O presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e membro da Ordem dos Médicos de Cabo Verde, Victor Manuel Machado Gil, apelo aos doentes crónicos cabo-verdianos para manterem a medicação e os tratamentos durante a pandemia do novo coronavírus. Este alerta, realça numa entrevista exclusiva ao Mindelinsite, vem na sequência de informações de que há doentes a deixar de tomar os remédios ou a adiar os tratamentos por medo de irem aos hospitais e centros de Saúde em Cabo Verde, à semelhança do que aconteceu em Portugal, resultado daquilo que convencionou chamar de “danos colaterais de um serviço de saúde com prioridade para doentes Covid-19”.
Segundo este cardiologista, que se apresenta como cabo-verdiano por adopção, a situação que se está a começar a viver em Cabo Verde também aconteceu na Europa de forma muito intensa, tendo em conta que, por causa da pandemia do Covid-19, as pessoas são aconselhadas a ficarem em casa. “Ao se fazer este apelo, às vezes se esquece que há muitas pessoas que são portadoras de doenças crónicas, particularmente as cardiovasculares significativas, e que estas não desapareceram com a pandemia. Estas pessoas não podem de maneira nenhuma abandonar a medicação. Não morrer de covid-19 para morrer em consequência do agravamento das doenças crónicas, designadamente de tensão arterial, diabetes e outros não é um bom negócio”, avisa.
Para Víctor Manuel Machado Gil, nesta altura tem de haver um grande equilíbrio para que se possa seguir os conselhos de evitar os contactos sociais e ficar em casa – sobretudo para as pessoas mais vulneráveis, designadamente as mais idosas e as doentes. Isto porque, afirma, é este tipo de paciente que tem maior risco de apanhar o vírus e morrer de complicações. Por isso, a necessidade de mais cuidados com as pessoas portadoras de doenças crónicas.
“Estas pessoas não podem deixar acabar os medicamentos. Sei que os médicos em Cabo Verde, particularmente os de S. Vicente, estão atentos em não deixar faltar os medicamentos. A minha recomendação vai no sentido de enviarem as receitas destes doentes para as farmácias, sob pena das pessoas que sofrem de hipertensão, anginas de peito, problemas de coagulação de sangue, entre outros, suspenderem a sua medicação porque não podem ir para o hospital. Podem ter grandes complicações.”
Aos doentes crónicos, o cardiologista pede para nunca deixarem os medicamentos esgotarem. Devem, antes, entrar em contacto com os hospitais ou com os seus médicos para solicitar uma nova receita. Outra recomendação é para, em caso de qualquer mal-estar – seja em relação à parte cardíaca, dor aguda no peito ou crise aguda de falta de ar – dirigirem-se de imediato ao hospital.
“Os hospitais continuam a funcionar normalmente. Foi pedido às pessoas para permanecerem em casa se conseguirem, mas devem procurar os serviços de saúde, principalmente em situações agudas. Em Portugal tivemos a noção de que estava a haver uma retracção das pessoas em procurar ajuda”, pontua, realçando o facto de que houve cancelamentos de todas as consultas de rotina em Portugal, incluindo as situações crónicas.
Projecções alarmistas só aumentam ansiedade
Hoje, em alternativa, de acordo com Víctor Gil, desenvolveram-se sistemas de apoio aos doentes, nomeadamente através do telefone e video-chamadas. “Desenvolveu-se muito aquilo que se chama de tele-consultas, sendo possível, portanto, continuar a dar apoio a um número imenso de doentes crónicos. É essa a solução que nós adoptamos. E tem dado muito resultado. Por exemplo, pessoas idosas que vivem sozinhas receberem um telefonema nosso tentando ajuda-los é extraordinário. As pessoas ficam muito confortadas. Por isso é que digo que tem estado a funcionar.”
Victor Gil garante que tem mantido contacto com os clínicos em São Vicente e tem informações que o Hospital Baptista de Sousa está também a adoptar o sistema de telefonar aos doentes crónicos para fazer marcações de consulta. Trata-se de uma iniciativa que este cardiologista aplaude e diz ser para continuar.
Instado a comentar o estudo de projecção do covid-19 em Cabo Verde numa altura em que o Estado de Emergência pode ser prorrogado pelo Presidente da República, o presidente da SPC diz que este não é o melhor momento para traçar cenários da pandemia. “Na minha opinião, esta é uma situação que tem de ser vivida no dia-a-dia. Fazer divulgação de dados alarmistas nesta fase só serve para aumentar a ansiedade das pessoas e causar pânico. Não se ganha rigorosamente nada com isso. Acho que temos de acompanhar o evoluir da situação. O estudo só pode ter utilidade para se reforçar as medidas de controlo. Temos de pensar que cada um de nós, sem o saber, pode ser o veículo de transmissão desta doença. Por isso o exercício de tentarmos não contactar com os outros, de lavar as mãos, colocar uma máscara nem que seja improvisada e evitar, se por acaso for portador, transmitir o vírus”, assevera.
A este exercício, de acordo com o cardiologista Victor Machado Gil, chama-se solidariedade social e é o maior desafio que se coloca neste momento aos cidadãos. “Se cumprirmos as determinações, as perspectivas pessimistas do estudo não se vão concretizar e vamos conseguir controlar a pandemia. O segredo é esta capacidade de estarmos preocupados com o outro e não transmitir o vírus ao outro. E acho que, no fim, vai correr tudo bem”, conclui, desejando o melhor aos cabo-verdianos.
Constança de Pina