Movimento #Nada cresce entre emigrantes: “O ‘terrorismo’ nas alfândegas tornou-nos reféns do sistema”

O movimento #Nada, criado há quase dois meses por Zandir Santos, está a ganhar popularidade entre os emigrantes, que decidiram boicotar as alfândegas em Cabo Verde devido aos valores “exorbitantes” cobrados pelos serviços aduaneiros. Segundo esse emigrante, que vive agora entre S. Vicente e os Estados Unidos da América, a cada dia surgem pessoas dispostas a aderir a essa forma de luta por se sentirem “reféns” do sistema aduaneiro implementado no país. O objectivo, diz o mentor, é levar os conterrâneos e emigrantes, enquanto fontes de remessa de mercadorias para o arquipélago, a exercer a democracia à base da pressão económica.

“Queremos atacar o sistema pelo lado económico e levar os governantes do nosso país a repensarem os preços cobrados nas alfândegas. Eles precisam de nós para governarem, o dinheiro do Orçamento do Estado vem dos nossos bolsos”, enfatiza Santos, que tomou essa iniciativa após ser obrigado a pagar um valor “injusto” pela importação de alguns produtos.

Eu trouxe uma mercadoria para a minha loja online, foi-me cobrado um valor que equivalia a 90 porcento do preço dos artigos. Quando tentei questionar o porquê do preço cobrado não quiseram falar comigo, proibiram-me de gravar o que estava a acontecer no espaço e até fui preso por expor o meu desagrado”, recorda Zandir Santos, que passou a usar as redes sociais para protestar.

Decidido a fazer algo para mudar o status, esse jovem resolveu criar o movimento, denominado #Nada, (hashtag nada), que, diz, tem estado a ganhar amplitude a cada dia. À verdade é que, à medida que tem divulgado o seu descontentamento pelas redes sociais, mais queixas vão surgindo.

Vany Moreira é uma das emigrantes que se deparou com problemas quando enviou “encomendas para a terra”. A jovem vive na Itália e, estando de ferias em Cabo Verde, foi retirar uma carga que tinha enviado ao país. Para seu espanto, deparou-se com uma conta de quase 80 mil escudos, só para levantar um caixote e dois bidões. “Eles abriram meu caixote, separaram o que era novo do que era usado e cobraram nos artigos novos quase o triplo do valor que os comprei. Tentei falar com o responsável da alfândega e não fui recebida porque, segundo me disseram, o director não trata desses assuntos. Sem deixar de referir que depois de meses nesta burocracia de ida e vinda, quando finalmente paguei e entregaram-me a carga, dei por falta de alguns pertences”, lamenta Vany Moreira. Esta acrescenta que não pensa mais enviar encomendas para a casa até que haja uma política de preços mais “justa e transparente”. 

Carta de condução para despachar carro

Elton Rocha, por sua vez, faz referência a algumas irregularidades no despacho de um carro, “um ligeiro de passageiro que passou a constar no documento da alfândega como um veículo pesado”. Uma classificação que, prossegue, aumentou o preço no despacho. O que deixou o jovem estupefacto, no entanto, é o facto de lhe terem exigido ainda a apresentação da carta de condução para poder levantar o carro.

Para Cassy Lopes, a burocracia foi o seu maior entrave numa altura em que estava de mudança para o seu país, aos 36 anos de idade. “Eles questionaram o meu carácter e a minha integridade. Perguntaram-me onde consegui dinheiro para adquirir os meus bens, por ser tão jovem, e tive que mandar comprovativos de compra do veículo. E, apesar de ter apresentado o comprovativo, eles, dentro da alfândega, avaliaram meu carro num valor bem superior ao que paguei e aplicaram-me uma multa de 80 mil escudos por ter apresentado um preço abaixo do que acharam que o carro valia”, assegura o jovem. Alem da alfândega, Lopes teve ainda problemas com a variedade de preços aplicados entre os despachantes para poder receber o seu contentor, que continha os seus bens de mudança.

Denúncias seguidas de represálias

Elton Rocha sente-se perseguido, uma vez que, quando tentou tirar a carta de condução exigida pela alfândega, ficou convencido que houve interferências externas para que reprovasse.

Por seu Lado, Vany Moreira, ao colocar um post no Facebook indignada com a situação vivida durante o despacho, não conseguiu sequer receber o comprovativo do despachante que tratou do assunto. Segundo Vany, o despachante não ficou contente com o comentário e advertiu-lhe que não deveria ter recorrido às redes sociais para este tipo de denúncia. 

Zandir Santos Santos diz conhecer um caso de alguém que passou a ser ameaçado depois de ter exposto nas redes sociais o preço “exorbitante” pago a um despachante para levantar os seus pertences. De acordo com Santos, os problemas e reclamações sempre existiram, mas que faltava uma voz para “começar a gritar”. Daí ter lançado o movimento #Nada, por se sentir livre de amarras, por não depender de nenhum patrão para garantir o seu trabalho.

O despachante António Lima esclarece que, apesar do trabalho dos despachantes ser regido por uma tabela de preço aprovada pela entidade competente, conhece rumores sobre variação de preços entre a classe, casos que, admite, sāo difíceis de serem provados. Abordado ainda sobre algumas preocupações levantadas por utentes, esclarece que, no caso da carta de condução, este documento é um dos requisitos fundamentais para a isenção de algumas taxas cobradas aos emigrantes.

Quanto ao questionário a que os utentes podem estar sujeitos no levantamento dos pertences, enfatiza que os cidadãos podem ser levados a  responder um questionário caso não sejam reformados, mas que esta burocracia “não é lei”. Salienta, entretanto, que, a partir dos 4 anos de emigração, os cabo-verdianos adquirem um estatuto que lhes concede algumas regalias no regresso definitivo ao país.

Contactado, o responsável pela Alfândega em São Vicente, Octávio Costa, negou prestar esclarecimentos, uma vez que “só responde aos superiores hierárquicos”.

Sidneia Newton (Estagiária)

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