Desde que regressou a S. Vicente, depois de anos a viver na cidade da Praia, que deixou no ar a inquietante curiosidade sobre o seu verdadeiro propósito. Agora, Rosário Luz, reconhecida analista política, admite nesta entrevista a possibilidade de integrar uma equipa para conquistar a Câmara de S. Vicente nas eleições autárquicas. Por enquanto, Luz prefere manter por detrás do pano o rosto dos outros parceiros, mas nega estar na forja qualquer aliança com o Sokols-2017. Para ela, o movimento cívico deve manter-se como um barómetro social e não se envolver nas campanhas eleitorais.
Por Kim-Zé Brito
Mindel Insite – Regressou no ano passado para S. Vicente e ficou no ar a ideia que teria um projecto político na carteira, como uma candidatura à Câmara Municipal. Pode confirmar agora se esta era ou é sua intenção?
Rosário Luz – Digamos que não era propriamente um projecto, mas sim o projecto de um projecto político. A minha candidatura, tal como vinha sendo falada em S. Vicente, é na verdade uma hipótese de uma corrida numa lista, uma possibilidade que está em cima da mesa. Iria até mais longe, diria que é algo que está a ser trabalhado porque há um grupo que acredita que há espaço para isso acontecer.
MI – Um grupo independente ou associado a algum partido ou movimento?
RL – Sim, um grupo independente. Isto significa muita coisa, mas fundamentalmente gente que tem vários parceiros políticos, empresariais, técnicos, diversos tipos de competências, mas que têm algo em comum: a crença de que a solução para a CMSV de S. Vicente não virá do MpD nem do PAICV.
MI – Neste caso seria a cabeça-de-lista ou iria integrar uma equipa liderada por outra pessoa?
RL – O que está na forja é a reunião de uma equipa. Em Cabo Verde, a postura dos políticos tem sido nociva porque temos partidos que são na verdade organizações de campanha. Servem para conquistar o poder, dominar os recursos do Estado para depois serem distribuídos entre militantes e amigos. Para mim isso não é o objectivo. O propósito de uma victória eleitoral é a gestão do município. Para atingirmos isso é preciso uma equipa com capacidade técnica.
MI – Enaltece a força de uma equipa técnica, mas sabe qual a importância da figura de proa numa candidatura.
RL – É possível ganhar uma batalha eleitoral com base na popularidade de um candidato, mas não é de todo aconselhável. Parte do problema em Cabo Verde é que há candidaturas que se organizam em torno de pessoas populares no partido, na comunidade ou numa região e depois arranjam uma equipa decorativa. Ora, uma candidatura independente séria vai focar-se na composição de um grupo capaz antes de dar qualquer passo. Isto porque, quem ganhar, vai herdar uma Câmara cheia de problemas, falida financeiramente e prenhe de vícios administrativos. Uma Câmara incapaz de prestar os serviços administrativos sob sua tutela, que tem tido uma gestão danosa e irresponsável dos terrenos municipais, que não tem políticas sociais e de habitação. O resultado disto tudo tem sido uma explosão de casas precárias e indignas. A reversão deste quadro exige competência técnica ao mais alto nível. É o que nós propomos.
MI – Nós quem? Quem mais está consigo nesta batalha?
RL – Neste caso estou a falar de mim própria. Acho que esta entrevista é com a Rosário Luz e só vou mencionar de momento o meu nome, sendo certo que serei parte de uma equipa. Aquilo que possivelmente acontecerá no futuro, quando as coisas estiveram prontas, é o anúncio de uma candidatura à Câmara de S. Vicente.
Aliança com Sokols fora de questão
MI – Sendo assim, há alguma possibilidade de estar a ser ou vir a ser apoiada por elementos afectos ao Movimento Sokols, já que a organização em si não pode apresentar uma candidatura própria?
RL – Esse apoio não me foi oferecido e não o procurarei. A minha colaboração na manifestação do dia 5 de Julho foi meramente pessoal, de uma cidadã. Acho que o Sokols deve manter a postura assumida até agora, de ser um barómetro e elemento motivador da sociedade. Se decidirem apoiar uma candidatura duvido que seja algo do género partidário, ou se quisermos de envolvimento na campanha. Imagino mais um apelo à população para seguir a sua consciência, de acordo com a melhor proposta.
MI – Está a dizer que não há possibilidade de uma aliança com o Sokols?
RL – Não, não há uma aliança a ser forjada. Em primeiro lugar porque não é missão da organização, em segundo eu não procuraria esse acordo porque não foi essa a base da minha relação com o grupo.
MI – A sua meta será ser presidente da CMSV ou só ser eleita deputada municipal já seria uma conquista?
RL – Ser eleita deputada não seria uma conquista. Acho que, para as coisas mudarem, a equipa da administração municipal tem de mudar. Há que resgatar a CMSV do vácuo de gestão. Estamos num momento delicado da vida desta ilha. Ha anúncios de grandes empreendimentos turísticos nos próximos tempos. O Governo, por um lado, está a tratar esse dado como se fosse conquista sua, mas o facto é que, se o governo trabalhasse para S. Vicente, iria fazer esse processo de forma integrada. Não construiria hotéis e, ao mesmo tempo, sufocaria a economia da lha com o problema dos transportes desde 2017.
MI – Como vê esses investimentos?
RL – Esses investimentos, se forem feitos, vão ser o reflexo de dinâmicas de investimentos internacionais, tais como os que aconteceram no Sal e na Boa Vista e que, aliás, foram mal geridos, como demonstra a situação precária da habitação e do emprego nessas ilhas. Se os investimentos forem concluídos no quadro da actual gestão camarária não serão o salvamento de S. Vicente, mas sim o aprofundamento dos problemas. Um dos problemas que está na agenda desde finais do ano passado é a habitação social, por causa da tragédia que aconteceu na madrugada do 1 de janeiro em que morreram 3 crianças de uma família por más condições de habitabilidade. O que acontece é que esta gente não está cá porque gosta de viver mal e na periferia. Esta cá para fugir da pobreza das ilhas de Santo Antão e S. Nicolau, que sempre alimentaram a população de S. Vicente. Quando chegam sem qualquer suporte à procura de empregos precários não têm condições para viverem adequadamente. Só que esse problema não é só dessa gente, é de toda a cidade. Portanto, vai continuar a vir gente à procura de emprego, mas, a continuar o cenário, ninguém vai poder travar os cinturões de pobreza.
MI – Corrija-me se estou errado, mas esta é a primeira vez que pretende integrar uma lista eleitoral.
RL – Exacto, é a primeira vez, mas já trabalhei em muitas campanhas, nomeadamente no início da década de 2000. O meu conhecimento da campanha política é profundo, mas pretendo agora ser votada pela primeira vez, o que vai depender da lista que estamos a preparar e da resposta do eleitorado.
MI – Já encomendou alguma sondagem?
RL – Ainda não porque há um trabalho a ser feito antes. O que importa é ganhar para gerir bem. Se não houver uma equipa técnica capaz e idónea que queira mudar as coisas – e não querer mudar a sua situação financeira em primeiro lugar – não poderemos ter sucesso. Há um dado positivo: o povo de S. Vicente já deu mais victórias a forças independentes do que qualquer outro município. Posso citar os casos do PTS (Onésimo Silveira), Movimento Arco-Iris (Isaura Gomes) – que só depois veio a ser apoiado pelo MpD – deu também uma expressão política interessante à UCID, que conseguiu bater o PAICV, apesar de toda a suamáquina partidária. Portanto, o povo de S. Vicente anda à procura de uma alternativa.
MI – Há uma questão que certamente as pessoas vão querer saber a resposta. É se a Rosário, que viveu largos anos na cidade da Praia e regressou recentemente a S. Vicente, vai continuar por cá se ir às eleições e perder?
RL – Sei lá, eu já vivi em Portugal, Cabo Verde e Estados Unidos, ciclicamente. Nasci em Portugal, vim para Cabo Verde criança, estudei na Escola Camões, fui fazer o liceu nos Estados Unidos, voltei para Cabo Verde, trabalhei, voltei a estudar em Portugal e Estados Unidos… Sendo assim, acho que não vou entrar em determinados debates. A democracia.cv tem sido dominada pelo populismo e parte desse populismo chega ao ponto de dizermos que “se não é daqui não tem nada que vir aqui fazer”.
MI – Já houve uma candidata que foi criticada pelos opositores por não residir em S. Vicente.
RL – Em primeiro lugar “mim ê dali”; em segundo lugar, o facto de ter vivido fora é uma vantagem. Estive la fora a estudar e a aprender como as coisas acontecem por esses lados, o que me dá competências para assumir esta empreitada. Mas, não acredito que o povo de S. Vicente seja preconceituoso a esse ponto porque é uma ilha que sempre aceitou estrangeiros de braços abertos. Por que razão não ira aceitar uma filha que passou muito tempo fora daqui? A minha família é toda desta ilha, o interior da minha casa foi sempre S. Vicente.
MI – Está ciente de que essa questão vai ser despoletada?
RL – Estou ciente. Se me perguntarem se vim só para concorrer, a resposta é não. Vim porque esta ilha demonstrou ao longo dos últimos três anos, desde as eleições de 2016, que talvez seja o foco da próxima revolução cabo-verdiana, de uma revolução de gestão. Talvez seja aqui que o eleitorado esteja preparado para eleger uma terceira força que não se vai ficar pelo município, que pode combater outras batalhas na região e na nação. Talvez seja aqui que as pessoas estejam mais bem preparadas porque sempre foram as mais cosmopolitas.
Disputa eleitoral a cinco
MI – Tudo leva a crer que vamos ter uma campanha com cinco candidaturas: UCID, MpD, PAICV e duas candidaturas independentes. Como vê essa luta, com tantas máquinas políticas a desbravar caminho para o mesmo objectivo?
RL – Para já encaro esse cenário como uma victória. Confirma a minha análise, segundo a qual as pessoas estáão à procura de uma alternativa para esta ilha. O normal seriam os três partidos com representação parlamentar irem disputar a Câmara entre si. O facto de já se falar em cinco candidaturas já é uma revolução por si só.
MI – Será quase impossível uma maioria absoluta com esse cenário.
RL – Para ser sincera, não acredito que todos os candidatos cheguem à corrida, mas, se isso acontecer, será muito positivo. Uma maioria absoluta nessa conjuntura será mesmo difícil. Cada candidatura vai certamente promover a sua mensagem e caberá ao povo saber se ela é populista ou séria.