Os utentes, incluindo empresas e escritórios de arquitetura que trabalham quase que diariamente com a Câmara de São Vicente, estão cansados das filas para entrega de projectos, solicitar serviços e fazer pagamentos numa altura em que, dizem, é possível fazer quase tudo através das plataformas digitais, com vantagem para ambas as partes. Pedem ainda um serviço de alerta para os pagamentos para evitar constrangimentos decorrentes de esquecimento. O vereador Rodrigo Rendall garante que o processo já está a ser desenhado, inclusive já foi apresentado um primeiro layout que está a ser aprimorado. Mas, diz, haverá sempre filas porque há expedientes que terão de ser presencial.
As longas filas à porta da CMSV afectam a todos, desde um cidadão que pretende pagar imposto a um empresário de imobiliária ou um arquiteto que precisa submeter o seu projecto para aprovação. É o caso, por exemplo, de Ana Ferreira, que garantiu ontem à reportagem do Mindelinsite estar na fila desde as 8 horas da manhã para pagar o IUP da casa da sua mãe. “É revoltante ficar tanto tempo numa fila, mesmo com a distribuição de senhas, para pagar um serviço na CMSV. Todos os dias é a mesma coisa”, desabafou esta jovem. Os mesmos sentimentos mostravam outras pessoas que se encontravam na fila para marcação de audiência ou outros serviços.
Outros há que clamam ainda por um serviço de alerta para informar as pessoas das datas de pagamentos, à semelhança do que acontece com a Electra, as seguradoras e outras empresas. “Com os afazeres do dia-a-dia, dificilmente lembramos os períodos para pagar os impostos. Sabemos que a CMSV passa aviso nas rádios, mas seria mais eficaz um alerta nos telemóveis, como fazem actualmente a CNE e tantos outras instituições, sendo que muitas vezes alguns são marketing não solicitados”, diz António Silva.
Tempo é dinheiro
Já para Hernani Santos, da empresa Sina Construções, estas filas poderiam ser reduzidas ou mesmo eliminadas com recurso às tecnologias de comunicação e informação. “Nós, os empresários da área da construção civil, quase todos os dias temos de submeter projectos impressos. O nosso caso é mais grave porque, se houver necessidade de correção, temos de imprimir os processos várias vezes. Tudo isso seria evitável se houvesse a possibilidade de fazer a entrega dos projectos em formato digital. As correções seriam feitas sem gastos adicionais e perda de tempo nas filas. Nesta altura, tempo é dinheiro. A tecnologia facilitaria as empresas e a CMSV.”
O mais caricato, diz, é que em Câmaras Municipais mais pequenas, caso por exemplo do Sal, Tarrafal de São Nicolau ou mesmo Porto Novo, muitos serviços já estão informatizados. “No Sal, por exemplo, os projectos são enviados para o Gabinete Técnico para verificação e aprovação. Se estiver tudo certo, remetemos então o dossier impresso para ser carimbado e para arquivo. É uma forma de comunicar muito mais rápida porque não implica suporte físico”, exemplifica, elogiando as CMs do país que já trabalham com softwares digitais de execução de projectos de arquitetura e estabilidade.
A situação repete-se a nível da imobiliária em que, de acordo com Hernani Santos, é impossível fazer qualquer pagamento via plataforma da CMSV, caso por exemplo do IUP, Certidão Matricial, Planta de Localização ou outro. “Tudo tem de ser feito à moda antiga, ou seja, através das filas. Não existe alternativa. A Tesouraria ou outros serviços administrativos poderiam estar já em uma plataforma que as pessoas poderiam aceder para solicitar serviços e fazer pagamentos. É também uma forma mais rápida da CMSV arrecadar receitas porque muitas vezes deixam de honrar os seus compromissos para não enfrentar as filas. É incompreensível a demora da CMSV em apostar nas novas tecnologias”, desabafa.
Falta de organização
Igual entendimento tem o administrador do Banco Cabo-verdiano de Negócios porque, diz, há a possibilidade de se fazer pagamentos através do sistema electrónico. Para Carlitos Fortes, as filas à porta da CMSV indiciam um problema de organização. “No BCN, por exemplo, neste momento recebemos faturas da Electra e outros. Em termos de tecnologia, é possível e penso que é do próprio interesse da CMSV encontrar uma solução em termos de organização e passar para serviços desmaterializados. Mas isso exige uma organização interna. É urgente estudar a organização e encontrar diferentes soluções para evitar o amontoar de pessoas na Câmara de São Vicente. Não faz sentido nesta altura”, frisa este gestor, para quem esta situação é pouco cidadã, um atentado à democracia e aos direitos dos cidadãos.
“Não faz sentido uma pessoa permanecer 3 a 4 horas em uma fila para pagar impostos. É desumano, sobretudo numa altura em que quase todos os pagamentos podem ser feitos online. É possível reorganizar o fluxograma de processo na CMSV. Agora, o que é preciso é disponibilidade e vontade”, diz este administrador executivo do BCN, que também aproveita para criticar a passividade dos cidadãos em aceitar esta situação. “Se fosse à frente de um banco, as pessoas estariam a reclamar. Mas na CMSV ninguém reclama”, pontua, lembrando que, no caso dos bancos, estes já oferecem muitos serviços através da internet. “Sabemos que nem toda a gente tem condições de aceder ao mundo virtual, mas é possível encontrar uma solução capaz de dar resposta para as situações virtual e presencial.”
Carlitos Fortes destaca o caso dos emigrantes, que poderiam fazer os seus serviços e expedientes na CMSV estando mesmo nos países de acolhimento, recorrendo às novas tecnologias. O gestor lembra que, mesmo nas férias, dificilmente conseguem fazer uma marcação porque o tempo é curto e a demanda muita. “Hoje a questão territorial é mais mental. Sabemos que muitos emigrantes não conseguem resolver os seus problemas no seu curto tempo de férias. Neste caso, se houvesse uma alternativa virtual seria óptimo. É preciso vontade. A situação como está não pode continuar.”
Modernizar, um passo obrigatório
Para o empresário Marco Bento, S. Vicente precisa começar a evoluir para algo que já é imprescindível. “Temos de enviar aviso às pessoas e estar cada vez mais conectados digitalmente. Por exemplo, no caso do IUP, a CMSV é a maior interessada em avisar as pessoas do período de pagamento e data limite. Deveria enviar um alerta eletrónico, através de SMS, das empresas de telecomunicações ou ainda de uma aplicação gerada pela Câmara”, elenca, citando como exemplo o programa Makeba como uma das opções de pagamento a ter em conta. “Conseguimos liquidar o DUC e também podemos ter um alerta integrado para se fazer pagamentos electrónico, sem precisar ficar na fila.”
Marco Bento admite que nunca apresentou nenhuma proposta à CMSV neste sentido, mas realça que o Makeba já faz pagamentos de DUC, que é muito mais abrangente. Mais: todos os pagamentos feitos nas Câmaras Municipais do país, com excepção de São Vicente, são através do DUC. “Do ponto de vista de um cidadão, acho que o maior interessado seria a CMSV porque arrecadaria mais. Neste momento, pelo menos em S. Vicente, as pessoas só se preocupam em liquidar o IUP quando precisam de algum documento. Se pudessem fazer o pagamento electrónico, isso não aconteceria porque teriam maior facilidade, sem precisar ficar na fila.”
Um dos exemplos do potencial das soluções dos aplicativos, para a resolução de problemas de filas e promover maior índices de rapidez, segurança, conforto e satisfação, é aquilo que já acontece com os pagamentos das pensões sociais aos idosos e deficientes por parte dos Correios, com recurso ao Makeba. Estas pessoas, que eram antes infoexcluídas por causa da idade ou de alguma deficiência, deixaram de ir para as filas nos Correios e passaram a receber as suas pensões nos seus telemóveis, através deste aplicativo para pagamento e transferência de dinheiro. Este sistema permite todo o tipo de notificações e guarda o registo de todas as transações realizadas, quer sejam pagamentos ou transferências.
Informatização em curso na CMSV
O vereador Rodrigo Rendall garante que o processo de informatização dos serviços da CMSV está em curso, aliás já foi apresentado o layout de uma plataforma, que está a ser aprimorada. O trabalho está a ser realizado pelos informáticos da autarquia, com apoio de um consultor, pelo que nos próximos tempos muitos serviços que hoje exigem que as pessoas se dirijam à Câmara Municipal poderão ser feitos online. “Mas continuaremos a ter a presença de muitas pessoas na CMSV pelo facto de que há coisas que terão de ser presencial”, reage quando confrontado com as filas.
É que, segundo o autarca, os mindelenses dirigem-se à CMSV por vários motivos, alguns apenas porque preferem falar directamente com o presidente ou com os vereadores, outros apenas pelo contacto visual. No caso dos arquitectos, acredita que poderão começar a fazer a entrega dos seus processos online daqui a algum tempo. “As pessoas que vêm fazer o pagamento do IUP ou do Imposto de Circulação, por exemplo, ficam menos tempo porque há uma separação de serviços. As senhas de pagamento são diferentes daquelas para marcação de audiência”, específica.
Quanto à sugestão de envio de alertas para o telemóvel, Rodrigo acredita que será uma mais-valia porque às vezes é normal esquecer os prazos. Lembra, no entanto, que tudo isso exige um investimento a nível da informática que a CMSV está a desenhar, com apoio de um consultor. “De facto, temos serviços e pagamentos que exigem que as pessoas se desloquem fisicamente à Câmara e que podem ser feitos online. Estou a falar por exemplo do pagamento do IUP, Imposto de Circulação, etc., em que as pessoas poderiam receber uma notificação com a data e valor da dívida e efectuar o pagamento, sem precisar deslocar e ficar na fila à porta da CMSV. Neste sentido, o serviço de alerta é fundamental”, diz o vereador, que se assume como um crítico nesta matéria e um utilizador das tecnologias.
O autarca Rodrigo Rendall lembra que a população de São Vicente aumentou significativamente, pelo que é preciso encontrar novas opções de forma adequada e com segurança. Porém, diz, ainda é prematuro fixar qualquer prazo para que se possa solicitar serviços e fazer pagamentos online.