Depois de semanas ao sabor do vento e ao som de ondas cantantes, o céu abria e o azul invadia a vista. Lá longe o céu beijava o mar, os lábios se tocavam e o horizonte ganhava altura. Com velas cheias e uma brisa a sussurrar os ouvidos, rasgavam-se mares da crista à cava, sem medo do respingo salgado que, intrometido, invadia o convés.
Do alto do mastro, o marinheiro vasculhava incessantemente o horizonte, à procura de novidades para o capitão. Olhos cansados, rosto de mil e uma rugas, cabelo da cor do tempo, tempo da cor da maresia. Despido de resmungos e de cabeça levantada, o corpo segura-se pelas mãos fortes e amassadas pelas lides de marinheiro, como se só existisse o agora. De relance, a vista é invadida por longínquas e desconhecidas paragens. Sorridente, o marinheiro confirma o avistado, clareia a garganta e do fundo desta solta em alta voz:
– Terra à vista, terra à vista por estibordo.
Depressa, os mastros são invadidos por outros marinheiros à procura de confirmar o avistamento. À medida que sobem, o sorriso estampa-se na cara de cada um e cada um à sua vez confirma o relato inicial. Alegrado pela informação, o capitão, que há muito suspirava por destinos desconhecidos, ordena efusivamente:
– Todo leme a estibordo.
De coração aos saltos, o navio ganha novo rumo aproado às rochas que emergem do fundo do oceano. Às milhas que se somam, subtraem-se distância até ao destino, aos detalhes que se acumulam, multiplica-se ansiedade pela nova descoberta. Latitudes desconhecidas, ares não antes respirados, sol comum, calor diferente. De olhos fartos e entusiasmado o capitão volta a ordenar:
– Arriar de tacada.
Já parados e a escassos metros de distância, contemplava-se a paisagem invulgar. Rochedos que, silenciosamente, emergiam do fundo do oceano, por vezes áridos, por vezes esverdeantes, por vezes brancos, sempre firmes, filhos do Atlântico.
Ao ler esta prosa num livro Nhô Manel emocionou-se, sentiu as palavras invadir o tempo, cheias de orgulho. Sentado num banco de madeira, via o sol beijar a cara do monte, num testemunho de final de tarde. Na praia duas crianças corriam, visivelmente alegres e imunes às incidências que caraterizavam os novos tempos. Coração ungido pela inocência, pureza em tons de esperança. À memória de Nhô Manel chegavam nostálgicas imagens do presente já vivido. Lembrava-se do caminho percorrido por estes rochedos que fazem o atlântico curvar-se, da resiliência deste povo que de incertezas se fez nação. Da impossibilidade à confirmação, do improviso ao sonho, assim se faz esta nobre pátria.
Uma das crianças soltou um balão, de imediato tomado pelo vento. Os olhos acompanhavam a, aparente, liberdade do voo, sem, contudo, estar a ver propriamente o balão. O voo do balão era como uma música que nos toca, ouve-se e viaja-se à boleia dos sentimentos que invadem o coração. Nhô Manel tirou do bolso um pequeno bloco de notas e uma caneta, e inspirado rabiscou:
Do mar ao céu, sempre azul. De alma enriquecida pelas conquistas, desafios nenhuns nos intimida. Intempéries vários passamos, lutas constantes travamos, do suor às lágrimas, de incertezas a vitórias, esperança sempre, coração cheio de razões. Somos frutos da resiliência, da incapacidade de desistir, do sonho de ser nação.
Do mar ao céu, sempre azul. Ontem vencemos, hoje lutamos e amanhã novamente venceremos. Não sabemos ser diferente, não sabemos não lutar. À história emprestaremos as nossas conquistas, para que o futuro saiba de nós. E nas paredes do tempo deixaremos um manuscrito, um testemunho do nosso amor por estas pedras atlânticas. Somos milhares aos, mais de, quatro cantos, somos um único coração. Somos filhos da pátria.
Autor: Areolino Soares Delgado