O braço -de-ferro sobre um processo disciplinar instaurado pela Câmara Municipal contra dois bombeiros e que resultou no corte de três meses de salários chegou ao Tribunal da Comarca de São Vicente. Este caso arrasta-se desde 2017 e esta quarta-feira foram ouvidas as testemunhas e as alegações dos defensores. Aguarda-se agora a sentença para ver de que lado está a razão.
O caso remonta a início de 2017. Os BM foram chamados para levantar um cadáver e fazerem uma desinfestação. O serviço foi feito fora do horário normal e os bombeiros cobraram um extra. Mas o vereador de Proteção Civil e Segurança, José Carlos da Luz, alega é da alçada da Delegacia de Saúde ou da Câmara pelo que os “Soldados da Paz” não deveriam cobrar. Mais: por responderem respondem à autarquia os bombeiros não deveriam cobrar nada.
O autarca explicou que, desde o início do seu mandato, em 2016, nunca teve conhecimento de que os bombeiros faziam trabalhos de desinfestação e muito menos que recebiam pelo serviço, que pela natureza é de DS. Ao que foi dito no tribunal pela defesa dos BM afetos ao Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública, a DS não tem condições de prestar este tipo de serviço, pelo que sempre foram os bombeiros que o fizeram, fora do horário de expediente.
O Caso
Esta polémica remonta a Janeiro de 2017 quando os bombeiros de São Vicente foram chamados para fazer o levantamento de um cadáver, já em avançado estado de decomposição em uma residência. Posteriormente, a família voltou a recorrer à corporação para fazer a desinfestação do local. De acordo com um membro da família, os bombeiros explicaram que este tipo de serviço não é da sua alçada. No entanto, poderiam fazê-lo mediante pagamento.
Assegurou esta testemunha no tribunal que foi direcionada a um bombeiro que podia executar a limpeza e aceitou contratar o serviço deste profissional pela quantia de 25 mil escudos. Este “soldado da paz” terá indicado alguns materiais de limpeza que a família deveria providenciar e dirigido ao local, segundo afirma o membro da família do malogrado. Este terá usado estes equipamentos e, juntamente com outros três colegas, fez a limpeza do espaço. Quanto à cobrança do valor, as partes acordaram que o pagamento seria feito em outra ocasião.
Entretanto, a família que teria procurado os bombeiros para realizar a limpeza, recorreu mais tarde à Câmara Municipal para solicitar apoio e assim poder saudar a dívida. Lá a filha e neta do malogrado foram encaminhados para o vereador, que estranhou o caso e, após consultar a tabela de cobranças de taxas da autarquia, aconselhou a família a não pagar pelo serviço.
Mesmo assim a família optou por fazer o pagamento em três prestações, com quantias de 10 mil e dois outros pagamentos de 5 mil escudos. Por liquidar ficou apenas o montante de cinco mil escudos do valor acordado entre os familiares e o bombeiro.
Já o vereador José Carlos, decidiu participar o caso ao presidente Augusto Neves, que recomendou a instrução de um processo disciplinar contra os bombeiros responsáveis pela operação de limpeza. Como resultado do processo dois bombeiros foram penalizados, ficando com três meses dos seus salário cativado. Inconformados, procuraram o sindicato que os representa, que decidiu recorrer da decisão da autarquia.
Defesa pede anulação do processo
Durante o julgamento, a advogada dos bombeiros pede que o processo seja anulado. De acordo com esta fonte, os agentes em questão são dois profissionais exemplares que cumprem com as suas obrigações e executam bem os seus trabalho. Este alega ainda que um dos trabalhadores, já perto da idade da reforma, apenas participou do serviço obedecendo à ordem de um superior hierárquico e que, por esta razão, não deve ser processado.
Em relação ao outro bombeiro, segundo a defesa, por na altura este fazer parte da direção dos sindicatos, não poderia ser alvo de processo sem que os membros da referida organização fossem ouvidos, o que , nunca aconteceu. A causídica argumentou ainda que a limpeza de espaços não são atribuições dos bombeiros e, pelo risco que este tipo trabalho acarreta, mas também por ser feito na hora de folga destes profissionais e por serem os únicos habilitados com condições para desempenharem estas tarefas, acha legitimo que recebam para tal.
Mais ainda, de acordo com esta profissional, todos os bombeiros confirmam que, desde sempre, fizeram este serviço e foram devidamente compensados. Entende, no entanto, que a população não deveria arcar com este custo, desde que a autarquia criasse um “teto” que cobrisse as despesas para este tipo de serviço especifico. “Algo que nunca foi feito.”
CMSV alega ilegitimidade
Para o advogado de defesa da Camara Municipal de São Vicente, nenhuma ordem deve ser executada se não for legitima, pelo que mesmo com uma determinação de superiores, os bombeiros não deveriam ter realizado o serviço ou feito a cobrança.
De acordo com o mesmo, a força do trabalho dos bombeiros é suportada pela autarquia e que ainda estes profissionais recebem subsídio de risco para o desempenho das suas funções. Considera, por isso, imoral que “soldados da paz” recebam para fazer um serviço ligado a saúde pública, mesmo que nas suas horas de folga e usando os materiais da corporação.
Para este defensor, a pratica não pode ser considerada “ancestral” porque casos de pessoas encontradas mortas em residência são raros na ilha. Por outro lado, realça o facto de a autarquia nunca ter recebido nenhum documento que prova que um dos bombeiros fazia parte da direção do sindicato, logo isso não pode, de maneira nenhuma, anular o processo.
Caberá agora ao Tribunal decidir se o processo disciplinar movido pela Câmara Municipal e que permitiu cativar os seus salários foi legitimo ou se esta terá de devolver os valores.
Sidneia Newton (Estagiária)