Faltava vinte minutos para as 22 horas quando ecoou uma salva de palma na praceta Dom Luiz a anunciar o término do mural Cesária Évora. No rosto de Vhils e dos dois colegas que o acompanharam nessa maratona uma mistura de cansaço e satisfação. Afinal foram três dias de berbequim na mão a esculpir na parede traseira da Alliance Française a imagem gigantesca dessa ícone da cultura cabo-verdiana, num total de 24 horas no meio do sol abrasador e pela noite dentro.
Assim que assinou a obra, Vhils confessou ao Mindelinsite que se sentia cansado, mas satisfeito com o resultado. “Espero que as pessoas gostem”, declarou o artista, que se mostra orgulhoso pela oportunidade de associar o seu nome artístico a personalidades como Amílcar Cabral, cidade da Praia, e Cesária Évora, cidade do Mindelo. Duas figuras representativas de Cabo Verde e que, explica o artista português, o influenciaram.
“São duas personalidades que me influenciaram enquanto estadista e artista de gabarito internacional, por isso foi uma enorme honra fazer os dois trabalhos”, salienta Vhils, que junta Cabo Verde à sua já ampla lista de países com a sua assinatura.
No entanto, o mural Cesária Évora ameaça provocar um incidente diplomático entre Cabo Verde e Portugal. Isto porque a obra ficou num espaço cedido pela Câmara de S. Vicente para a construção do novo Centro Cultural Português, com base numa adenda a um protocolo assinada em Janeiro deste ano entre Luís Faro Ramos e Augusto Neves. Nesse acordo, a edilidade mindelense comprometia-se a ceder 425 metros quadrados nas traseiras da Biblioteca Municipal para a edificação desse empreendimento orçado em 700 mil euros, mas respeitando um prazo estabelecido.
Deste modo, a grande questão é saber se o edifício será construído no local, já que o desenho em baixo-relevo da Cise foi autorizado pela própria autarquia mindelense e com o apoio do ministério do Turismo e da Economia Marítima, através da feira Ocean Week.
Abordado sobre esse aspecto, Vhils assegura que não conhecia o projecto do centro cultural português. “Desconhecia essa questão, mas acho que as coisas podem coexistir. É possível fazer um projecto e acasalar as coisas, uma vez que a obra já está feita”, entende o artista, que defende a criação de pontes de diálogo como a melhor via de solução de conflitos.
Para Cacao, o mural da Cise é uma “obra perfeita”, que está a valorizar esse largo da Avenida Marginal. Na opinião desse artista, não faz sentido despender tanto esforço com a contratação de um artista do gabarito de Vhils para uma obra condenada à morte logo à nascença. “Há espaços à vontade em S. Vicente onde se pode construir o consulado e o centro cultural português. Para mim, esta zona devia ser uma área cultural por excelência, ainda mais depois desta obra, que homenageia um ícone da nossa cultura”, complementa Cacao, que acompanhou o trabalho de Vhils e não descarta a possibilidade de aprender a técnica desse artista português, que trabalha com o berbequim, em vez do tradicional pincel.
Construído em três dias, o mural Cesária Évora será inaugurado esta tarde. A obra já começa a ser vista como uma nova atracção turística e já há também quem defenda a atribuição do nome dessa famosa intérprete da morna e coladeira a esse largo.
Kim-Zé Brito