Uma emigrante cabo-verdiana está a viver o drama de ter um homem doente oncológico e contaminado com covid-19 dentro de casa e sem qualquer apoio das autoridades sanitárias portuguesas. Da parte do serviço consular de Cabo Verde em Lisboa e do Instituto Nacional de Previdência Social diz que esperava um empenho mais concreto e célere devido a urgência do seu caso, mas sente-se desapontada com o resultado. Isto porque há pelo menos 10 dias que está literalmente a conviver com uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento e afectar tanto a sua vida como as de dois filhos menores, de 4 e 15 anos de idade.
Segundo esta mãe, apesar das tantas chamadas feitas para a linha Saúde24 ainda ninguém apareceu no seu apartamento na zona de Monte Abrão para ver o estado clínico do doente e fazer os testes necessários à detecção do coronavírus a si e aos filhos. No entanto, reside num prédio de nove andares e ainda os vizinhos não sabem do perigo que também possam estar a correr. “Já estamos fechados em casa há pelo menos 10 dias. Desde que detectaram que o doente está infectado que as autoridades sanitárias nos pediram para ficarmos em confinamento e que seríamos contactados. Asseguraram que iriam fazer-nos os testes e que teríamos acompanhamento psicológico. A verdade é que ainda ninguém apareceu por cá. Já telefonei várias vezes para a linha Saúde24, prometem que o Delegado da Saúde desta área vai tomar conta da ocorrência, mas tudo continua na mesma”, relata “J”.
Desesperada com a situação, essa funcionária de uma clínica privada tomou a iniciativa de contactar a Embaixada de Cabo Verde e o INPS em Portugal, já que o paciente, 52 anos, foi evacuado por este Instituto para tratamento a um cancro. “Da parte da Embaixada, a pessoa que falou comigo foi bastante simpática, mas disse-me que teria de tratar o assunto directamente com o INPS. Da parte do INPS, dizem que estão a tentar agilizar o caso. Mas cada segundo conta”, alerta a nossa fonte, que começa a perder todas as esperanças.
Neste momento, o grande receio dessa emigrante é se os filhos já contraíram o vírus. Isto porque o mais velho, que está um pouco obeso, tem dado sinais de dificuldades respiratórias e a filha mais nova tem estado doente.
O doente foi diagnosticado com covid-19 mais de um mês após desembarcar em Lisboa – depois de sentir febre, tosse e dificuldades respiratórias – e desde essa data que está confinado num quarto. Segundo “J”, costuma falar com ele por telemóvel e coloca-lhe a comida à porta do quarto e se afasta para evitar qualquer contacto. Porém, esse esforço pode ser insuficiente já que todos utilizam a única casa-de-banho da casa.
Esse doente oncológico chegou a Portugal no dia 10 de Fevereiro, quando ainda a doença não estava alastrada no país. Iniciou o tratamento e depois começou a relevar os sintomas típicos da doença, como febre, tosse, dores pelo corpo e dificuldades respiratórias. No entanto, conta “J”, o indivíduo dizia sempre que tudo isso eram efeitos do tratamento que estava a fazer. “Ele chegou a fazer um primeiro teste que deu resultado negativo. Disseram no hospital que era uma pneumonia atípica. Ficou internado uma semana, registou alguma melhoria, mas continuou a sentir dores e febre. Ele teve alta e voltou para a minha casa”, conta “J”, que recebeu o paciente na sua casa a pedido de uma irmã.
Só que o adulto continuou a sentir dificuldades respiratórias, que aumentavam quando fazia algum esforço físico. Foi numa sessão de tratamento do cancro que foi submetido a mais uma análise laboratorial, que confirmou a presença do vírus.
Enviado para casa, até hoje, segundo “J”, vive confinado num quarto e a constituir um perigo à saúde dela, dos filhos e provavelmente dos vizinhos do prédio onde mora. “J” desconhece o estado de saúde do doente, que, diz, deixou de fazer o tratamento ao cancro por estes dias.
Para poder sobreviver, a emigrante tem estado a depender da boa-vontade de um vizinho, um ex-bombeiro de S. Vicente, e de outras pessoas amigas, mas que não residem no prédio. É fundamentalmente o ex-bombeiro que vai comprar-lhe os produtos que precisa para poder ficar em casa. O certo é que “J” sente-se abandonada e vive em pânico. Há dez dias que ela não dorme e já não consegue esconder dos filhos o medo e o pânico que a invade.
Já foram diagnosticados 33 casos de covid-19 no seio da comunidade cabo-verdiana radicada em Portugal, três deles na área da Grande Lisboa, onde reside o idoso em causa. No entanto, o Embaixador Eurico Monteiro disse à RCV acreditar que o número de infectados seja superior, ele que reconheceu haver dificuldades em se conseguir dados oficiais das autoridades sanitárias portuguesas, por serem confidenciais.
Kim-Zé Brito