O jurista Amadeu Oliveira confidenciou ao Mindelinsite que o colega e amigo Vieira Lopes, falecido ontem em circunstâncias ainda por apurar, costumava dizer que estava preparado para “morrer, sem vencer”. Isto porque, diz, o malogrado advogado passou a sua vida a travar guerras contra a Ordem dos Advogados – “que ele considerava uma máfia instalada” -, a burla dos terrenos na Câmara da Praia – “para ele o maior crime na história de Cabo Verde” – e o figurino da Independência nacional, mas ciente de que eram quase impossíveis de vencer.
Numa primeira reacção à notícia da morte do decano, Amadeu Oliveira realçou que Cabo Verde perdeu um homem com um elevado sentido de justiça, dotado de um conhecimento único sobre o direito. Tanto assim que, diz, nos próximos tempos não irá aparecer alguém com as suas qualidades técnicas e capacidade de investigação no ramo do Direito.
“Ele deixou muita obra e coisas por fazer. Em jeito de resumo, Vieira Lopes deixou dois volumes de gramática portuguesa prontos, a obra ‘Desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva’ – que iria dar um grande avanço no Direito cabo-verdiano – e ainda ‘A natureza jurídica da herança jacente’ e estava na prole o lançamento do livro ‘Note’ que ele escreveu ainda no tempo colonial…”, ilustra Oliveira, um dos três amigos mais selectivos de Vieira Lopes.
A morte desse octogenário acontece pouco tempo depois de o Ministério Público ter pegado numa denúncia de Vieira Lopes sobre um esquema de venda ilegal de terrenos na cidade da Praia e constituído 15 arguidos, entre os quais Arnaldo Silva, ex-governante e ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, o ex-Vereador do Urbanismo Rafael Fernandes e Alfredo Teixeira, gestor da Tecnicil. Estes e outros suspeitos foram acusados de burla qualificada, lavagem de capital, falsificação de documentos, associação criminosa e corrupção activa.
Segundo Amadeu Oliveira, este caso esteve prestes a cair no esquecimento depois de o processo ter alegadamente desaparecido dentro da Procuradoria da Comarca da Praia. “Vieira Lopes apresentou uma queixa em 2008, o processo desapareceu, mas, graças ao seu empenho pessoal ,o documento foi localizado em 2009 e registado sob o número 1234/2009”, conta Oliveira, realçando que Lopes confessou-lhe que, para ele, agora, com a acusação do MP, é que o processo dos terrenos da Praia estava realmente a começar. Só que ele não terá a oportunidade de conhecer o desfecho da sua longa e exigente investigação.
Isto porque ontem foi noticiado o falecimento de Vieira Lopes em circunstâncias ainda por esclarecer. O jurista, que vivia só num apartamento no Plateau e sofria de Parkinson, foi encontrado inconsciente em casa, com hematomas pelo corpo. Segundo Oliveira, o amigo terá estado dois dias abandonado à sorte, sem que ninguém tivesse dado conta. Levado para o hospital pelos bombeiros foi tratado e dado alta. De regresso à casa, voltou a sentir complicações, foi levado de novo para o hospital onde acabou por falecer por volta das 18 horas de ontem.
É muito provável que o corpo seja submetido a uma autópsia para se apurar a causa da morte, antes do funeral, que deve acontecer ainda hoje em Santa Catarina de Santiago, sua terra natal. É que circulam informações segundo as quais Vieira Lopes terá confidenciado a duas pessoas que foi atacado na sua casa com gás. Este dado poderá obrigar a Polícia Judiciária a abrir uma investigação para confirmar a sua veracidade.
Entretanto, Amadeu Oliveira, Joaquim Monteiro e Daniel Lopes, todos amigos do falecido, tentaram alugar um avião para se deslocarem à cidade da Praia para participar no funeral do decano e serem ouvidos antes do corpo ser dado á terra, mas o Governo não autorizou o voo por causa do Estado de Emergência.