O ministro Abraão Vicente assegurou esta manhã que a CV Inter-ilhas será sancionada com uma “coima significativa” por ter mudado de forma unilateral as ligações marítimas, sem o consentimento prévio do Governo, ao ponto de deixar a ilha de S. Nicolau desprovida de viagens de 3 a 10 de novembro e prejudicar comerciantes e passageiros da linha Fogo – Santiago. O governante, que convocou a imprensa para rebater críticas do grupo parlamentar do PAICV, não avançou o valor da coima e nem a data da sua aplicação, mas garantiu que o processo será conduzido pela Direção Nacional das Políticas do Mar.
Para o governante, esta prática da CVI fere o espírito do contrato de concessão e a empresa será contactada ainda hoje e obrigada a repor a rota com S. Nicolau, tal como aconteceu, aliás, com as deslocações entre as ilhas do Fogo e Santiago. Neste último caso, com base na proposta da CVI, os passageiros seriam obrigados a pernoitar na chamada “Ilha das Flores”, antes de chegarem ao Porto da Praia, o que aumentaria os custos e o tempo da viagem.
“O Governo demarca-se dos ruídos provocados pelas alterações criadas e feitas unilateralmente pela CVI. A programação da ilha do Fogo, que retirou ligações directas com Santiago, e as alterações que recebemos ontem à noite – que eliminam viagens até ao dia 10 para a ilha de S. Nicolau – são unilaterais da CVI, sem a devida auscultação e aprovação do Governo”, pontuou A. Vicente. O ministro do Mar adiantou que a comissão de acompanhamento do contrato de concessão analisou e chumbou no dia 28 de outubro a programação proposta pela CVI, por não cumprir o serviço mínimo contratual.
O novo plano de ligação da CVI para o mês de novembro, adianta o governante, iria afectar a normalidade das rotas Santiago – Fogo – Brava – Fogo – Santiago e Santiago – Fogo – Brava – Santiago. Segundo Vicente, a alteração proposta pela companhia vai contra o caderno de encargos da concessão e obrigava a pernoita dos passageiros na Brava, o que poderia perigar a conservação de produtos perecíveis dos comerciantes e provocar elevados prejuízos aos utentes. “Por isso interferimos e a ligação Fogo – Santiago foi imediatamente reposta”, garante o ministro. Abraão Vicente acrescenta que o Ministério do Mar recebeu a confirmação da reposição dessa linha, mas ficou a saber ontem à noite da retirada das viagens para S. Nicolau, pelo que promete agir para obrigar a CVI a normalizar também as ligações para esta ilha.
Estas decisões, a acrescentar ao facto de a CVI ter devolvido ao Estado o navio Praia d’Aguada – passando a operar apenas com os navios Tututa, Chiquinho e Liberdadi – levaram Abraão Vicente a dar indicações para aplicação da referida coima. Acresce que a companhia não pode diminuir o número de barcos – e devolver Praia d’Aguada sem contacto prévio com o Governo -, ao ponto de ficar a funcionar com apenas três, quando há unidades disponíveis que poderiam ser afretadas pela CVI e colocadas ao serviço do mercado interno.
O ministro evidência, entretanto, que o preço de afretamento dos navios Dona Tututa e Chiquinho está muito acima da média em relação ao tempo útil de vida das embarcações, que é de 15 a 20 anos. Com base nos valores aplicados pelo Grupo ETE, adianta S. Vicente, os referidos barcos iriam rentabilizar e ter o seu retorno em apenas cinco anos. Além disso, o governante chama atenção para o facto de o Grupo ETE ser dono dos navios em causa e aluga-los à CVI, empresa que faz parte do mesmo grupo empresarial português. “Quem está de boa-fé não faz um acordo do género com um parceiro como o Estado de Cabo Verde”, comenta Vicente, lembrando que ocorre neste momento uma revisão do contrato de concessão com a CVI.
“O contrato de concessão com a CVI não envolve a Enapor, a Cabnave e outros serviços do Estado. Caso a CVI provoque o término do serviço de concessão, Cabo Verde não irá ficar sem serviço marítimo. Isto significa que o Estado dará todos os passos necessários para que Dona Tututa e Chiquinho permaneçam ao serviço de Cabo Verde”, disse em bom tom.
Frisa A. Vicente que há um esforço do Governo para redesenhar o modelo do contrato e evitar a ruptura do mesmo. No entanto, havendo uma quebra do acordo, diz, nenhum navio da CVI saíra de Cabo Verde.
O ministro do Mar assegura que o Estado tem à sua disposição todos os instrumentos para atingir esse fim, sendo um deles as dívidas da CVI e do Grupo ETE com a Enapor, os estaleiros da Cabnave e outros serviços. “Ao contrário da ideia passada pelo PAICV não estamos com as mãos amarradas”, salienta Vicente, acrescentando ainda que o serviço de evacuações a partir da Brava está assegurado pelo barco Rabo d’Junco, que tem “todas as condições” e está autorizado a navegar pelo IMP.
CVI aponta défice de 422 mil contos em 3 meses
Um dos pontos bicudos no braço-de-ferro entre a CVI e o Governo consta a validação das contas apresentadas pela empresa e que apontam para uma dívida de 9 milhões de euros. O ministro voltou a afirmar que o Estado não vai pagar um tostão a mais daquilo que é devido, após a análise das contas. E hoje revelou à imprensa que a CVI remeteu dados para a prestação de contas do último trimestre e que apontam para um défice operacional de 422 mil contos. Para A. Vicente, só com uma “contabilidade criativa” será possível atingir tamanha cifra num período em que houve graves deficiências de ligação marítima entre as ilhas.
“Ninguém acredita que o défice seja de 422 mil contos nos últimos 3 meses”, afirma o governante, para quem a CVI não está a ser leal quando ocorre neste momento uma renegociação do contrato. E, perante tais sinais, o Governo, segundo A. Vicente, tem estado a preparar “cenários alternativos” caso o contrato sofra um naufrágio. Porém, evitou adiantar quaisquer informações sobre esta matéria.