Cidadãos e emigrantes dizem-se extorquidos por transitários em Cabo Verde

Alguns cidadãos, sobretudo emigrantes, afirmam que estão a ser extorquidos por transitários. Dizem que pagam todas as despesas no estrangeiro para o envio de carga para Cabo Verde, mas, quando chegam para receber a sua encomenda no país, são obrigados a desembolsar novamente valores exagerados nas agências para levantar os pertences, numa clara duplicação de custo. O transitário Daniel do Rosário, da Cabolux, afirma que há custos desde o recebimento da encomenda até a sua entrega em Cabo Verde. O problema, diz, é que neste momento “qualquer got mne jon é transitário”, sem controlo por parte do Instituto Marítimo e Portuário, que é quem regula o frete, emite as licenças e deveria estipular os valores a serem pagos. Este admite, no entanto, que “há colegas que enganam os utentes, há muita fraude e também há pessoas a abrir empresas para lavar capital.”

A queixa de extorsão chegou ao Mindelinsite por intermédio de uma fonte bem colocada e foi corroborada por outras tantas no cruzamento de informações. Esta garante que os cidadãos, sobretudo os emigrantes, têm reclamado de uma situação recorrente de há algum tempo. Dizem que os transitários, agência que recebe os documentos das encomendas, têm estado a cobrar valores exagerados. “A queixa é que pagam todas as despesas na origem e, quando vão receber a sua carga em Cabo Verde, são obrigados a pagar Enapor e Alfândega. Só que têm de passar pelas agências para fazer o levantamento dos Pertences. É aqui que lhes são cobrados valores exagerados. Entendem que se trata de uma duplicação de custo, porquanto pagam no estrangeiro todos os valores para transporte da carga”, refere.

Indignados com esta cobrança que consideram abusiva, questionam sobre qual o papel do transitário no país, sendo que são os donos da carga que se deslocam às agências para dizer que têm uma encomenda em um determinado navio e recebem um pertence para fazer o levantamento. “Recebem metade de uma folha A4 e pagam um valor absurdo e dirigem-se então para Alfândega/Enapor para fazer o levantamento da sua encomenda. Pagam o armazenamento e o despacho. A agência não faz nenhum outro trabalho”, desabafa a nossa fonte, realçando que este assunto tem vindo a ser colocado há algum tempo, mas nunca nenhuma instituição se posicionou. Algumas reconhecem, à miúde, que os valores pagos não têm razão de ser. “Quando se questiona as instituições e os despachantes sobre a justificação para o pagamento aos transitários, ninguém sabe explicar que tipo de despesa se está a pagar.”

Para um entendido nesta matéria, a instituição pública que tem obrigação por lei e competência para agir neste caso é o IMP-Instituto Marítimo e Portuário, que é quem licencia os transitários para operarem em Cabo Verde. É também o IMP que regula a sua actividade. O mais grave, diz, é que este tem conhecimento da situação, inclusive já houve reuniões em que se levantou esta situação. “Infelizmente, parece não haver controlo dos transitários. E todos são lesados, principalmente os emigrantes que enviam carga em grande quantidade, mas também os familiares que recebem encomendas e donativos e que são obrigados a efectuar uma despesa extra. O IMP tem de fazer algo para resolver esta situação. Tem de explicar porque existe há muito tempo sem que seja tomada uma decisão.”

O mais caricato, denuncia um outro utente, é que não há uma tabela a fixar os valores a serem cobrados e os critérios ficam ao gosto dos transitários. E há quem diga que há muita cobrança ilegal. “Uma pessoa relatou-me que, há três meses, recebeu um eletrodoméstico e, só em pertence, pagou oito mil escudos, depois de ter pago todas as despesas na origem, o despacho na Alfândega e as despesas da Enapor, estas instituições do Estado. Sei também de uma outra pessoa que pagou 10 mil escudos em uma agência para levantar uma cama hospitalar para um familiar acamado”, exemplifica.  

Alfândega de fora

O Mindelinsite tentou ouvir a Alfândega de São Vicente sobre o assunto, mas o director alegou que esta é uma questão que extravasa a instituição. Entretanto, fonte da Alfândega aplaudiu a “coragem” dos emigrantes e dos cidadãos, que finalmente resolveram reclamar e tornar público esta situação. “Normalmente, as críticas são dirigidas à Enapor e à Alfândega. Mas sempre defendi que, se uma pessoa paga o transporte e o frete, é legítimo receber o pertence para levantar a sua carga. Entretanto, às vezes pagam valores inexplicáveis para isso. Ser transitário em Cabo Verde é uma galinha dos ovos de ouro. Cada um aplica o valor que melhor lhe convém. É uma selvajaria e uma roubalheira. Não há uma tabela, pelo menos que se saiba e esta é uma responsabilidade do IMP”, acusa.

Para esta fonte, o mais grave é que muitas pessoas são enganadas por transitários desonestos que, para as atrair para as suas agências, alegam que, se pagarem na origem, não terão despesas em Cabo Verde, o que é uma falácia porque, independentemente dos custos no estrangeiro, terão de pagar a Enapor e a Alfândega. “Antigamente pagava-se mil escudos por um pertence de um bidon. Depois foi aumentado para dois mil, três e agora já há transitário a cobrar quatro mil escudos. Paga-se 20 mil escudos por um contentor. Por uma viatura nem se fala. Não há critério. Por isso, todos querem ser transitários. Não lhes é exigido um mínimo de garantia. Basta ter um computador e já é transitário”, denuncia esta fonte, que relata, a título de exemplo, um caso de um transitário que estava a entregar pertences dentro de uma viatura, nas proximidades do Palácio do Povo na Rua de Lisboa, porque sequer possui um escritório.

Transitários e ´catadores`

Um dos mais antigos transitários de Cabo Verde, Daniel do Rosário, explica que, normalmente, os transitários cobram para tratar dos documentos de exportação, transporte e armazenamento, colocação da carga nos contentores e por outros gastos durante o transporte, nomeadamente escalas portuárias, entre outros. É do valor cobrado aos utentes que paga os funcionários das agências, as companhias, o transporte, o manuseio da carga lá fora e também no país. Mas, adverte, há transitários e “catadores”, ou seja, pessoas menos honestas.

O problema, diz, é que não há qualquer regulação e controlo no sector e, neste momento, “tud gote mne jon” quer ser transitário. “A Cabolux está no mercado há mais de 20 anos e sei muito bem como funciona este sector. Por isso mesmo ainda estou a tentar entender como, em plena pandemia em que a movimentação de carga e de navios caiu drasticamente, surgiu em Cabo Verde um grande número de agências transitárias. E, em pouco tempo, exibem carros, mobília e dinheiro. São pessoas que recebem alguns poucos volumes de carga, dificilmente despacham contentores e não agenciam navios internacionais, e mesmo assim estão a nadar em dinheiro. A pergunta que não quer calar é de onde está a surgir tanto dinheiro?”, interroga.

Sem “papa na língua”, Daniel do Rosário denuncia que há pessoas que se dizem transitários e sequer têm um escritório montado em Cabo Verde. Tudo porque não há critérios para trabalhar nesta área. “Quando comecei, foi-me exigido uma caução na Alfândega/Enapor, que cobre quaisquer falhas. Mas o maior responsável por esta situação é o IMP, que tem poderes para regular este sector e para licenciar os transitários. Nos últimos tempos têm surgido muitas agências e sei de pessoas de dentro da Enapor, inclusive já apresentei uma queixa na Praia, que aconselha alguns utentes a enviar a sua carga em determinadas agências. Sei também de pessoas que fazem plantão nas proximidades de alguns transitários para desviar clientes, com ofertas de cobranças de valores menores e entrega a domicilio”, acusa.

Segundo este transitário, tanto a Enapor como a Alfândega e o próprio IMP sabem o que se passa, mas preferem ficar calados. “Creio que os responsáveis, ao tomarem conhecimento de actividades ilegais, deveriam agir. Mas todos recebem os seus dinheiros e o resto que se desenrasque. O que posso garantir é que na minha agência as pessoas sabem exactamente o que estão a pagar. Faço questão de especificar todas as despesas. Também temos a nossa contabilidade organizada. Aliás, já desafiei o Ministério das Finanças a fazer uma auditoria à Cabolux para verem que tudo o que recebemos é declarado, o que não acontece com outras agências”, pontua, realçando que na Holanda, a par da Cabolux, existiam seis agências transitárias, mas todas tiveram de suspender actividades por práticas ilegais.

De acordo com este entrevistado do Mindelinsite, há tempos os transitários de São Vicente e também alguns “catadores” reuniram-se com a presidente do IMP. Neste encontro, chamou a atenção da presidente do Instituto Marítimo e Portuário para a sua responsabilidade na regulação do preço da carga, exemplificando com os preços cobrados internamente para o transporte de um bidon entre as ilhas, em que se paga valores ao gosto do freguês. E esta concordou com a necessidade de se regulamentar e publicar a tarifa no BO.

“Com uma tabela a regular os preços, cada utente escolhe a agência que melhor lhe convém, sabendo que está a pagar por um serviço de qualidade ou não. Como está é que não pode continuar. Sei de agências que operam em Cabo Verde e que pagam aos transitários no exterior uma parcela do valor dos pertences, metem uma parte no bolso e declaram às Finanças apenas uma parte do montante recebido. É o consumidor final que está a pagar estes valores que não devia, para suportar estas cobranças extras. É assim que estão a surgir muitos novos ricos em Cabo Verde.”

Para este transitário, é preciso um trabalho fazer um trabalho sério e acabar com muitas praticas nocivas. E este não vê grandes dificuldades, basta seguir o dinheiro que entrou no banco, quanto foi declarado e quanto foi gasto. “Há muita fraude e também há pessoas a abrir empresas apenas para lavar capital. Todo mundo sabe disso. Se uma pessoa abrir uma agência em plena pandemia e recebe poucos volumes de carga, então de onde vem tanta riqueza? De onde vem o dinheiro para pagar impostos, funcionários, Instituto Nacional de Previdência Social? Ninguém engana ninguém?”.

Fora de controlo

Toda esta situação, diz Daniel do Rosário, deve-se à falta de controlo sobre os transitários. “O IMP não está a fazer o seu trabalho. Já a Enapor recebe a carga, coloca no chão e cobra por este serviço. Infelizmente, aqui também há ineficiências e estão a receber demais e a trabalhar de menos. Entendo que deviam desovar os contentores com maior celeridade. Por exemplo, durante o verão faltou espaço para colocar carga na Enapor por causa da demora em liberar os contentores. Também há ineficiência na Alfândega. Enviam alguns oficiais para entregar cargas provenientes de todos os países da emigração. Alegadamente praticam horário único, mas normalmente na hora do almoço não tem ninguém. Por isso, há emigrantes que vêm ao país gozar férias e regressam sem ver a sua carga. E não há responsabilidades.”

Este critica ainda o vice-Primeiro-ministro, Olavo Correia, que prometeu fazer a entrega de carga em 24 horas, quando na verdade às vezes espera-se até três semanas ou um mês. Isso porque, afirma, os scanners estão sempre avariados, não se sabe se propositadamente ou então por desconhecerem o seu manuseio. “Penso que estão a colocar carga para além da capacidade dos scanners, ou então não percebem patavina do seu funcionamento. Mas, infelizmente, qualquer pessoa que alertar para os cuidados é taxado de estar armado em esperto. No meu caso, sei que sou persona non grata.”

Tentamos ouvir o IMP-Instituto Marítimo e Portuário, que prometeu uma resposta para a manhã de hoje. Mas, até a publicação desta reportagem não houve nenhum feedback pelo que prometemos voltar ao assunto logo que possível.

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