A professora-doutora brasileira Marialva Barbosa desafiou os estudantes de jornalismo e os profissionais da imprensa na ativa, muitos deles seus antigos alunos de jornalismo no Brasil, a explorarem o pensamento filosófico africano, ou melhor, a gnose africana. A investigadora lançou este repto no quadro da conferência que proferiu ontem na Universidade de Cabo Verde no Mindelo intitulada “Tempo de Jornalismo: O século XXI, Tempo/Templo das fake news”
Foram mais de duas horas de conversa onde várias questões foram levantadas, com ênfase para a forma como se vive o tempo do ponto de vista de outros pensamentos, na perspectiva do pensamento africano. Ou seja, das contribuições africanas, o modo de conhecer dos povos originários e que contraria a existência dominada pelas múltiplas ocidentalizações. Isto porque, segundo a investigadora, há neste momento no Brasil uma recusa em considerar só o pensamento dominante
“Queremos ver outros pensamentos, designadamente o africano, a gnose africana, os modos de conhecer dos povos originários que nada tem a ver com a colonização que nos foi imposta pela Europa, e nem aquela que está nos livros”, disse Marialva Barbosa, que se mostrou impressionada pelo facto de em Cabo Verde não se estudar o pensamento filosófico africano. “Muitos destes pensamentos, estudados na Universidade Federal do Rio de Janeiro, resultaram num texto chamado de ‘Gnose Africana Entre Tempos’, ou seja, que é o modelo de pensar da África. Este é um dos grandes projectos que estou a desenvolver com as universidades africanas. No Brasil, estes autores eram também desconhecidos, mas estão encantados e querem saber mais e entrar nesta essência do nosso ser.”
No caso concreto de Cabo Verde, afirma, é preciso conhecer mais dessa essência africana porque, diz a professora, não existiu nenhum dos quatro milhões de escravizados que foram para o Brasil durante três séculos que não tivessem passado pelo arquipélago, onde passaram por um processo de assimilação cultural e linguístico imposto pelos colonizadores (ladinizados). Esta “ausência” justifica a realização de um documentário, que intitulou “Cabo Verde, o Outro Nome da Esperança”. “A minha vinda à esta país está a ser uma das experiências mais transformadoras da minha vida porque encontrei aqui um povo resistente, sendo o maior símbolo dessa resistência o crioulo. Teimosamente, os cabo-verdianos mantiveram a sua língua-mãe. Não aceitaram se submeter.”
Relativamente à questão das ‘fake news’ (notícias falsas), um outro estudo que Marialva Barbosa está a desenvolver, em parceria com outra colega, explica que resulta da desinformação. “Hoje as crenças valem mais do que a produção de uma verdade. A verdade ou a sua presunção não têm mais valor. O que interessa é o que eu acredito e este se torna automaticamente verdade,” afirma, desafiando os jornalistas a combater as falsas notícias com seriedade e divulgarem factos baseados na ética.
Marialva Barbosa está em Cabo Verde no quadro de um projecto com com a África denominado “Comunicação: Fome uma ponte para a África”, apoiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil, o CNPq. Este envolve 14 instituições brasileiras e africanas, com prioridade para as universidades de Cabo Verde, Moçambique e Nigéria, que nesta primeira fase não foi priorizado por uma questão de logística. É professora catedrática ou titular de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Programa de Pós-graduação em Comunicação, e de mestrado e doutorado da mesma universidade.
É também professora titular de jornalismo da Universidade Federal Fluminense e está neste momento a desenvolver um conjunto de pesquisas, sendo a mais relevante a sobre as biografias improváveis dos escravizados brasileiros do século XIX.