Na véspera da entrada em vigor da nova lei do álcool em Cabo Verde, empresas e pessoas ligadas à venda e publicidade de bebidas alcoólicas interrogam-se acerca da sua amplitude e do futuro do mercado. É que, apesar de concordarem com uma lei de controlo do consumo de bebidas alcoólicas em alguns locais, dada a alta taxa de alcoolismo no país, a falta da sua socialização no terreno pelas entidades reguladoras e legislativas levam-nos a questionar se as restrições não serão excessivas para o mercado.
Será que se estará perante uma nova era de contrabando de álcool, como se assistiu no tempo colonial, quando foi proibida a comercialização do grogue? Cacoi previu numa morna muito popular que no dia 15 o grogue iria acabar. Décadas depois, o Governo de Cabo Verde instituiu o dia 5 como a data em que passará a haver maiores restrições ao consumo, venda e publicidade de “todo tipo de bebidas com título alcoométrico igual ou superior a 0,5g/l (zero vírgula cinco gramas por litro).”
Apesar da deliberação publicado a 8 de Abril, a dois dias da entrada em vigor da lei os empresários e a própria sociedade pedem mais esclarecimentos para que não haja várias interpretações do mesma.
A empresa Sals, representante de uma marca internacional de cerveja, das mais consumidas no país, ainda aguarda esclarecimentos mais detalhados acerca da lei para implementar novas estratégias de comercialização e divulgação da bebida.
“Desde a saída no Boletim Oficial, como uma das maiores empresas de bebidas em Cabo Verde, a Salss não poderia estar mais alinhada com a lei e preocupada com o alcoolismo em Cabo Verde. Ainda não tomamos nenhuma medida, porque estamos ainda à espera que a lei entre em vigor”, expõe Cândido Salomão.
Eurico Évora, promotor de eventos e do espaço Manuel d’Novas, acredita que a lei não irá ter implicações no seu trabalho, uma vez que, como diz, nos eventos e espaços que gere, há a sensibilidade acerca da venda de bebidas alcoólicas a menores. No entanto questiona se haverá fiscalização nos espaços de modo a haver o cumprimento da medida.
De igual forma, Elvis Tiene, que tem um estabelecimento de restauração a alguns metros do parque infantil da Avenida Marginal, acredita que a deliberação não irá alterar o funcionamento e as vendas no seu espaço. Recebeu indicações que deverá recolher o material publicitário das marcas de bebidas alcoólicas e pondera fazê-lo ainda esta semana. “Quando saiu a lei, tive o cuidado de analisá-lo para perceber que implicações teria e concordei com alguns pontos”, assegura este empresário.
Empregos em risco
Ao mesmo tempo que Tiene se congratula com algumas restrições sobre a venda e consumo de álcool, lamenta que com a retirada da publicidade alguns trabalhadores sejam dispensados. É o caso de um jovem que trabalha na divulgação de uma marca de bebida alcoólica em estabelecimentos e em “cervejadas”. Este vê a sua careira com os dias contatos, uma vez que não sabe se depois do dia 5 terá alguma função dentro da empresa.
Este jovem, que prefere o anonimato, concorda que a situação do consumo de bebidas alcoólicas em Cabo Verde seja preocupante, mas vê as várias proibições como sendo excessivas. Por outro lado questiona o tratamento diferenciado que a lei faz sobre o consumo, venda e publicidade em festivais, que são, na sua opinião, os eventos onde a sensibilização deveria ser mais incisiva.
A empresa Salss também não sabe se os jovens contratados para o marketing da bebida que distribui terão emprego após a entrada em vigor da lei. “Temos colaboradores em São Vicente, na Praia e no Sal que fazem o contacto direto com os estabelecimentos. Temos concursos de bola, carteiras, entre outros objetos relacionados com a cerveja e não sabemos se o marketing vai passar a ser apenas nalguns estabelecimentos ou se será nulo”, diz Cândido Salomão.
De acordo com o empresário, falta uma socialização melhor da lei. Sem essa operação, todos ficam confusos sobre a sua interpretação.
Implicações económicas
De acordo com o representante da Salss, com a lei poderá ser preciso a retirada de todos os pertences com marcas da bebida dos estabelecimentos, o que trará prejuízo económico para estes locais. “Distribuímos mesas e cadeiras e frigoríficos com diversos usos para os estabelecimentos. Um frigorifico daqueles custa pelo menos 80 mil escudos e não nos interessa recolhê-los porque sabemos que terá implicações económicas nestes locais”, sublinha Salomão. Por outro lado, a empresa espera ainda para ver qual será a tendência das vendas, após 5 de Outubro.
Alcoolismo em Cabo Verde
A alta taxa de alcoolismo em Cabo Verde parece preocupar todos os nossos entrevistados. Estes defendem que a situação demandava mudanças, mas principalmente em termos de fiscalização.
“Em São Vicente, o Código de Posturas não permite que pessoas andem nas ruas carregando copos ou garrafas nas mãos ou que consumam em locais públicos. A medida não é nova”, explica o representante da Salss, que questiona como será feita agora a abordagem pela Polícia, se haverá uso de força para combater esta atitude em caso de prevaricação.
Por outro lado, o jovem que teme ficar sem emprego receia ainda que, devido a tantas proibições, o efeito da lei seja o contrário do pretendido. “Em casa, as pessoas podem passar a consumir mais do que se estivessem numa esplanada na Praça Nova, por exemplo.”
Contra a proibição, a favor da informação e sensibilização
António Monteiro, presidente da UCID, acredita que, se a lei for devidamente regulamentada, poderá ajudar a sociedade, uma vez que o álcool tornou-se num perigo para a saúde pública. Adverte, no entanto, que não houve a devida socialização e isso fez com que houvesse ruído entre comerciantes do interior de Santiago, que questionam o futuro dos negócios.
Este deputado e líder da UCID adianta que não é a favor da proibição, mas sim da informação e sensibilização das pessoas. “O ser humano, de uma forma geral tem a tendência de ir para o que é proibido e, provavelmente, iremos criar conflitos desnecessários”, entende.
O papel da comunicação também será importante, na visão de Monteiro, caso a intenção da lei, publicada no Boletim Oficial a 8 de Abril, for de fazer valer a diminuição do consumo de álcool, através da sensibilização. Ao mesmo tempo acredita que a lei deveria levar em conta a sensibilidade da população, caso contrário não terá o efeito pretendido.
“Vamos ver se o governo estará atento ao impacto que esta deliberação trará na vida das pessoas e que possa corrigi-la, caso os resultados não forem os desejados”, conclui esse político.
Sidneia Newton (Estagiária)