A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde considerou injustificável a ameaça do Governo de responsabilizar os órgãos de comunicação social que divulgarem “informações não verdadeiras” sobre o coronavírus. Esta associação que congrega os jornalistas nacionais lembra que o jornalista tem como dever primordial o respeito escrupuloso pelos factos e o direito dos cidadãos à verdade. Apesar disso, informa que solicitou, ainda hoje, um posicionamento da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social em relação ao comunicado.
No documento divulgado na noite de ontem, a AJOC pede aos jornalistas para que continuem a observar os princípios e valores constantes o Código Deontológico. Diz ainda que a exclusiva submissão a essa carta de deveres é a principal arma no combate à teia de desinformação que campeia pelas redes sociais. “Para que os cidadãos continuem a ter acesso a uma informação verídica, oportuna e transparente sobre a pandemia do COVID-19, a AJOC pede aos jornalistas que reportem factos apurados através de fontes científicas confiáveis. Só assim será possível evitar especulações e o sensacionalismo, passíveis de criar um clima de alarme social, pânico e medo, o que só prejudica o combate eficaz ao vírus”, pontua.
Tentativa de controlo dos OCS
Neste sentido, diz ver com agrado o esforço do Governo no sentido de, finalmente, pôr de pé uma estratégia de comunicação no contexto de uma grave crise de saúde pública, com responsabilidades atribuídas a alguns actores centrais, nomeadamente o Chefe do Governo e os titulares das pastas da Saúde e da Protecção Social. Congratula ainda com o reconhecimento, por parte do Executivo, do papel que os meios de comunicação Social tem vindo a desempenhar, enquanto parceiros, na luta conta o COVID-19, a AJOC vê com preocupação a tentativa de controlo dos “veículos de informação” anunciada ontem em comunicado pelo Executivo.
Porém, afirma, ao ameaçar com responsabilização judicial os órgãos de comunicação social que “publicarem informações não verdadeiras neste momento de estado de contingência…”, segundo a AJOC, o Governo, para além de dar o dito por não dito em relação ao contributo da imprensa na luta contra o surto do novo coronavírus, responsabiliza-a pela disseminação de notícias falsas. “Trata-se de uma acusação ligeira e sem qualquer aderência à realidade e que outra intenção não tem senão o de silenciar a comunicação social e condicionar o trabalho dos jornalistas. A AJOC lembra que os limites à liberdade de imprensa estão devidamente assinalados na CRCV e na Lei da Comunicação Social”, lê-se no comunicado.
A AJOC deixa claro que concorda que a desinformação, as fake news, os boatos e os rumores minam a democracia e criam um clima de medo e de alarme social. Defende, no entanto, que este fenómeno só se combate com uma informação verdadeira, oportuna e transparente, e com uma aposta forte na literacia mediática. “O combate à informação não apurada jamais poderá fazer-se pela via da censura, mas sim pelo cumprimento das regras de ouro que norteiam o exercício da profissão de jornalista. A verdade da informação só se consegue mediante o acesso livre a informações confiáveis e, preferencialmente, pela diversificação de fontes. Por isso, a AJOC apela ao Governo a abrir todas as fontes de informação, de molde a que os jornalistas possam recolher os elementos necessários e imprescindíveis que lhes permitam noticiar com confiança”, avisa.
Perseguição à imprensa
Lembra ainda a organização que, à luz da CRCV, “aos jornalistas é garantido, nos termos da lei, o acesso às fontes de informação e assegurada a protecção da independência e sigilo profissionais, não podendo nenhum jornalista ser obrigado a revelar as suas fontes de informação”. E ainda: a instauração do estado de contingência “ou de outro que vier a ser declarado” (emergência ou sítio), não significa a suspensão ou fim da democracia, logo, da liberdade de imprensa. “Os períodos de excepção na vida das Nações, com graves prejuízos em termos de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em nome de outros valores constitucionalmente relevantes, quais sejam a segurança e a saúde pública, não autorizam os governos a desencantar medidas de má memória como ‘o delito de opinião’, ‘a lei do boato’, a ‘lei da rolha’, ou para a perseguir de forma implacável a imprensa”, lê-se.
Como forma de tranquilizar os seus associados, a AJOC informa que solicitou ainda hoje um posicionamento com carácter de urgência à Autoridade Reguladora para a Comunicação Social em relação ao Comunicado do Governo. A entidade termina o seu comunicado recuperando as declarações do Director Geral da Federação Internacional dos Jornalistas, que diz que “a responsabilidade do jornalista perante o público tem precedência sobre qualquer outra responsabilidade. Os média podem aumentar a consciência pública em relação ao coronavírus por meio de reportagens que educam, alertam e informam adequadamente sobre a pandemia. Desta forma, eles também podem fazer parte da solução. É neste tipo de contexto que temos a oportunidade de demonstrar novamente aos cidadãos o valor da qualidade do jornalismo ético ”.
Constança de Pina