Os ânimos estiveram exaltados na manhã de hoje na frente da Câmara Municipal, com algumas dezenas de ambulantes a manifestarem o seu descontentamento. É que, durante uma operação conjunta realizada por fiscais do município e Polícia Nacional, tinas de produtos foram apreendidos e seis jovens detidos e levados para o Serviço de Fiscalização da Câmara Municipal para prestar esclarecimentos.
Foi uma das ambulantes, que se identificou como Artemísia, que chamou a imprensa para mostrar o descontentamento e apelar às autoridades para ouvirem as pessoas e, principalmente, para criarem as condições para poderem vender nos mercados. “Os fiscais e a polícia têm os ambulantes desorientados. Não querem que estejamos na rua a vender, mas ninguém nos dá trabalho. Somos maioritariamente jovens-mães, chefes de família e com responsabilidades. Vamos para as hortas comprar produtos para vender para garantir a sobrevivência dos nossos filhos. Entendemos que os produtos sejam apreendidos quando as tinas estão no chão. Agora, tirar uma tina da cabeça de uma mulher ou puxar as bolsas das mãos dos rapazes já é demais.”
Artemísia conta que pagam 110 escudos todos os dias para vender na Praça Estrela, um lugar sem as mínimas condições de higiene. Aliás, são as próprias ambulantes que têm de limpar o local para não afugentar os clientes porque, alega, nas vezes que chamaram a Câmara Municipal para fazer isso, não apareceram. As palavras desta ambulante são corroboradas por Cíntia, 23, anos, que diz ter testemunhado fiscais a agredirem um jovem.
“A minha mãe é ambulante e eu também cresci na rua, com uma tina na cabeça. Foi o nosso ganha-pão por longos anos. Passava o dia na rua com uma tina na cabeça. Antes de ir para a escola, comprava uma canja por 50 escudos, também na rua, para matar a fome. Hoje já não estou nesta vida, mas não acho correcto que o que está a acontecer. É um abuso o que os fiscais estão a fazer. Vi um deles dar uma gravata num jovem, que depois foi levado pela Polícia. É uma injustiça e não concordo”, desabafa.
Estas duas jovens-mulheres que faziam parte de um grupo significativo de ambulantes que manifestavam na porta da CMSV admitem que é preciso uma autorização para vender na rua. Também dizem estar conscientes que não podem ocupar os passeios, mas alegam que a autarquia não está a emitir licença e precisam sobreviver. Também não há emprego para os jovens. “Então que nos deem emprego.”
Fiscalização: trabalho duro e coercivo
Na ausência do vereador que tutela esta área, José Carlos, o responsável pela fiscalização da CMSV, João Barros, disse que os fiscais fazem um trabalho duro, difícil e coercivo. Mas também fazem um trabalho pedagógico. “Já estivemos na rua a fazer um levantamento e a mostrar que não há licença para venda ambulante. Também sinalizamos 40 vagas disponíveis no mercado municipal, mas ninguém quer ocupar estes lugares. Inclusive oferecemos, como vantagem, a possibilidade de não pagarem os dois primeiros meses pela pedra, mas ninguém quis”, revela
Preferem, segundo João Barros, vender na rua e colocar as tinas na cabeça sempre que avistam um fiscal para tentar despistar. Depois que este afasta continuam a vender no mesmo sítio. E todos os dias é esta luta de gato e rato pelas ruas da cidade do Mindelo. E quando fazem alguma apreensão, as pessoas reagem com violência. “Há dias um dos nossos fiscais foi agredido. Foi levar pontos no hospital. Um auxiliar foi mordido e um outro ferido na cabeça, para além das muitas ofensas verbais”, pontua.
Em relação a operação da manhã de hoje, este responsável nega determinantemente que tenha havido qualquer agressão por parte dos fiscais. Admite, no entanto, a apreensão de produtos. “A questão das tinas, repare, quando passamos por um local, os ambulantes seguram as tinas nos braços ou na cabeça. Quando afastamos um bocadinho voltam ao local. Esta atitude às vezes irrita, mas não acho que tenha evoluído para agressão. Alegam sempre que este é o seu ganha-pão. Percebo as dificuldades, mas precisamos que a cidade esteja organizada. Futuramente a situação vai agravar porque vamos ter polícias municipais. Tento passar esta mensagem para os ambulantes, mas não aceitam”, lamenta.
Constânça de Pina