Comunicado da PGR sobre responsabilidades no afundamento do navio Vicente gera confusão

O comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre as responsabilidades criminais no naufrágio do navio Vicente está a gerar confusão, inclusive na imprensa. É que a PGR – que acusou claramente o então presidente do Instituto Marítimo e Portuário e dois inspectores da Agência Marítima e Portuária, e ainda o director dos Serviços de Inspecção e Registos Convencional de Navios dos crimes de homicídio negligente, falsificação de documento e corrupção passiva – optou por não indicar os nomes dos visados, o que abriu espaço à especulação. Dois dos três ex-presidentes desta agência reguladora contactados pelo Mindeliniste, neste caso António Cruz e Zeferino Fortes, já tiraram o corpo fora. Foi, entretanto, impossível a este jornal online chegar à fala com o Cte José Fortes, que antecedeu António Cruz no cargo.  

Uma das primeiras “vítimas” deste imbróglio é o jornal Expresso das Ilhas que, depois de imputar 17 crimes em coautoria ao antigo presidente do IMP António Cruz, viu-se obrigado a repor os factos, publicando um direito de resposta enviado por esse comandante e que o isenta de todas as responsabilidades. Com base nessa notícia do Expresso das Ilhas, que aponta o dedo a António Cruz, o Mindelinsite abordou o visado para ouvir a sua reacção, ele que foi taxativo: “O jornal cometeu um erro imperdoável ao imputar todas as responsabilidades à minha pessoa, quando não é. Não tenho nada a ver com os factos. O Expresso das Ilhas vai ter de publicar um pedido de desculpas. A PGR imputa os crimes ao presidente do CA do IMP e não da AMP. Iniciei funções em novembro de 2014 e conclui em Agosto de 2018. O acidente aconteceu 58 dias após a minha posse, a 8 de Janeiro de 2015, numa altura em que ainda estava a organizar e a tomar o pulso aos serviços. Toda a responsabilidade recai sobre a pessoa que me antecedeu no cargo”, refere.

Para o ex-PCA da AMP, independente de qualquer reparação ou pedido de desculpa, o erro já foi cometido e nada vai anular os efeitos na sua reputação e imagem. “A AMP é uma agência respeitada em Cabo Verde e além-fronteiras. Neste sentido, em caso de qualquer falha ou anomalia, há uma tentativa de imputar as responsabilidades à minha pessoa. Acabo por apanhar por tabela, o que não vou admitir”, declarou Cruz, que promete exigir responsabilidades ao jornal, que pode passar inclusive por um processo judicial por injúria e difamação. “O meu nome está claro no Expresso. Isso é muito grave. Entendo que querem denegrir a minha imagem, mas não vou permitir. Estamos num país pequeno, onde todos se conhecem.”

Tentamos ouvir a PGR, mas tal não foi possível. Mas, no comunicado este órgão máximo do Ministério Público informa que ordenou a abertura de uma nova instrução, após o arquivamento dos autos aquando do afundamento do navio Vicente, que correu termos na Procuradoria da Comarca de São Vicente, por indícios da prática de crime de corrupção imputados a agentes da então Agência Marítima e Portuária, actual IMP. Na base dos factos, diz a nota, estiveram indícios de supostas irregularidades e ilegalidades praticadas, designadamente no processo de registo do navio, inspecção inicial, emissão de certificado de navegabilidade e vistorias.

“Realizadas todas as diligências de prova tidas por pertinentes e úteis à descoberta da verdade material dos factos, o Ministério Público determinou o encerramento da instrução, deduzindo acusação e requerendo o julgamento de quatro pessoas singulares e uma pessoa colectiva”, lê-se no documento, que aponta directamente o presidente do Conselho de Administração do IMP, a quem foi imputada a prática, em coautoria, de 15 crimes de homicídio negligente, um de falsificação de documentos e um de corrupção passiva.

Estes crimes são também imputados a dois inspectores da então AMP que, diz, também exerceram, em períodos distintos, as funções de Director dos Serviços de Inspecção e Registo Convencional de Navios, e ainda ao inspector e então director dos Serviços de Marinha Mercante e Portos, que é acusado de 15 crimes de homicídio negligente. A sociedade anónima proprietária do “Vicente” foi acusada de corrupção activa, enquanto que as acusações contra o armador foram arquivadas, face ao seu falecimento.

O naufrágio da embarcação, recorde-se, ocorreu por volta das 22 horas do dia 08 de Janeiro de 2015 ao largo da ilha do Fogo, causando a morte a 15 pessoas. Onze foram resgatadas com vida. A embarcação tinha a bordo 26 pessoas, entre membros da tripulação e passageiros. Volvidos mais de quatro anos sobre este que foi um dos acidentes mais trágicos ocorridos nos mares de Cabo Verde, a justiça chama agora as autoridades à responsabilidade criminal.

Constânça de Pina

Sair da versão mobile