Os dois médicos que lideraram a equipa de saúde do Hospital Baptista de Sousa que cuidou da doente com covid-19 que esteve internada naquele estabelecimento hospitalar estão eufóricos com a cura e alta da paciente. O pneumonologista José Luís Spencer e a infectologista Risete Gomes dizem que passaram de um estado de medo, quando depararam com o exame da tomografia que mostrava a extensão da pneumonia, para “extrema euforia” e “sensação de dever cumprido” depois de 40 dias de incerteza, sobretudo porque tiveram de aprender na prática a lidar com esta doença.
Neste exclusivo ao Mindelinsite, José Luís Spencer revela que o resultado do segundo exame foi recebido com muita alegria por toda a equipa que acompanhou a paciente, desde o primeiro momento quando se confirmou a sua contaminação. “A resposta positiva foi um baque, caiu-nos de para-queda, apesar de, desde janeiro, o HBS vinha testando o seu Plano de Contingência. Na altura já tínhamos tido algumas experiências de testes e tinha aparecido alguns casos suspeitos que ficaram em isolamento cujos resultados, felizmente, foram negativos”, relata o pneumonologista.
O momento mais critico do processo, prossegue, foi a confirmação do exame de tomografia da paciente que mostrou a extensão da pneumonia. Nesta altura, afirma, o maior receio era a paciente entrar num quadro de gravidade irreversível. Por outro lado, ainda não estavam suficientemente preparados e nem dispunham de todos os meios para dar cobertura ao caso se viesse a piorar. “Quando digo não estávamos suficientemente preparados estou a falar sobretudo em termos de pessoal para fazer ventilação da paciente. Tivemos de apreender na prática e com a doença.”
A nível da proteção, garante que estavam mais tranquilos porque bem protegidos, desde que respeitassem o Plano de Contingência, que previa o uso obrigatório de um conjunto de equipamentos: luvas, máscaras e batas. Faltavam apenas viseiras de protecção, o que, admite Zé Luís, ainda criava alguma insegurança. Mas, como a “necessidade faz o engenho”, quando foi confirmado o primeiro e único caso, o HBS estava a começar a produzir, internamente, as primeiras viseiras, seguindo um modelo criado pelos próprios profissionais de saúde. “Numa houve o risco de contaminação pessoal. Sabemos que esta é uma doença contagiosa e a possibilidade de contaminação dos profissionais de saúde é elevada. Foi por isso que adquirimos todos os equipamentos de protecção pessoal (EPIs)”, detalha.
Equipa coesa
Durante o internamento, a paciente foi acompanhada por uma equipa constituída, para além destes dois especialistas, por quatro enfermeiros, incluindo o responsável do serviço de isolamento do HBS, e quatro ajudantes de serviços gerais. Foram os únicos profissionais a ter contacto com a doente. Foram divididos em dois grupos, cada um trabalhando por 15 dias, seguido de um período de outros 15 dias de quarentena. No término do período de serviço, todos foram submetidos a testes para despistagem da doença. “No meu caso fiz o isolamento em minha casa porque estava sozinho. Foi a parte mais difícil de lidar em todo o processo porque, depois de algum tempo, os filhos começam a sentir a ausência e a ficar ansiosos, e nós também. Foram 30 dias longe de todos os familiares. Felizmente, consegui antecipar o contacto porque o meu teste deu resultado negativo.”
Esta solidão foi também companheira da infectologista Risete Gomes, que fez o isolamento numa casa longe da sua família, durante e após cumprir o período de serviço. Esta especialista, a única da sua área no HBS, admite que também sentiu medo de um possível alastramento da doença na ilha de São Vicente. “O nosso maior receio era que o caso tivesse tido contactos e que estes fossem também positivos. Felizmente isto não aconteceu. Temos de aplaudir o pessoal da Delegacia de Saúde que fez um excelente trabalho, quer na procura dos contactos quer no despiste de casos”, pontua Risete Gomes, para quem o sentimento neste momento é de dever cumprido. “Todo o nosso esforço foi recompensado. Esta é uma sensação de todo o grupo do hospital, da delegacia de Saúde e do ministério. Fomos recompensados com o segundo resultado negativo e com a alta da paciente saudável”.
Gralhas, incertezas e stress
Para a médica, este resultado é fruto do trabalho da equipa de saúde da ilha de São Vicente. “Se de início houve alguma gralha, medo ou receio, o espirito de entre-ajuda e uma equipa muito forte e coesa nos deu a força e o ânimo necessário. É claro que muitas vezes houve incertezas. Mesmo usando os EPIs havia algum risco e o que temos visto lá fora são muitos profissionais de saúde contaminados, embora ainda não saibamos como e nem porquê. Acredito que isso acontece porque passam muito tempo expostos a pacientes positivos. Por outro lado, este é um trabalho exaustivo, com muito stress e uma carga horária muito pesada. Tudo isso acaba por condicionar o descanso e a alimentação do profissional e torna-o mais vulnerável.”
Por isso mesmo, não obstante a cura e alta da paciente, os cuidados ainda vão ser alongados por mais algum tempo, quer para a doente quer para a equipa de saúde, avisa Risete Gomes. “A paciente vai continuar em quarentena por mais duas semanas e, de acordo com o Protocolo Nacional, será monitorada pela Delegacia de Saúde. Em casa ela continuará isolada e a família também seguirá alguns cuidados, por exemplo o uso de máscaras é obrigatório, mesmo estando negativa. A equipa também vai seguir observando alguns cuidados e sob monitoramento constante.”
Perante tantas exigências e cuidados, esta profissional deixa um alerta à população para manter as medidas de distanciamento social, evitar aglomerações, usar máscaras e fazer a higienização correcta porque o normal nunca mais será igual. E, em caso de queixas respiratórias, nunca procurar as estruturas de saúde, mas sim ligar imediatamente para a linha 800 11 12. “Estamos preparados no HBS. Temos uma tenda no Banco de Urgência de Pediatria e outra no de Adultos para atender as queixas respiratórias. O melhor mesmo é prevenir porque esta doença é imprevisível e o país ainda tem muitas limitações”, frisa a médica, lembrando que as amostras ainda têm de ser enviadas para o laboratório da Praia. Esta alerta que o Covid-19 chegou com os seus desafios e que ninguém sabe até quando vai ficar.
Constânça de Pina