O Secretário de Estado Paulo Veiga negou esta manhã qualquer intenção do Governo de estabelecer um hub marítimo em Santiago na sequência da criação da novel transportadora Cabo Verde Inter-Ilhas, a ser gerida pela Transinsular. Segundo Veiga, o facto de a maior parte das ligações marítimas partirem ou terem como destino o Porto da Praia tem apenas a ver com a lógica de mercado e com os dados sobre o volume de carga e passageiros constantes de um estudo técnico desenvolvido por uma empresa internacional, a partir de dados disponibilizados pelas companhias armadoras. “Isto é tudo dinâmico, mas não é correcto dizer que Santiago passou a ser um hub marítimo. Santiago é um mercado de 300 mil habitantes e o que pretendemos é unificar as economias locais. Temos de levar as cargas e os passageiros lá onde for preciso, serão criadas novas linhas, por isso haverá uma indemnização compensatória”, frisa o governante, deixando claro que o mapa foi criado agora no arranque, mas que se trata de um instrumento dinâmico, susceptível de adaptação.
No fundo, este é também o raciocínio do empresário Luís Viúla, representante dos armadores cabo-verdianos. Para este comandante da marinha mercante, a definição das linhas marítimas é um cenário passível de alteração, dependendo das características dos navios que serão usados nas ligações inter-ilhas.
Estas declarações surgiram hoje na sequência da assinatura do acordo de compromisso entre o Governo e os armadores nacionais sobre a participação dos mesmos no capital social da Cabo Verde Inter-ilhas, empresa que irá assegurar o transporte de carga e passageiros com o suporte do Estado de Cabo Verde. Conforme a cláusula segunda, 51 por cento das acções serão detidas pela Transinsular SA, enquanto vencedora do concurso público, e as restantes distribuídas entre as nove companhias cabo-verdianas que manifestaram interesse em fazer parte da sociedade. Cada uma delas passará a ser dona de 5,44 por cento do capital, o que equivale a um investimento de 2.722 contos por cada uma delas. “Em caso de incapacidade de realização do capital social previsto, o Estado de Cabo Verde poderá assumir a referida realização, mediante penhora das acções em causa”, estabelece o acordo.
Conforme este documento, rubricado esta manhã no ministério da Ecomomia Marítima, todo o pessoal afecto às empresas armadoras pode ser integrado, como primeira opção, na Cabo Verde Inter-ilhas, após avaliação. Quem ficar de fora terá direito à sua indemnização. Entretanto, se as companhias armadoras não tiverem condições para assumir os custos das indemnizações, o acordo prevê a criação de uma equipa liderada pelo Estado que analisa a situação e propõe a assumpção do pagamento das compensações ao Governo. Diz ainda o acordo, que entrou hoje em vigor, que todo o activo apto a ser repassado para a nova empresa pode ser transferido e o remanescente vendido ou abatido, mediante prévia avaliação. Como ficou claro na conferência de imprensa conjunta, algumas embarcações terão que ser abatidas, umas devido a idade e outras por causa das condições de segurança. Os barcos que serão retirados da circulação ainda não foram identificados, mas é certo que o processo de certificação dos mesmos será levado à prática pelo Instituto Marítimo e Portuário.
Reviravolta no clima de negócio
A entrada dos armadores cabo-verdianos na sociedade resulta de uma reviravolta que, como reconhece Luís Viula, só foi possível após aturadas reuniões com o Governo nos últimos tempos. A verdade é que essa participação no capital social da CV Inter-ilhas esteve bloqueada, muito por causa da contestação dos armadores nacionais, que se sentiram excluídos do processo. Mas, segundo o referido armador, houve uma mudança no clima de negócio que abriu espaço à entrada das companhias na novel sociedade. Um dado evidente é o aumento da percentagem do capital social destinada à parte nacional, que saltou dos 25 para 49 por cento. Além disso, como explica Luís Viúla, foram abordados ainda aspectos como os activos das companhias armadoras, incentivos fiscais e a situação laboral.
Daqui a aproximadamente seis meses as ligações marítimas passarão a ser asseguradas por uma única companhia e por melhores navios. Para o Governo, nas palavras de Paulo Veiga, esta é a solução ideal. Desta forma, acrescenta o Secretário de Estado da Economia Marítima, será possível assegurar o desenvolvimento económico e social de todas as ilhas do arquipélago. A concretização desse cenário, como realça ainda essa fonte, ganhou uma peça fundamental com a assinatura esta manhã do acordo entre o Governo e os armadores nacionais Cabo Verde Fast Ferry, Adriano Lima, Polaris SA, Verdemar, Santa Luzia Salvamento Marítimo, Jo Santo e Davia UTM, Oceanomade, Sociedade Armadora Eliseu. Isto depois de na sexta-feira passada o Governo ter rubricado com a Transinsular o acordo de concessão do serviço público de transporte inter-ilhas enquanto empresa vencedora do concurso lançado em Janeiro de 2018.
Para Olavo Correia, o compromisso assinado hoje com os armadores é um facto histórico. Segundo o ministro das Finanças, as partes discutiram durante meses vários pontos fundamentais, num espírito de abertura que possibilitou a assinatura do acordo que atribui às empresas cabo-verdianas o direito a 49 por cento do capital social da Cabo Verde Inter-ilhas. Um parto com o seu nível de dificuldade, pois, como frisa Correia, mudar o status quo é sempre um processo complicado.
Kim-Zé Brito