Câncer e espera matam Sharon Lopes, segundo família: Avô exige que ministro da Saúde ponha cargo à disposição

Sharon Lopes, a criança de 4 anos diagnosticada com câncer em estágio avançado, que aguardava evacuação para Portugal, faleceu ontem por volta das onze horas da noite. A família acredita que o tempo de espera a que foi sujeita para iniciar o tratamento foi determinante para o desfecho. O avô da criança culpa todos os envolvidos no processo de evacuação, que custou a vida à neta, que, diz, há seis meses dava sinais de que algo não estava bem.

Segundo Adilson Delgado, avô de Sharon, se soubessem da real situação da neta, e que ela seria sujeita a uma desesperante espera para ser evacuada, a família teria tomado medidas e procurado tratamentos noutros países por meios próprios. “Há dois dias apenas que o médico que a acompanhava reuniu-se connosco para nos informar que, logo que operou Sharon, soube que era um caso grave e que a minha neta precisaria de tratamento imediato. Se nos tivesse avisado que a espera para a evacuação seria demorada, e que minha neta não teria condições para aguardar, eu teria procurado outros meios no Senegal, na Espanha ou noutro lugar“, expõe Adilson Delgado.

Desta forma, este avô culpa a todos: o hospital e o Governo, este por causa dos acordos de parceria que Cabo Verde deixou de estabelecer com outros países, para que os doentes tivessem outras possibilidades de tratamento e evacuação.

“Diagnóstico errado”

Adilson Delgado, avô de Sharon, exige a demissão do ministro da Saúde

Quando Sharon ficou doente, foi-lhe ‘diagnosticada’ apendicite. Depois disseram no hospital que afinal não era apendicite, mas sim anemia. Seguimos todas as recomendações médicas para tratar a anemia, mas ela não continuava bem, até começarem as dores de barriga, quatro meses depois”,  conta o avô. Só recentemente foi descoberto um “corpo estranho” no seu intestino. Após uma operação de urgência, foi decidido que a criança deveria ser evacuada para tratamento no exterior.

Ontem, quando Sharon ainda estava viva, a mãe Lucilene Andrade demostrou o seu desânimo pela situação da filha em conversa com o Mindelinsite. No entanto mantinha acesa a esperança em ver a sua filha saudável novamente.

No início, Lucilene não queria que a matéria fosse publicada. Depois ponderou e aceitou conceder-nos uma entrevista para que casos do género não façam escola no país. Durante a conversa mostrava-se reticente em viajar com a filha para o exterior, caso conseguissem a confirmação da consulta em Portugal. É que fora advertida pelo médico que seria difícil Sharon aguentar o esforço da viagem, devido ao seu estado. “Ele disse que ela provavelmente chegaria morta, já que não conseguia mais respirar sozinha porque o  câncer já se tinha espalhado também para os rins. Por conta disso ela tinha dificuldades em urinar. Mas garantiu que, se mesmo assim a família decidisse pela evacuação, seria disponibilizada uma equipa médica para a acompanhar a Portugal“, explicou a jovem.

Após esta reunião, a jovem não conseguiu aguentar e chorou em frente à filha. “Durante todo esse tempo, evitei chorar à sua frente, mas nesse dia desabei em lagrimas à sua frente e foi ela que me acalmou e limpou minhas lágrimas, perguntando porque chorava e se a queria ver triste também”, contou Lucilene Andrade. Apesar da sua tristeza, a mãe tentou retribuir e passar positividade para a criança.

Já o avô diz que não conseguiu visitar a neta as vezes que queria porque o seu estado o deixava perturbado. No entanto acompanhou a evolução da doença e soube que o último desejo da Sharon foi passear pelos corredores do hospital numa cadeira de rodas.

Dois pesos, duas medidas

O avô da criança critica o tempo de espera que alguns pacientes estão sujeitas no país, enquanto outros, com níveis de urgência questionáveis, encontram prioridades no sistema. “Recentemente soubemos do caso do presidente da Câmara Municipal da Praia que foi alvejado no braço e que de imediato foi evacuado para Portugal. Que operação no braço é mais urgente do que a evacuação de uma criança de quatro anos com câncer?”, questiona o avô, revoltado.

Indignado com a disparidade de tratamento, este familiar pede ao ministro da Saúde que ponha seu cargo à disposição. Adilson Delgado mostra-se ainda mais revoltado porque teve conhecimento de pacientes na mesma situação de espera que a neta esteve sujeita. Chega mesmo a afirmar convicto de que “se fosse filha de um ministro estaria já em tratamento”.

Para Adilson Delgado, o Ministério da Saúde é responsável em grande parte por este desfecho trágico. “Cada ministro faz o seu papel. Se conseguem apoios para construção de campos desportivos porque é que o Ministério da Saúde não consegue alargar o acordo com outros países como o Senegal, aqui perto, ou França?…” desabafa Delgado, que pede pede outras alternativas para pacientes cabo-verdianos para não se dependerem de apenas um país.

Em jeito de esclarecimento da notícia publicada pelo Mindelinsiteo Instituto Nacional de Previdência Social nega que o processo de evacuação estivesse pendente entre o Ministério de Saúde e o INPS. O INPS realça que o caso aguardava apenas a confirmação da consulta em Portugal para ser encaminhado à embaixada de Portugal e dar seguimento ao pedido de visto.

Por seu lado, o Hospital Baptista de Sousa, onde Sharon Lopes esteve internada por quase dois meses, promete prestar esclarecimento assim que possível.

Sidneia Newton


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