O Tribunal de S. Vicente condenou Herberto Rodrigues a 12 anos de prisão e a pagar uma indemnização de 72 mil contos à Caixa Económica, pelos crimes de abuso de confiança, burla informática e falsificação de documentos bancários cometidos durante 14 anos. De fora ficou o delito de lavagem de capitais, pois, na opinião do juiz Manuel Andrade, o ex-subgerente limitou-se a movimentar somas para tapar buracos nas contas que manipulava, um acto que ele considera adequar-se mais a um crime de burla informática.
Ao dissecar de forma resumida a sentença, o juiz dividiu a história do processo em três pontos, que se consubstanciam no cometimento dos crimes de burla informática, abuso de confiança e falsificação de documentos bancários. No tocante ao primeiro delito, o magistrado entende que os factos constantes nos autos demonstram de forma clara que o arguido aproveitou as suas funções para manipular contas de vários clientes e efectuar movimentos de depósito e crédito para camuflar a sua acção criminosa. “Há um perfil de clientes que elegeu como vítimas: os clientes ausentes no estrangeiro e pessoas idosas”, realça o juiz, para quem Herberto Rodrigues evitava tomar as férias a que tinha direito para não baixar a guarda e ser surpreendido na sua ausência por algum dos clientes que andava a lesar. É que bastava um deles ir pedir informação ou reclamar para alguém descobrir o esquema.
“Era uma atitude defensiva e não um acto de amor ao trabalho”, salienta o juiz de julgamento, ele que apoia a sua análise nos dados guardados no sistema Banca e que documenta os movimentos de todos os utilizadores. Para ele, o historial comprova as manipulações das contas feitas por Herberto Rodrigues. E, deste modo, considera uma “afronta às evidências” o arguido ter cogitado a possibilidade de alguém lhe ter pirateado a sua password e entrado no seu domínio. É inconcebível, segundo o magistrado, que isso tivesse acontecido durante tanto tempo sem que Rodrigues tivesse comunicado esse facto aos seus superiores.
Para materializar o seu intento, Rodrigues, conforme o juiz, criou uma figura fictícia, neste caso um cliente emigrante a quem atribuiu o nome de Manuel Ambrósio Nascimento e a titularidade de uma conta, no dia 22 de Novembro de 2001. A partir desta conta terá movimentado quase 31 mil contos em operações de crédito e transferências. Através desse nome conseguiu ainda obter um cartão 24, que usou para fazer levantamentos. E o curioso, conforme esse magistrado, é que as provas documentais demonstram que usou por diversas vezes o seu cartão pessoal segundos depois de sacar montantes nas caixas ATM com o do tal Manuel Ambrósio.
O crime de abuso de confiança, por sua vez, tem por base o desaparecimento de 300 mil euros dos cofres do banco em 2015, quando Herberto Rodrigues era tesoureiro. Em relação a esse delito, Manuel Andrade é peremptório em responsabilizar o arguido, apesar de faltar provas directas nos autos que o apontam como autor do furto. “Ninguém viu, mas as evidências nos permitem ir para além das coisas, principalmente quando elas são razoáveis”, frisa o juiz.
Segundo Manuel Andrade, as coisas vieram à tona porque o tesoureiro foi surpreendido por uma auditoria efectuada por três técnicos enviados da sede, na cidade da Praia. Esse expediente foi, nas suas palavras, o momento-chave que ajudou a trazer o crime à tona. No entanto, para o juiz, houve outro episódio fundamental para a descoberta do caso: o facto de um tesoureiro do BCA ter recusado emprestar ao arguido 300 mil euros para tapar o buraco detectado pelos auditores. Se isso tivesse acontecido, assegura o magistrado do Tribunal de S. Vicente, a “toupeira” continuaria a corroer o dinheiro do banco por mais tempo.
“Ao ver que não iria conseguir o dinheiro emprestado tentou criar um simulacro e passar a ideia que o dinheiro foi furtado. Ele que é uma pessoa tão calma e meticulosa, ficou, entretanto, nervosa com a presença dos auditores. Começou a fotografar tudo o que era dinheiro com o intuito de passar a ideia de que havia desorganização no local de trabalho e que era um local inseguro”, salienta o juiz, para quem não deixa de ser estranho essa atitude em relação a um local onde passou vários anos a trabalhar.
Como o tempo foi apertando, Rodrigues, diz o magistrado, procurou encontrar uma saída extrema e produziu um documento que reportava a um código de remessa de dinheiro para a sede da empresa com data de 2014. Porém, um perito demonstrou que o documento foi feito no ano seguinte. Outra medida de desespero do arguido, segundo o juiz, foi alegar que o dinheiro estava numa bolsa, quando o tipo de bolsa normalmente usado pela Caixa Económica no transporte de valores não caberia todas as notas em euro.
Falsificação “grosseira” de documentos
Consta dos autos, prossegue o magistrado, um manancial de documentos falsificados por Herberto Rodrigues, alguns até de forma grosseira. As discrepâncias nas assinaturas do tal Manuel Ambrósio e do cliente Manuel Duarte, um idoso, foram evidentes em várias situações, segundo o juiz. Pelo que, para o magistrado, não restam as mínimas dúvidas sobre o cometimento do delito pelo ex-subgerente da Caixa Económica.
Já no tocante a lavagem de capitais, o caso muda de figura. No seu entendimento, o arguido ocultava o dinheiro entre as contas, mas isso não pode ser entendido como lavagem de capitais. “Essa ocultação faz parte do crime de burla informática.”
Deste modo, Bety acabou por ser condenado apenas por abuso de confiança agravada (5 anos e 6 meses), burla informática qualificada (5,6 anos) e falsificação de documentos bancários (3 anos e 10 meses). Feito o cúmulo jurídico, o Tribunal da primeira instância aplicou 12 anos de cadeia ao acusado e o condenou ainda a pagar 72 mil contos de indemnização ao banco pelo dinheiro roubado e danos causados à imagem pública da instituição.
“Fundamentação consistente”
Para Ilídio Cruz, assistente da Caixa Económica, a sentença foi equilibrada e adequada pela gravidade dos actos cometidos pelo arguido. Apesar de o Ministério Público ter pedido 17 anos de prisão, Cruz aceita os 12 anos aplicados e o valor da indemnização. “Penso que o juiz fundamentou muito bem as penas aplicadas. Devo tirar-lhe o chapéu pela sua fundamentação técnica consistente. Acho que justiça foi feita, pois não restam dúvidas que o crime de burla informática foi praticado de 2001-15 e provocou danos graves ao banco e aos clientes. Inclusive, um dos lesados faleceu sem bens”, elucida.
A própria defesa admite que a sentença foi equilibrada, embora com “algum exagero”, segundo o advogado João do Rosário. Este deverá reunir-se o quanto antes com o seu constituinte e decidir se vão interpor recurso para o Tribunal de Relação. Tudo indica que esse será o caminho, pois, enviando o caso para apreciação dessa instância superior, a aplicação da sentença fica suspensa. Assim sendo, Herberto Rodrigues continuará em liberdade, a aguardar decisão desse segundo tribunal.
A defesa tem 10 dias para meter o recurso, prazo que começa a contar a partir da data em que a sentença for depositada na secretaria do Tribunal de S. Vicente. O julgamento começou a 17 de Outubro e terminou no dia 8 de Novembro do ano passado, tendo Herberto Rodrigues alegado sempre a sua inocência.
Kim-Zé Brito