Percorrem a cidade do Mindelo sempre de mãos dadas e às vezes abraçados. Mas não é só porque Maria da Cruz é uma invisual e precisa ser conduzida pelos olhos do companheiro João Batista, mais conhecido por Jôn Barba: estão conectados pela força do amor, realçam.
Os dois se conhecem faz muito tempo. Ambos tinham a sua família própria e Maria da Cruz conseguia ver com normalidade. Entretanto, ela sofreu um desgosto com a morte por afogamento de um companheiro, pescador que costumava mergulhar pelos lados de Lin d’Guintxe. O corpo foi encontrado dias depois na praia do Lazareto. Entretanto, Maria da Cruz reatou outra relação, mas, conta, o novo companheiro teve que ir a Santo Antão tomar conta dos pais. E coube a Jôn Barba a missão de lhe dar a notícia.
“Fiquei sem chão com a notícia. Como iria agora fazer para tocar a minha vida, sem alguém para me ajudar!?”, disse Maria da Cruz a Jôn Barba. É que, por essa altura do campeonato, ela já estava cega devido a um derrame cerebral.
Para sorte dela, Jôn Barba prontificou-se a acompanhá-la “dentro do respeito” nos seus afazeres sempre que precisasse. Palavra dada, palavra cumprida. “Ele tratou-me sempre com cordialidade e respeito. Saíamos e ele regressava comigo e depois ia para a sua casa”, revela Maria da Cruz.
O tempo foi passando e a relação entre os dois se consolidando. Até que um dia, Maria da Cruz decidiu propor ao amigo que ficassem juntos, assumissem um relacionamento. “Ele era viúvo e eu fui abandonada. Ele sempre me tratou bem, não tínhamos nenhum impedimento”, conta Maria da Cruz.
Sem pestanejar, Jôn Barba aceitou a proposta. Afinal das contas, ele já estava apaixonado. Admite que foi a melhor decisão que tomaram.
Há quatro anos que passaram a ser um casal. E, para Jôn Barba, a condição de invisual da amada não representa nenhum entrave. “Somos felizes, à nossa maneira”, admite.
O casal sobrevive da pensão de ambos e de ajudas pontuais que recebe de pessoas amigas. É que neste momento nenhum deles trabalha. Jôn Barba, 77 anos, costumava ser contratado para obras. Mas acabou por fracturar uma perna e sente dores nas costas. Quanto a Maria da Cruz, está a recuperar-se das mazelas de uma AVC.
Para ela foi um trauma profundo perceber que deixou de ver, assim de repente. Foi preciso uma penosa “travessia do deserto” para aceitar a sua nova condição e voltar a andar. Ela que passou muito tempo a ser alimentada como se fosse uma bebé. Hoje, ela diz estar tranquila, feliz por poder caminhar e acompanhar o marido nas voltas que dão pela cidade do Mindelo.
Jôn Barba assume ser um homem apaixonado. Se não fosse verdade, diz, já teria abandonado Maria da Cruz. Faz quatro anos que estão juntos e sente-se um homem realizado.