicina, diz, aprendeu a salvar vidas e a colocar o bem-estar dos seus pacientes acima de tudo. Salienta que lida todos os dias com doenças, mas a Covid-19 deixou-lhe “preocupado e apreensivo”. Agora, além de lutar para salvar o doente, é obrigado a ter o máximo de cuidado possível para não ficar contaminado, infectar outros pacientes, os colegas e a sua própria família.
“Essa preocupação levou-me a afastar da minha casa, ir ficar em hotéis perto do hospital, formular todo um protocolo de cuidados com a minha indumentária, com o meu carro e nos contatos com outras pessoas”, realçou. Apesar de todos esses cuidados não se sente ainda seguro, pelo que decidiu enviar a esposa e os filhos menores para a Chácara do seu sogro a 1200 km de Cuiaba. Para ele, trata-se de uma situação “muito difícil”, mas lembra que teve de se preparar durante anos para momentos como estes e outros que possam surgir por serem, segundo disse, “ossos do ofício”.
Gerson Pereira na primeira pessoa
Meu nome é Gerson Victor Pereira Lima, tenho 40 anos de idade. Sou natural da ilha de São Vicente, da cidade do Mindelo. Nasci e cresci no Bairro em Chã de Alecrim. Fui criado por uma mulher guerreira, a minha avó Djena (Eugénia Pereira), que foi a minha incentivadora de excelência, a minha inspiração. Em 2000 vim para o Brasil estudar na Faculdade de Medicina. Formei-me após 6 anos na Fundação Universidade Federal do Rio Grande, em Rio Grande do Sul. Especializei-me durante dois anos em Pediatria em UTI Neonatal e Pediátrica, por mais 2 anos em São Paulo. Actuei na área por alguns anos. Após esse período de muito estudo e dedicação passei para Cirurgia Pediátrica, na capital Cuiaba, em Mato Grosso, que é uma sub-especialização de 5 anos. Hoje dedico-me exclusivamente à cirurgia pediátrica.
João A. do Rosário