Accionistas minoritários indignados com a distribuição de “reservas” da Enacol

Accionistas minoritários da petrolífera Enacol estão indignados com a decisão da administração, aprovada ontem em Assembleia-Geral, de distribuir dividendos em valores superiores a mil milhão de escudos, montante que obriga a empresa a “mexer” nas suas reservas. O Conselho de Administração da empresa propôs e a Assembleia-Geral aprovou que “o resultado líquido apurado, no montante de 855.467.155 escudos seja distribuído em forma de dividendos aos seus acionistas”. E ainda que, sejam distribuídos, com origem em “resultados acumulados” de exercícios anteriores, logo das reservas acumuladas, o montante de 247.182.845 escudos, perfazendo um valor global de distribuição aos acionistas de 1.102.650 mil escudos. 

Estes sócios, que detêm mais ou menos 10% das ações da petrolífera, alegam que esta decisão leva à descapitalização da empresa, que é estratégica para Cabo Verde, numa altura em, por causa do Covid-19, exige-se prudência em relação aos recursos que se propõe retirar de Cabo Verde. “A Enacol está a propor aplicar em dividendos valores superiores aos resultados líquidos do exercício económico de 2019, que foram de pouco mais de 850 mil contos. Com esta medida estão a descapitalizar esta empresa, que é estratégica para o país. Quem faz isso é porque não tem nenhum interesse em preservar aquilo que é nosso, porque não tem nenhuma intenção estratégica para com a empresa e o país, por isso a minha indignação”, diz uma fonte ouvida por Mindelinsite, para quem esta é uma decisão de lesa pátria e que tem por base apenas vaidades pessoais. 

A Galp Portuguesa e a Sonangol Angolana detêm a grande maioria das acções da Enacol, cerca de 90%, o que significa que parte substancial do dinheiro que vai ser retirada da empresa – resultados líquidos e reservas -, vai para fora do país. “Dos cerca de 1.100 milhões de escudos que a Enacol pretende distribuir em forma de dividendos, 1.000 milhões de escudos vazam para os cofres das duas empresas e só 100 milhões permanecerão no país. É a quantia que cabe aos acionistas minoritários. Estamos à beira da pior crise que Cabo Verde irá enfrentar, desde que é um pais independente, e as medidas que se exigem de todos nós neste momento, sejam pessoas particulares, empresas e instituições são, claramente, de contenção.”

Para um outro acionista, “a distribuição de reservas ocorre em momentos de exceção, quando não se perspetiva que as empresas possam vir a ser confrontadas com novas necessidades de investimento. Uma empresa com a responsabilidade da Enacol, que ao longo dos anos se mostrou prudente, exatamente pelo volume de investimentos que a natureza da sua atividade se lhe obriga, jamais poderia, numa situação de crise eminente, devido ao Covid-19, aprovar essa nítida descapitalização da empresa e promover a saída massiva de recursos do país.” Nessa linha de ideias, esse mesmo acionista exorta o Governo a apelar ao sentido de responsabilidade social aos dois maiores acionistas, Galp (Petrogal) e Sonangol, para voltar atrás nessa decisão, por consubstanciar, na presente conjuntura, quase um crime de lesa pátria.

De salientar que a empresa dispõe atualmente de uma liquidez imediata pouco superior aos valores aprovados para distribuição, conforme atesta o balanço em 31 de dezembro de 2019, aprovado nessa mesma Assembleia-Geral, o que compromete o próprio funcionamento da empresa e sua capacidade de aprovisionamento futuro. O documento, a que o Mindelinsite teve acesso, revela no capítulo dedicado a “Proposta de aplicação de resultados” que a proposta de distribuição de dividendos aos accionistas justifica-se pela reforçada posição de caixa e sólida estrutura de capital da Enacol em 2019, bem como em cumprimento dos artigos 252 e 254 do Código das Sociedades Comerciais. Um contrassenso total, a liquidez imediata é pouco superior ao valor aprovado para distribuição.

Na reunião realizada esta quarta-feira, 18, foi aprovada ainda o Plano de Actividades e Orçamento para o exercício económico seguinte. Tentamos ouvir o director-geral da Enacol, Abílio Madalena, mas este mandou avisar, através da sua secretária, que a empresa não tem por hábito prestar informações sobre a gestão à imprensa.

Constânca de Pina

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