A cidade do Mindelo vai manifestar este Sábado a sua indignação pelo brutal assassinato do jovem estudante Luís Giovani Rodrigues em Portugal, numa marcha silenciosa marcada para a mesma hora em que irão decorrer iniciativas similares organizadas por estudantes cabo-verdianos em várias urbes lusas, nomeadamente em Bragança, onde o jovem estava a cursar. Em S. Vicente, a movimentação popular foi convocada pelo movimento cívico Sokols-2017, a pedido da própria sociedade civil, segundo Salvador Mascarenhas. “Estivemos à espera de outras iniciativas, mas fomos pressionados a assumir a organização porque o tempo vai passando e precisamos mostrar a nossa indignação em relação a um crime tão hediondo. Ao mesmo tempo queremos mostrar a nossa solidariedade para com a família da vítima”, explica o líder do Sokols, frisando que essa marcha acaba por ser contra todo o tipo de ódio e discriminação.
Para o movimento Sokols, tudo indica que Giovani foi vítima de um crime de manifestos contornos racistas, cometido por um grupo de portugueses. “Vamos de preto ou branco demonstrar a nossa indignação perante este bárbaro assassinato com manifestos contornos racistas!”, escreve o movimento numa nota na sua página no Facebook. Apesar disso, Salvador Mascarenhas afirma que irá dar a mão à palmatória se for provado que está errado. É que, diz, esta não é a primeira vez que delitos raciais acontecem em Portugal, nomeadamente em Bragança.
Para Salvador Mascarenhas, outro sinal que não pode ser ignorado é a própria cobertura que esse crime tem merecido da imprensa portuguesa. Para ele, a “fraca atenção” dada pela comunicação social lusa ao acontecimento demonstra indiferença para com a vida do jovem cabo-verdiano e comporta em si uma postura discriminatória. Este afirma que a imprensa lusa teria uma atitude inversamente proporcional se fosse um “branco” morto por um grupo de “pretos”.
O Sokols ainda não sabe dizer quantas pessoas poderão comparecer no local da concentração, isto é na Praça Dom Luís, este Sábado pelas 14 horas. Mas, para Salvador Mascarenhas, duas mil almas já era um “bom” número. O objectivo da marcha, adianta, é exigir que seja feita justiça e haja um total esclarecimento da ocorrência. Todo o trajecto – Praça Dom Luís, Rua de Lisboa, Avenida Baltazar Lopes da Silva, Rua Patrice Lubumba, Praça Amilcar Cabral, Avenida 5 de Julho e regresso à Praceta – será feita em silêncio por pessoas trajadas com camisolas de cores preta e branca. No final, será dada a palavra a quem quiser comentar o sucedido ou enviar alguma mensagem.
O apelo a essa marcha, adianta Salvador Mascarenhas, nasceu nas redes sociais. Aliás, este enaltece a forma como os cabo-verdianos usaram a Internet para repudiarem o crime e pressionar as autoridades cabo-verdianas e portuguesas a dar a devida atenção ao caso. Como resultado, diz, os governos de Cabo Verde e de Portugal já se comprometeram publicamente a deslindar os contornos desse episódio, o que, na sua opinião, não iria acontecer se todos ficassem em silêncio.
Na verdade, vários textos e vídeos já foram postados nas redes sociais nesta última semana, ou seja, logo após a divulgação da morte de Giovani, falecido na madrugada de 31 de Dezembro, dez depois de ser agredido com uma paulada na cabeça. O corpo, conforme o jornal Expresso, foi encontrado pelos Bombeiros Voluntários de Bragança, que chegaram ao local três minutos depois de serem alertados para um homem caído na avenida Sá Carneiro, no centro da cidade, numa rampa de acesso para pessoas com mobilidade reduzida. Os bombeiros saíram de urgência para acudir aquilo que, segundo noticia o jornal, foi-lhes comunicado como um caso de “intoxicação” – “uma categoria que englobe uma série de episódios, sendo o consumo excessivo de álcool um dos mais frequentes”.
Paulada na cabeça
Em declarações a esse jornal português, o Comandante dos Bombeiros de Bragança conta que a primeira equipa encontrou um jovem deitado no chão inconsciente. A equipa fez a primeira abordagem ao indivíduo e só quando o transferiu para a ambulância notou que tinha uma hematoma na testa. “Então perceberam a gravidade da situação e levaram-no para a unidade de saúde de Bragança”, revela o Expresso, assegurando que Giovani deu entrada nas urgências às quatro horas da madrugada. Devido ao seu estado de saúde, foi transferido para o Hospital de Santo António, no Porto. O referido comandante dos bombeiros realça que apanham pessoas embriagadas uma vez ou outra e que “situações como esta” não se lembra de ter assistido e muito menos com tal desfecho – a morte de um jovem agredido.
Na reportagem do Expresso, fica claro que Giovani estava com outros amigos no bar Lagoa Azul, onde passaram a noite a divertir-se até a hora do encerramento. Lá dentro, o ambiente estava calmo. “O primeiro relato daquela noite foi feito por Reinaldo Rodrigues, primo de Giovani e o seu contacto de emergência, ao jornal ‘Contacto’ e dava conta que ainda dentro do Lagoa Azul um amigo de Giovani tinha-se envolvido em problemas com um outro homem por ter tocado, sem intenção, numa mulher enquanto esperavam na fila de pagamento. No entanto, Virgílio Afonso garante que o ‘único problema daquela noite’ não inclui nem Giovani nem qualquer um dos seus amigos”, relata o Expresso, acrescentando que tudo aconteceu após o fecho do bar.
De acordo com um primo de Giovani, ao virar de uma esquina, os três amigos cabo-verdianos foram confrontados pelo homem com quem um deles tinha tido problemas no bar e um grupo de cerca de 15 rapazes armados com cintos, ferros e paus. Estes “caíram” em cima de um dos amigos de Giovani, que ficou com o corpo cheio de hematomas. Entretanto, Giovani foi pedir para pararem com as agressões e, antes de acabar a frase, levou com uma paulada na cabeça, segundo depoimento de Reinaldo Rodrigues.
Feito isto, o grupo de agressores fugiu. Os cabo-verdianos, por sua vez, saíram a correr e dois dos amigos pararam porque um deles se apercebeu que perdera a carteira e o telemóvel. Voltaram para trás, mas Giovani continuou a correr, acabando por ficar sozinho. Mais tarde foi encontrado inconsciente.
Declarações do dono do bar indicam que Giovani e os amigos agiram de forma “normal” no espaço comercial. Estes estavam a divertir-se e em nenhum momento deram sinais de estarem embriagados.
O caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária portuguesa, que já teve acesso às imagens de videovigilância do bar. Fala-se que alguns suspeitos forma identificados e detidos, mas esta informação ainda não parece ser totalmente segura.
O certo é que alunos cabo-verdianos vão promover este Sábado em Portugal uma marcha silenciosa como sinal de protesto pela morte de Giovani Rodrigues, jovem de 21 anos nascido na ilha do Fogo. As marchas deverão acontecer em simultâneo nas cidades da Guarda, Porto, Coimbra, Lisboa, Bragança, Évora e Covilhã este Sábado a partir das 14h de Cabo Verde. Na Europa, cabo-verdianos residentes noutros pontos, como Paris, Luxemburgo e Londres também aderiram à iniciativa. O mesmo poderá acontecer na cidade de Brockton, nos Estados Unidos.
Além disso, os manifestantes vão fazer vigílias em memória do jovem falecido no dia 31 de Dezembro vítima de agressão. Em Cabo Verde, conforme o jornal Expresso das Ilhas, estão previstas manifestações pacíficas ainda nas ilhas do Maio, Fogo, Santiago e Boa Vista.