O julgamento do jurista Amadeu Oliveira no dia 29 de janeiro por 14 crimes de atentado à honra dos juizes Benfeito Ramos e Fátima Coronel pode implicar o envolvimento do Presidente da República, além de magistrados do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Supremo Tribunal de Justiça. Jorge Carlos Fonseca, conforme apurou o Mindelinsite, é uma das 20 testemunhas arroladas pelo arguido, embora o próprio Amadeu Oliveira não esteja seguro da possibilidade de o mais alto magistrado da nação comparecer no tribunal da Comarca da Praia para depor.
O objectivo de Oliveira é desmontar uma parte da acusação segundo a qual ele tem estado a influenciar o Presidente da República, com base na manipulação da verdade sobre as tantas denúncias e acusações feitas pelo jurista na imprensa de alegados crimes cometidos por juízes de Comarca e do próprio STJ. O advogado de Benfeito Ramos, inclusive, revela que este juiz sentiu-se constrangido na tomada de posse da presidente do STJ, em julho de 2017, quando o Presidente da República fez alusão às acusações contidas nas mensagens que Amadeu Oliveira havia endereçada ao Chefe da Casa Civil da Presidência. Na sua intervenção, Jorge Carlos Fonseca disse que, para se assegurar o respeito e alta credibilidade de que gozam os magistrados de Cabo Verde, não se pode deixar que denúncias e queixas apresentadas pelos cidadãos contra um magistrado caiam em saco roto. O PR instou o Conselho da Magistratura a agir e tornar pública a sua posição sobre as acusações de Oliveira e defender a honra da justiça. Essa mensagem terá deixado Mosso Ramos constrangido, por ser um dos principais visados das denúncias.
“Espero que essas entidades não venham negar a depor, como já aconteceu com o presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, que recusou colaborar com a Procuradoria da República na fase de instrução processual. Entretanto, o MP nada fez para o obrigar a respeitar a lei”, comenta Oliveira, que quer levar, no entanto, Bernardino Delgado e a presidente do STJ, Fátima Coronel, assim como o próprio Procurador-Geral da República, a testemunhar no processo, cujo julgamento começa daqui a nove dias, na cidade da Praia. Para ele, é fundamental confrontar esses altos responsáveis do sistema judicial nesta audiência que, pelas contas do jurista, deve arrastar-se por meses.
Depois de tanto pedir para ser levado às barras do Tribunal por causa da gravidade das suas palavras, Amadeu Oliveira está ciente do risco que agora corre: ser condenado a uma pena não inferior a seis anos de prisão efectiva, por cúmulo jurídico. Apesar disso, mostra-se disposto a pagar esse preço. Aliás, como ele mesmo admite, as acusações públicas que fez contra os juízes são tão graves que, se não conseguir provar as mesmas, o único caminho que resta à justiça é enfia-lo atrás das grades. “Eu próprio não iria aceitar outra pena.”
Se o resultado for diferente, no enteanto, Oliveira diz esperar que sejam tiradas as devidas ilações e instituída a inspecção aos actos dos juízes. Como elucida, nunca o STJ foi inspecionado desde a Independência de Cabo Verde, “pese embora os indícios dos graves crimes cometidos nessa casa”. A seu ver, isto aconteceu porque não há vontade política para se controlar a actuação dos magistrados do STJ. “Está fora de questão da minha parte fazer um pedido de reparação por eventuais danos porque, que fique bem claro, não se trata de uma luta por dinheiro, mas em prol da justiça”, assegura esse jurista que confessa estar preocupado com a forma como o seu caso foi instruído – “cheio de fraudes”.
Esta não é a primeira vez que Amadeu Oliveira enfrenta a justiça. Já sentou no banco dos réus nos tribunais do Sal e de S. Vicente, tendo sido inclusive condenado no primeiro caso, referente a um crime de injúria contra o juiz Ary Santos. Recorreu, mas, como diz, todos os documentos relactivos a esse processo desapareceram até hoje, pelo que a sentença ficou sem efeito. “Solicitei a repetição do julgamento, mas a juíza presidente do STJ não fez nada nesse sentido.”
Parece evidente que Amadeu Oliveira quer colocar-se na posição de mártir por uma causa. Para ele, apanhar seis anos de cadeia não é nada comparativamente aos sucessos que alcançou até o momento: a soltura de 11 arguidos condenados pela Comarca da R. Grande Santo Antão por supostos crimes de abuso sexual e homicídio. O último arguido solto foi Arlindo Teixeira, um emigrante acusado de matar um homem com uma facada, e que saiu em liberdade por ordens do Tribunal Constitucional, em Abril de 2018.
Por causa desses casos, Oliveira abriu uma frente de batalha contra o sistema judicial, tendo apontado a sua bateria ao peito do juiz Afonso Delgado, em Santo Antão, e dos magistrados do Supremo Tribunal de Justiça Benfeito Ramos, Fátima Coronel e Sara Boal. Sem papa na língua, o jurista lançou uma série de ataques directos a esses visados através de emails e da imprensa, não se coagindo de os chamar de “corja” de juristas de “má-consciência” e de “péssima deformação profissional”. O denunciante vai mais longe a ponto de acusar esses juízes desembargadores de instalar um sistema de “crime organizado” dentro do próprio Supremo Tribunal de Justiça e que passava pela manipulação de provas e de prazos processuais. Situação que, na sua perspectiva, acabou por afectar directamente os tais onze arguidos de Santo Antão.
Perante a sua insistente actuação, e com base nas tantas cartas ofensivas que divulgou, os visados agiram, o MP instaurou um processo e acusou Oliveira de 14 crimes de calúnia e injúria contra Benfeito Mosso Ramos e Fátima Coronel, além da incitação ao cometimento de delitos.
Kim-Zé Brito