Enseada d’Coral da Laginha: Como é possível?

Por Guilherme Mascarenhas

Como é possível que a C.M.S.V e a ENAPOR tenham implementado o desvio das águas pluviais para a Enseada d’Coral (“Os quatro canhões de lama”) sem o devido estudo de impacto ambiental, ignorando e desprezando a legislação do país e todos os utentes da Praia da Laginha, Enseada d’Coral e “Pedra de doca”?

Como é possível que a opinião de três dos mais experientes especialistas em Biologia marinha do país, todos biólogos, docentes, investigadores e mergulhadores da FECM da UniCV, tenha sido completamente ignorada e desprezada?

Como é possível que todas as provas da vida marinha existente no local (mais de 400 espécies marinhas com uma representatividade considerável da biodiversidade cabo-verdiana) conseguidas por mim, em centenas de mergulhos, muitas horas de estudo para poder identificar as espécies fotografadas, muitas horas na seleção, edição e publicação de centenas de imagens, sejam completamente ignoradas?

Como é possível que os impactos da pequena chuva (cerca de 28 mm) caída a 06.09.18, e que ainda se fazem sentir, não sejam suficientes para convencer as autoridades locais e nacionais que cometeram um erro grave?

Como é possível que este laboratório vivo da Universidade de Cabo Verde, na qual se realizam muitas aulas práticas, trabalhos de fim de curso (alguns originando artigos científicos) esteja à beira da destruição, e nenhuma autoridade intervenha para impedir que isso aconteça?

Como é que as centenas de pessoas que tem participado nos mais de 30 mergulhos de apoio, realizados semanalmente, as muitas fotografias e vídeos publicados e divulgados na internet, ainda não conseguiram sensibilizar as nossas autoridades para intervir e proteger o local?

Como é possível que esta piscina de águas transparentes e relativamente seguras, na qual nadadores e banhistas se deleitam nas suas águas  transparentes e apreciam a vida marinha enquanto nadam, também utilizada por bodyboarders e surfistas quando a ondulação é adequada, apesar do esporão ter reduzido as condições para essas práticas, não signifique nada para as nossas autoridades?

Como é possível que este Oceanário natural, património de Cabo Verde ( e logo de todos nós), localizado no 2º maior centro urbano do país, na qual é rápido e fácil chegar, spot de mergulho,importante laboratório para conhecimento da fauna e flora marinha cabo-verdianas e para a educação ambiental (já temos o projeto e financiador para uma trilha interpretativa subaquática e estamos apenas à espera da autorização do IMP, solicitada à cerca de duas semanas),  esteja condenado à destruição?

A promessa da ENAPOR de estender a tubagem da saída das águas pluviais para além do esporão parece ter caída no esquecimento e as autoridades locais e do país ainda nada fizeram para ajudar na proteção deste património insubstituível do Mindelo e de Cabo Verde. A proximidade das chuvas, a consciência do que está em risco e a constatação que os argumentos técnicos, científicos, legais, etc., etc., e que a  já longa campanha de sensibilização poderão ser insuficientes, exige que façamos algo mais para tentar salvar este património de nós todos.

E é assim que no dia 5 de Julho daremos início a uma nova forma de luta. Reuniremos as nossas vozes com outros mindelenses descontentes, para manifestarmos na rua a nossa inquietação, desaprovação e revolta por tamanha indiferença na proteção do que temos de melhor: o nosso património natural.

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